O direito de acesso à informação como instrumento de garantia dos direitos sociais

AutorAnjuli Tostes Faria - Hugo Cavalcanti Melo Filho
Páginas45-62

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Anjuli Tostes Faria *

Hugo Cavalcanti Melo Filho **

Acesso à informação e accountability1

O direito fundamental à informação caracteriza as sociedades democráticas, porque nelas o Estado se obriga a tornar as informações acessíveis aos cidadãos. O contrário disso, a conduta sigilosa do Estado, é, naturalmente, antidemocrática, e, segundo Joseph Stiglitz, serve para interesses pessoais e egoístas2, pois, ao adotá-la, o governo passa a se valer da falta de informações como instrumento de realização de suas funções, em todos os seus âmbitos de ação. Afirma o mesmo autor3 que o sigilo atribui aos principais atores da administração controle exclusivo sobre certas áreas de conhecimento, ampliando o poder deles, de um lado, e deteriorando a democracia, de outro.

Um Estado será tanto mais democrático quanto mais transparente for a administração.

A transparência dos dados públicos permite o accountability e figura como importante instrumento para conter os abusos na gestão governamental4. Com efeito, estruturas democráticas têm por escopo a ampliação da resposabilização dos governantes (accountability). Os dirigentes têm o dever de prestar contas aos dirigidos, que os elegeram. A qualidade democrática se amplia na mesma medida em que aumenta a responsabilidade do dirigente em relação aos dirigidos.

A ideia de accountability vincula-se ao exercício do poder mediante a utilização de recursos públicos, que impõe aos administradores a justificação dos seus atos. O conceito de accountability está intimamente li-

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gado à teoria do agenciamento (aqui em sua aplicação à esfera pública), o qual tem por unidade de análise a relação que existe entre o principal (que são os administrados/eleitores) e o agente (dirigente/eleito). O principal é quem delega poderes e responsabilidades ao agente, surgindo para este o dever de prestar contas da aplicação correta dos recursos5.

O’Donnel distingue duas espécies de accountability: horizontal e vertical. À possibilidade de existência de agências estatais legalmente autorizadas a atuar nos casos de ações ilegais ou omissões de outros agentes do Estado (1998) denomina-se indisponibilidade do sistema legal para os governantes, ou horizontal accountability (1999:641). Trata-se, aqui, de uma relação entre iguais. Já accountability vertical diz respeito ao relacionamento entre desiguais, entre os governantes e os governados, e se fundamenta no dever de transparência, na liberdade de expressão, no amplo acesso à informação, na capacidade reivindicatória e na possibilidade de avaliação e sanção dos governantes.

Desta forma, accountability horizontal é a transparência das ações das gestões públicas em relação aos agentes que podem fiscalizá-las e puni-las, assim como accountability vertical é a transparência das gestões em relação aos eleitores, que podem assim fiscalizá-las e puni-las, principal-mente através do voto em eleições livres e justas. Mas não somente isto, no caso da accountability vertical, a participação dos governados no processo de tomada de decisões vai além da ação corretiva e da fiscalização punitiva, mas relaciona-se principalmente com a ação preventiva, no sentido de poder co-participar da gestão pública no processo deliberativo. (AMARAL, 2007:35).

Se a responsabilização dos agentes públicos, existente em qualquer democracia, pela via das eleições livres e justas, com a exclusão daquele que procede mal, revela-se insatisfatória, porque realizada posteriormente ao cometimento dos atos passíveis de repreensão, outros mecanismos deverão ser adotados para um efetivo controle dos poderes políticos.

Pode-se, ainda, falar em um terceiro tipo de accountability que seria favorecido pela democratização interna do Poder Judiciário: a accountability social, relacionada às entidades da sociedade organizada:imprensa, organizações não governamentais, sindicatos (e demais movimentos sociais), associações, entre outros, que cuidam de fiscalizar e cobrar a responsabilização dos agentes públicos6.

