A dinâmica da posse

AutorLuiz Fernando de Queiroz
Páginas205-224

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81. Noções básicas sobre a posse

- Enquanto a propriedade é sempre um direito reconhecido, a posse é sempre um fato estabelecido, que pode estar ou não revestido de reconhecimento jurídico.

Qualquer pessoa tem noção do que seja a posse. A expressão posse é de uso corrente, no sentido de apoderar-se de uma coisa, de fazer-se dono dela, de ocupá-la ou de utilizá-la, de nela se estabelecer. O termo posse nos fornece uma ideia de relacionamento direto entre a pessoa e o bem, de uma subjunção deste por aquele, e mesmo de sua conquista, como nos lembram as expressões próximas “apossar-se” ou “tomar posse”.

A posse, segundo define o Código Civil (art. 1.196), está intimamente ligada à propriedade (“considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”), mas pode situar-se em campo afastado quando observada sob o ponto de vista de seu dinamismo, no contexto das relações

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humanas, situando-se ora com maior ora com menor ênfase no plano da legalidade.

Enquanto a propriedade é sempre um direito reconhecido, a posse é sempre um fato estabelecido, que pode estar ou não revestido de reconhecimento jurídico. Mas sua importância no mundo jurídico é fundamental, razão por que o Estado, de longa data, tem socorrido o possuidor, colocando a seu alcance medidas enérgicas de proteção possessória, com eficácia contra todos (erga omnes), inclusive contra o próprio proprietário.

Natureza jurídica

A polêmica em torno da natureza jurídica da posse ainda não terminou. Diversas correntes e teorias se confrontam no sentido de dar uma explicação legal ao fato, ou seja, de situar a posse no mundo jurídico.

Seu estudo encontra-se sintetizado em duas teorias: a subjetiva (Savigny) e a objetiva (Ihering). Segundo a primeira, dois elementos são essenciais para configurar a posse: o poder físico sobre a coisa, o fato material de ter esta à sua disposição (corpus); e a intenção de tê-la como sua, a intenção de exercer sobre ela o direito de propriedade (animus).

Segundo a teoria objetiva, a posse se mostra simplesmente como uma relação de fato que se estabelece entre a pessoa e a coisa. A posse é a exteriorização da propriedade, a visibilidade do domínio, o poder de dispor da coisa em qualquer circunstância, menos quando se tratar de mera detenção em nome de outrem.

Muito embora represente um poder de fato, uma relação física entre o homem e a coisa, a posse não se apresenta, ao mundo jurídico, unicamente como um fato, pois é também um direito, já elevado à posição de instituição jurídica, merecendo proteção legal.

Como direito, indaga-se se a posse pertence aos direitos pessoais ou aos direitos reais. Os primeiros são ilimitados,

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por constituírem obrigações entre pessoas; os segundos, restritos, por envolverem relações específicas entre pessoas e coisas.

Direito pessoal

Em nosso ordenamento jurídico, direitos reais são aqueles que a lei determina, como os mencionados no art. 1.225 do Código Civil: a propriedade, a superfície, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação, o direito do promitente comprador do imóvel, o penhor (sobre bens imóveis), a anticrese, a hipoteca, além da concessão de uso especial para fins de moradia e da concessão de direito real de uso.

Apesar de apoiar-se quase que totalmente na teoria objetiva, o legislador brasileiro tem considerado a posse como um direito pessoal, o que vem merecendo decisões ora favoráveis ora desfavoráveis dos tribunais, sem que se tenha chegado a uma conclusão final.

O aspecto prático de se saber se a posse é um direito real ou pessoal diz respeito à citação dos réus nas ações possessórias. Considerada a posse como direito pessoal, não haveria necessidade de ser citado o cônjuge, ocorrendo o contrário se vista como direito real.

82. Ação para manter a posse

- A turbação, para ensejar a manutenção da posse, deve ser um ato injusto ou abusivo, que fira direito alheio, impedindo ou procurando impedir o seu livre exercício.

Todo fato impeditivo do livre uso da posse, ou que venha a tornar obscuro ou duvidoso o seu exercício, bem como todo ato que, em relação à coisa, é executado contra a vontade do possuidor, representa uma turbação da posse.

