A dinâmica da propriedade

AutorLuiz Fernando de Queiroz
Páginas123-142

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47. Aquisição só com registro

- Se o título translativo estiver eivado de nulidade ou anulabilidade que propicie seu cancelamento, realizado este o proprietário legítimo poderá recuperar o bem, mesmo que o adquirente vencido tenha agido de boa-fé ou se fundado em título justo.

O Código Civil de 2002 já não é mais novidade, mas ainda está longe de ter sido todo interpretado. Muitas de suas normas nem foram devidamente lidas pelos interessados. Por isso, continuamos com nosso propósito de mostrar o que ele trouxe de novo, em grande ou pequena escala, ao mercado imobiliário.

Veja-se, por exemplo, a parte que trata da aquisição da propriedade “pelo registro” e não mais “pela transcrição” do título, como na redação de 1916.

Está assim redigida a seção:

“Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade median-te o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

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§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
§ 2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.

Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo.

Art. 1.247. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se retifique ou anule. Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente.”

Os dois parágrafos do artigo 1.245 são relevantes na medida em que dispõem contra jurisprudência comum dos tribunais pátrios que dá pouco valor ao registro de imóveis quando houve compromisso de compra e venda com posse do promitente comprador.

No código velho não havia regra dizendo claramente que enquanto não registrada a escritura (ou outro título de transmissão) “o alienante continua a ser havido como dono do imóvel” (parágrafo 1º).

No parágrafo 2º, o código de 2002 volta a insistir na ideia de que o que vale é o registro, destacando que “o adquirente [não o alienante] continua a ser havido como dono do imóvel” enquanto não for invalidado por sentença e cancelado pelo oficial o registro feito de forma irregular.

Evolução

Leitura atenta merece o parágrafo único do art. 1.247, ao abrir ao proprietário cujo nome permanecer no registro o direito de “reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente”. Vale dizer, se o

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título translativo não for bom, se estiver eivado de nulidade ou anulabilidade que propicie seu cancelamento, realizado este o proprietário legítimo poderá recuperar o bem, mesmo que o adquirente vencido tenha agido de boa-fé ou se fundado em título justo.

Para dar maior veracidade ao registro, o legislador de 2002 permite ao “interessado reclamar que se retifique ou anule” (art. 1.247) qualquer dado que não corresponda à realidade. Não há detalhes sobre como isto deve ser feito. Cabe às corregedorias de justiça dos estados baixar provimentos regulando em que circunstância tal retificação poderá ser feita pelo próprio oficial registrário e em que casos a intervenção judicial será necessária.

Em síntese, não houve revolução mas leve evolução no trato deste tema.

48. Escritura vira luxo

- A realização de escritura pública lavrada em cartório elimina a possibilidade de o comprador adquirir um imóvel que esteja hipotecado ou que não esteja na posse do vendedor.

Algumas regras básicas do nosso ordenamento jurídico parecem estar sendo esquecidas ou, ao menos, relegadas a segundo plano. Uma delas é a que diz que só é dono quem registra. Desconhecemos as estatísticas, se é que existem, mas sabemos de centenas e milhares de casos de pessoas que adquirem imóveis financiados sem se preocupar em obter a escritura pública e muito menos em proceder ao registro da transmissão da propriedade.

Diz a lei que se transfere “entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis” (Cód. Civil, art. 1.245), e que “enquanto não se

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registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel” (§ 1º).

Escritura pública

Ângelo Volpi Neto, presidente do Colégio Notarial do Brasil, discorrendo sobre o assunto, adverte que, ao adquirir um imóvel, o comprador pode cercar-se de várias garantias para assegurar um bom negócio. Uma delas é a realização de escritura pública lavrada em cartório, o que elimina a possibilidade de o comprador adquirir um imóvel que esteja hipotecado ou não esteja na posse do vendedor.

Justifica ainda que, “para a lavratura da escritura, o tabelião segue um rito que procura dar todas as garantias ao comprador, ou seja, analisa a documentação e dá seu parecer jurídico, procedente ao levantamento das certidões necessárias que dão garantia à compra”. Como regra geral, no sistema legal do Brasil, a escritura pública “é da substância do ato” (Cód. Civil, art. 109), ou seja, é necessária para que o ato de transmissão da propriedade tenha validade, excetuando-se as hipóteses previstas em lei, como em relação aos imóveis adquiridos através do Sistema Financeiro de Habitação, cujas escrituras podem ser feitas por instrumento particular.

Uma outra particularidade referida por Ângelo Volpi Neto é que nas escrituras públicas o proprietário do imóvel declara sob pena civil e criminal que o objeto da venda encontra-se inteiramente livre e desembaraçado de quaisquer ônus. Mas ele mesmo reconhece que tal declaração, que por si só deveria ser suficiente para dar garantia à transação, pois vender algo que não lhe pertence constitui estelionato, não vem tendo a devida aplicação judiciária, com prejuízo para os adquirentes de boa-fé.

Procuração

Nos conjuntos habitacionais de baixa renda, existentes em todas as médias e grandes cidades do país, criou-se o costume

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de se comprar e vender imóveis financiados por simples recibos, contratos particulares e até por procuração. O titular da propriedade, ao realizar-se a primeira alienação, comparece a um cartório e constitui o adquirente como seu procurador, dando-lhe poderes para transferir o imóvel a quem desejar. Ao acontecer a segunda venda, o primeiro comprador substabelece a procuração ao novo “proprietário” e assim é feito sucessivamente, de mão em mão, até que o último tenha interesse e condições de transferir a propriedade para seu nome.

Compreende-se que tal prática seja oriunda do elevado custo das escrituras e registros imobiliários, e principalmente da burocracia e das condições impostas na transferência do financiamento do imóvel (o saldo devedor é refinanciado, elevando em muito o valor da prestação), mas não se pode deixar de alertar quem compra casa ou apartamento em tais circunstâncias do risco que está assumindo, uma vez que nada impede que o verdadeiro proprietário, outorgante da procuração, transfira o bem para outra pessoa qualquer ou que simplesmente revogue a procuração.

Se nada se fizer a respeito, em poucos anos a garantia da escritura pública e do registro de imóveis constituirá um luxo. Registre-se e aguarde-se.

49. Registro tem valor relativo

- Muito embora a legislação brasileira tenha evoluído no sentido de dar o máximo de garantia para quem adquire um imóvel através do registro, este não representa a prova absoluta do domínio sobre o imóvel.

Ao contrário do que acredita a sabedoria popular, o registro de imóveis não constitui garantia absoluta da propriedade, tendo valor relativo, pois admite prova em contrário. Quem

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não registra não é dono, também diz a inteligência popular. Por isso é sempre...

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