Tal conjunto de atores e iniciativas incluem diferentes ações destinadas a supervisionar o comportamento de funcionários ou agências públicas, denunciar e expor casos de violação da lei ou de corrupção por parte das autoridades, e exercer pressão sobre as agências de controle correspondentes para que ativem os mecanismos de investigação e sanção que correspondam. Este conjunto heterogêneo de atores sociais desenvolve novos recursos que se somam ao repertório clássico de instrumentos eleitorais e legais de controle das ações de governo.

O surgimento de novas formas de intervenção civil, organizadas em torno de uma política de direitos e de prestação de contas, indica a presença de um salutar processo de renovação política [...]. (PERUZZOTTI, [s.d.]:3).

Este controle societal sobre os gestores, a cargo da sociedade civil organizada, é exercido por entidades que não têm competência legal para a fiscalização e a investigação. Por isso mesmo, estes elementos da sociedade não têm como sancionar agentes públicos. Podem, entretanto, denunciar os desvios constatados, no exercício da liberdade constitucional de expressão, às autoridades competentes, especialmente Ouvidorias, Tribunais de Contas e Ministério Público, ou mesmo sensibilizar a opinião pública7.

Uma vez incrementados os três tipos de accoutability, transparência, participação e prestação de contas, as três dimensões mais relevantes da accountability, estariam contempladas e reciprocamente estimuladas.

Um Estado será mais ou menos democrático de acordo com o nível de transparência na ação dos agentes públicos, de acesso às informações, de possibilidade de participação dos cidadãos e de prestação de contas por parte dos gestores.

Não é por outra razão que, em muitos países, é percebido um grande esforço para assegurar o aceso às informações, preservando-se, apenas, aquelas legalmente protegidas, como condição de prevenção da corrupção e fortalecimento das instituições8.

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Conforme explica Joseph Stiglitz9, a participação significativa do cidadão no processo democrático exige participantes informados, especialmente no momento em que deve eleger seus governantes. Nesse sentido, afirmou James Madison:

Um povo que pretende ser seu próprio governante deve se armar com o poder que o conhecimento oferece. Um governo popular sem informações populares ou sem os meios para adquiri-las nada mais é do que um prólogo para uma farsa ou uma tragédia, ou talvez ambos10.

Scapin e Bossa trazem o exemplo da Suécia, onde o Estado mantém informações sobre a renda média dos cidadãos acessíveis a todos, na web. Assim, como informam as autoras mencionadas, “a transparência é percebida pelo funcionário público como legítima garantia do exercício do direito à liberdade de expressão do servidor para prestar contas à sociedade sobre seus atos”11.

O direito de acesso à informação nos instrumentos normativos internacionais

O acesso à informação como direito fundamental, como não poderia deixar de ser, é reconhecido por importantes organismos da comunidade internacional, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA), como evidenciam os trechos de alguns tratados, convenções e declarações a seguir transcritos:

• Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (art. 19):

“Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”

• Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 (art. 19):

“Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza (...).”

• Declaração Interamericana de Princípios de Liberdade de Expressão de 2000 (item 4):

“O acesso à informação mantida pelo Estado constitui um direito fundamental de todo indivíduo. Os Estados têm obrigações de garantir o pleno exercício desse direito.”

• Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção de 2003 (arts. 10 e 13):

“Cada Estado-parte deverá (...) tomar as medidas necessárias para aumentar a transparência em sua administração pública (...) procedimentos ou regulamentos que permitam aos membros do público em geral obter (...) informações sobre a organização, funcionamento e processos decisórios de sua administração pública (...).”

O direito de acesso à informação na ordem jurídica brasileira

Já ficou assentado que a transparência e o acesso à informações são expressões do Estado Democrático de Direito e, para além disso, é pressuposto de tratamento digno do cidadão.

No Brasil, a Constituição da República erige, no art. 5º, XXXII, o direito à informação como direito fundamental. Coube à Lei n. 12.527/2012 – Lei de Acesso à Informação (LAI) a regulamentação da matéria. Esta lei exclui das informações acessíveis apenas as situações em que o sigilo seja necessário para a segurança da sociedade ou do Estado. Nessa linha é que, por expressa...

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