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Para garantir o possuidor contra quem esteja injustamente perturbando a posse, o Código Civil (art. 1.210) e o Código de Processo Civil (art. 926 [art. 560 do novo CPC, Lei 13.105/15]) apresentam o remédio jurídico da ação de manutenção de posse.

A turbação, para ensejar a manutenção, deve ser um ato injusto ou abusivo, que fira direito alheio, impedindo ou procurando impedir o seu livre exercício. Os atos legais, mesmo que impeçam o exercício da posse, não são turbativos, como os fundamentos de lei ou os emanados de ordem judicial.

O incômodo ou perturbação praticado pode revestir-se de forma positiva ou negativa, quando o turbador, sem desalojar o possuidor, pratica atos de ocupação do imóvel, no todo ou em parte, ou quando impede que o possuidor livremente exercite a sua posse.

Requisitos essenciais

Para valer seu direito de manutenção de posse, o possuidor deve fazer prova de alguns requisitos essenciais (CPC. art. 927 [art. 561 do novo CPC, Lei 13.105/15]), que são:

– a sua posse;
– a turbação praticada pelo réu;
– a data da turbação (menos de ano e dia);
– a continuação da posse, embora turbada ou molestada. Se a ação é possessória, há que se provar, inicialmente, a posse, o que se faz por qualquer dos meios admitidos em direito, mas usualmente por documentos ou através do depoimento de testemunhas. Também há necessidade de demonstrar que, durante o período da posse, o autor foi perturbado pelo réu.

Ainda é preciso provar que a turbação ocorreu há menos de ano e dia do ingresso da ação de manutenção, uma

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vez que, passado esse prazo, a ação terá rito ordinário, sem que perca seu caráter possessório (CPC, art. 924 [art. 561 do novo CPC, Lei 13.105/15]), independente do valor que lhe for atribuído.

Como quarto requisito da manutenção, há necessidade de que o autor, apesar de molestado, tenha continuado na posse do imóvel. Se perdeu a posse, não mais se configura a turbação, mas o esbulho, cabendo a ação de reintegração de posse.

Nada impede, entretanto, que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal adequada, no caso de o autor propor uma ação possessória em vez de outra, desde que todos os requisitos estejam provados (CPC, art. 920 [art. 554 do novo CPC, Lei 13.105/15]).

Liminar e justificação

Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção. Não estando devidamente instruída a petição, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada (CPC, art. 928 [art. 562 do novo CPC, Lei
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]).

A medida liminar garante a posse da coisa até o julgamento final da demanda.

Se o autor não provar satisfatoriamente, junto com a petição inicial, os requisitos mínimos que levem o juiz a convencer-se da necessidade de decretar a medida liminar, terá que prová-los em audiência de justificação, por meio de testemunhas.

Para essa audiência o réu será citado obrigatoriamente, mas não poderá apresentar defesa nem recurso (CPC, art. 865), podendo, contudo, reinquirir as testemunhas

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arroladas pelo autor [No novo CPC, Lei 13.105/15, não haverá mais uma seção específica ‘Da Justificação’. Esse procedimento estará previsto no art. 381, § 5º, culminado com art. 382, § 4º]. Nessa audiência, o juiz não entra no mérito da causa, nem da prova realizada, limitando-se a verificar se existem os requisitos necessários para conceder a liminar, ou seja, que a turbação da posse se deu a menos de ano e dia e que o autor não foi esbulhado.

Julgada procedente a justificação, o juiz fará logo expedir mandado de manutenção, prosseguindo-se a ação pelas vias ordinárias.

83. Reintegração e interdito

- Os requisitos do interdito proibitório são a existência de uma posse atual, a ameaça iminente de turbação ou esbulho e o justo receio de que essa ameaça se concretize.

Se a ação de manutenção de posse é adequada para os casos de turbação da posse, nas hipóteses em que o possuidor (proprietário ou não) for despojado de seu imóvel em virtude de ato violento, clandestino ou eivado de vício de precariedade, ele poderá retomar seu bem através da ação de reintegração de posse.

O elemento que...

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