A dinâmica do bem de família

AutorLuiz Fernando de Queiroz
Páginas225-237

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90. Tamanho fez a diferença

- Apartamento de tamanho insuficiente para abrigar família que, por isso, mora em imóvel alugado pode ser considerado bem de família, ainda que nele residam a mãe e a avó do proprietário.

Vem se ampliando com o tempo o conceito de bem de família protegido pela Lei 8.009/90, conforme a interpretação dos tribunais. Se de início abrangia unicamente o imóvel em que o devedor e sua família estivessem residindo, hoje tal conceito está elastecido, abrangendo situações como a do devedor solteiro e daquele que, por certas circunstâncias, não mora no único imóvel próprio.

Nesse sentido é a decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp 186.210), relatada pelo ministro Ari Pargendler, cuja ementa assim brada:

“Bem de família. O prédio habitado pela mãe e pela avó do proprietário, cujas dimensões (48,00 m2) são insuficientes para também abrigar sua pequena família (ele, a mulher e

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os filhos), que reside em imóvel alugado, é impenhorável nos termos da Lei n. 8.009, de 1990. Recurso especial conhecido e provido.”

Segundo esclarece o relator, em decisão de primeiro grau o juiz tinha validado a penhora do bem, ao argumento de que a impenhorabilidade fora arguida não com base no direito do proprietário e sua família residirem no imóvel, mas no direito de descendentes. Ademais, a proteção da lei atinge a entidade familiar que convive com o devedor, não se estendendo a quem reside em outro imóvel, o que, segundo o magistrado, não leva à conclusão de que os ascendentes devam ser beneficiados pela simples existência de relação de parentesco.

Espírito da norma

A sentença fora mantida pelo tribunal paranaense, que firmou o entendimento de que “para o imóvel se caracterizar como bem de família é de rigor que sirva para residência do devedor e de sua entidade familiar”, neste se compreendendo esposa ou companheira, filhos, irmãos etc., mas “se o devedor ceder o imóvel para sua mãe e avó residirem sozinhas, passando a viver em residência locada com sua mulher e filhos – sua entidade familiar – por evidente que o benefício da impenhorabilidade não lhe pode socorrer”.

Outro foi o sentir do STJ. Pesou na decisão, contrária à do juiz e à do tribunal paranaense, o tamanho do imóvel de propriedade do devedor (apenas 48 m²).

Explica o ministro Ari Pargendler:

“Tanto o juiz de primeiro grau, quanto o Tribunal a quo decidiram que o imóvel, não sendo domicílio do executado, de seu cônjuge e filhos, perde a condição de bem de família. A rigor, interpretado literalmente o artigo 1º da Lei n. 8.009,

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de 1990, essa conclusão está a salvo de censura. A melhor interpretação, todavia, deve ser aquela que atenda ao espírito da norma, vale dizer, a proteção da família. A residência da mãe e da avó no único imóvel da família põe-no sob o abrigo da Lei n. 8.009, de 1990.”

Ouvimos dizer que há decisão de magistrado trabalhista autorizando a penhora de bem de família pelo fato de o imóvel ser de grande tamanho e nele só residir o devedor (no caso, uma viúva), sob o argumento de que o espaço é demasiado e que pode ir a leilão, pois, com o que sobejar da praça, o devedor poderá adquirir uma moradia de razoável tamanho.

91. Construção é bem de família

- Decisão do STJ deu proteção a terreno de devedor no qual ele estava construindo sua futura residência.

“O imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar destinado à moradia permanente é impenhorável. Dessa forma, o único imóvel residencial, ainda que em construção, encontra-se protegido pelo benefício concedido pela Lei 8.009/90, na medida em que o devedor e sua família pretendem nele residir permanentemente após a conclusão das obras. Precedente.”

Com essa decisão, em recurso especial (507.048-MG), relatada pela ministra Nancy Andrighi, o Superior Tribunal de Justiça alargou um pouco mais o escopo da Lei do Bem de Família, dando proteção ao terreno do devedor no qual ele esteja construindo sua futura residência. Outras decisões do STJ já beneficiaram viúvos, solteiros, quem tenha um só imóvel alugado e assim por diante.

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Vejamos alguns detalhes do acórdão. Relata a ministra Nancy Andrighi que o recorrente teve penhorada sua propriedade composta pela fração ideal de 0,617207 de área de
20.000 m², parte do Sítio de Recreio n. 16, em Governador Valadares-MG, a qual abrangeu também casa residencial em fase de acabamento erigida no terreno.

O juiz de 1º grau indeferiu o pedido de levantamento da penhora sob o argumento de que o imóvel “encontrava-se em fase de acabamento, não vindo qualquer prova que este estivesse sendo utilizado pelo executado ou sua família”, o que descaracterizaria a impenhorabilidade.

No tribunal mineiro a sentença foi mantida, lavrando-se aresto com a seguinte ementa (núcleo): “É possível a penhora de imóvel em construção, ainda que se destine à futura residência dos executados.”

Plantações e benfeitorias

Ao manifestar seu voto, a ministra relatora argumenta que a Lei 8.009/90, em seu art. 1º, parágrafo único:

“Não garante a impenhorabilidade tão somente do imóvel, mas também das...

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