Assédio sexual e o meio ambiente do trabalho

AutorFirmino Alves Lima
CargoJuiz do Trabalho Titular da Vara do tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região
Páginas154-172

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1. O dever do empregador fornecer o meio ambiente sadio

Uma das obrigações fundamentais do empregador é propiciar aos empregados um meio ambiente de trabalho sadio. Trata-se de um dever instituído por diversas normas jurídicas, muitas com nível constitucional. Este dever decorre da exploração da atividade econômica e dela obtém o lucro, que não pode ser conseguido sobre a desconsideração da dignidade da pessoa humana, constitucionalmente protegida pelos arts. 1º, III, e 170, caput, ambos da Constituição Federal de 1988.

O meio ambiente sadio é direito de todos, inclusive de quem trabalha, conforme o caput do art. 225 da nossa Carta política. O inciso V do referido artigo aponta claramente que são objetivos da proteção a vida, a qualidade de vida e o próprio meio ambiente, contra as ameaças que possam vir da produção econômica. O meio ambiente do trabalho é integrante do meio ambiente geral, conforme o inciso VIII, do art. 200 da referida norma constitucional.

A manutenção de condições de trabalho seguras e adequadas é direito fundamental dos trabalhadores posicionado na mais alta hierarquia dentro do corpo de direitos fundamentais. O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais é norma internacional de direitos fundamentais com efeito vinculante da mais alta importância no planeta, firmada por tratado internacional ratificado pelo nosso país1,

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que é incorporada ao ordenamento jurídico nacional com nível de norma constitucional, por força do art. 5º, §§ 1º e 2º da Constituição Federal de 1988. A referida Carta estabelece em seu art. 12 o seguinte mandamento:

Art. 12
1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental.
2. As medidas que os Estados partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: (...)
b) a melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente.

Não há dúvida alguma, diante das normas acima descritas, de que o empregador tem o dever de propiciar aos seus empregados um meio ambiente sadio e com qualidade de vida, livre de deteriorações ou ameaças de qualquer espécie. Esta obrigação do empregador está intimamente relacionada com o assédio sexual, posto que tal prática é um dos mais graves elementos de deterioração do bom meio ambiente do trabalho.

2. O assédio sexual

O termo assediar é utilizado na língua portuguesa com o sentido de pôr assédio ou cerco a determinado lugar, perseguir com insistência, importunar, molestar, assaltar2.

O mesmo verbete aponta uma descrição de uso militar da expressão assédio como o cerco que vai quebrando a resistência de determinada fortificação inimiga.

Na língua inglesa, o verbo harass tem origem no francês harasser, significando os atos de exaurir, esgotar, cansar, fatigar, aborrecer, enfadar, importunar, incomodar com diversas e repetidas tentativas3. Tal palavra tem seu uso na língua inglesa desde 1618, possuindo o significado tanto de atormentar, aborrecer, causar problemas, como também uma condição de exaurir ou cansar demais. O verbo harasser na língua francesa significa fatigar ao excesso, possuindo a origem da expressão na língua germânica4. No entanto, na França, é utilizada a expressão harceler que significa cansar por diversos ataques, importunar, aborrecer, atormentar, expressão que vem do francês antigo. A referida expressão foi usada na tradução da História da Guerra de Tucídedes do latim para o francês em 1527, ao narrar o conflito entre os espartanos e atenienses, no qual o significado era de exaurir o inimigo por diversas tentativas.

Assediar sexualmente é a prática de aborrecer, exaurir, esgotar, cansar, importunar ou incomodar alguém, com propósitos sexuais, ou seja, obter algum tipo de relacionamento sexual com a vítima. Esse é um dos sentidos do assédio sexual, tentar obter o relacionamento mediante o ato inoportuno, tormentador, que aborreça ou cause

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um ambiente desagradável, nocivo ou intimidativo. Um outro significado da expressão assédio sexual é obter a mesma intenção sexual mediante o uso de ameaça ou favorecimento, sendo que o relacionamento sexual é “moeda de troca” para que seja evitada uma prática maléfica ou que seja obtida uma vantagem não concedida em condições normais.

Maurice Drapeau define o assédio sexual como sendo toda conduta de conotação sexual não desejada, tanto verbal como física, geralmente repetida, de natureza capaz de causar um efeito desfavorável no ambiente de trabalho da vítima, para acarretar-lhe consequências prejudiciais no emprego e ocasionar um atentado à integridade física ou psicológica da pessoa ou da sua dignidade5. A definição acima é uma das mais completas definições sobre o assédio sexual.

A definição positivada no nosso ordenamento jurídico do que seja o assédio sexual, frise-se incompleta para a finalidade laboral, vem do direito penal positivado brasileiro, que reconhece que a prática de assédio sexual seria a seguinte conduta, conforme o art. 216-A, acrescido ao Código Penal pela Lei n. 10.224, de 15.5.2001:

Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena — detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei n. 10.224, de 15.5.2001)

No nosso ordenamento vigente, o assédio em geral é tratamento diferenciado motivado pela procura de relacionamento sexual não consentido, o que é vedado pela Convenção n. 111 da OIT, aprovada na 42ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho em Genebra em 1958, a qual entrou em vigor no plano internacional em
15.6.1960. No Brasil, foi aprovada pelo Decreto Legislativo n. 104, de 24.11.1964, ratificada em 26.11.1965, estando vigente em nosso país desde 26.11.1966. Aqui, deve ser aplicada como princípio constitucional, conforme a redação do § 2º do art. 5º da Constituição Federal de 1988, por se tratar de tratado de direitos humanos, anteriormente ao advento da Emenda Constitucional n. 45.

Seu preâmbulo deixa claro que a discriminação constitui uma violação dos direitos definidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em observância aos preceitos da Convenção de Filadélfia no sentido em que todos os homens têm direito ao progresso material e ao desenvolvimento espiritual em liberdade e dignidade, em segurança econômica, com oportunidades iguais. Logo em seu art. 1º, a Convenção n. 111 da OIT trata da discriminação nas relações de trabalho, com uma definição bastante clara do ato discriminatório, adotada por vários autores como suficiente, nos seguintes termos:

Art 1. 1. Para os fins da presente convenção o termo discriminação compreende:

Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão. (g. n.)

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Qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão que poderá ser especificada pelo Membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.

...

  1. Para fins da presente Convenção as palavras “emprego” e “profissão” incluem o acesso à formação profissional, ao emprego e às diferentes profissões, como também as condições de emprego.

    A norma internacional em questão vem responder a um dos grandes anseios da nossa Constituição Federal, sendo devidamente por ela recepcionada. Nossa Carta Política possui uma grande preocupação com a discriminação ao enunciar que o combate a ela é um dos objetivos do Estado brasileiro conforme o art. 3º, inciso IV, da nossa Carta política de 1988. A proteção contra a discriminação é um dos mecanismos mais importantes para a defesa da dignidade da pessoa humana.

    Este princípio é expressado por Joaquim José Gomes Canotilho e Vital Moreira, ao comentarem sobre o primeiro artigo da Constituição Portuguesa de 19766 da seguinte forma: é concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer ideia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir dentro da teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana.7Ingo Wolfgang Sarlet define a dignidade da pessoa humana da seguinte forma: a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contrato e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.8

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    J. J. Gomes Canotilho explica o conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana em uma teoria de cinco componentes. No último deles, o célebre constitucionalista estabelece que se firma na igualdade dos cidadãos e se expressa na mesma...

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