O direito adquirido e a vedação do retrocesso em face de eventual reforma previdenciária via emenda constitucional

AutorWladimir Novaes Martinez
Páginas31-39

Page 31

1. Introdução

Uma Proposta de Emenda Constitucional caso seja transformada em Emenda Constitucional suscitará questionamentos relativos à pretensão jurídica em decorrência de alteração da legislação, ao direito e ao direito adquirido, da mesma forma implicando na aplicação do Princípio da Vedação do Retrocesso.

Apresenta preceitos de aplicação imediata, comandos que reclamam regulamentação infraconstitucio-nal e regras de transição que terão de ser sopesadas pela doutrina e pelo entendimento do Poder Judiciário, justificando apreciações iniciais.

Súmula STF n. 359

Garantido constitucionalmente, em dicção que desvenda a preocupação de poder ser ofendido como mandamento fundamental do ordenamento jurídico, o direito adquirido é uma conquista do cidadão em face da organização social, da validade da ordem legal e dos percalços gerados por interpretações equivocadas de quem está funcionalmente obrigado a definir a pretensão dos indivíduos.

A Súmula STF n. 359 pontua:

Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar ou o servidor civil reuniu os requisitos necessários, inclusive a apresentação do requerimento, quando a inatividade for voluntária (grifos nossos).

De todas as que a Corte Suprema baixou, esta é a mais importante de suas condensações sumulares.

Aplicando a idealização de Cario Francesco Gabba ela pôs fim às celebérrimas discussões sobre qual norma a ser praticada quando de direitos substanciados antes do decurso do tempo: se a revogada ou a vigente.

Um divisor de águas a ser assimilado no Direito Previdenciário quanto aos elementos da definição da prestação (se ela é constituída de vários deles) e a instituição protetiva em si mesma.

A exigência da locução intercalada ("inclusive a apresentação do requerimento") restringia. Fazia do exercício um requisito a mais para a conservação das pretensões asseguradas, obrigando as pessoas a se retirarem do trabalho contra a sua vontade, tese admitida apenas na aposentadoria compulsória (PBPS, art. 51).

Tal posição foi reformulada por ocasião do Recurso Extraordinário n. 72.509/PR, em 14.2.1973. Na oportunidade do julgamento do feito, quando presente o Min. Aliomar Baleeiro, travou-se discussão sobre a revisão da súmula operada por maioria de votos e vencidos o presidente do STF e o Min. António Neder. No ensejo, desapareceu também o infine sublinhado.

O texto final ficou assim:

Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários.

No Direito Previdenciário, em sua síntese, a Súmula STF n. 359 faz valer a norma eficaz quando da reunião das exigências definidoras da prestação, e não a norma subsequente, se esta última dá menos ou impõe requisito novo danoso para os titulares.

Page 32

Nesta rara condensação sobre o assunto,paripassu com a teoria jurídica e o ordenamento nacional, o STF consagrou a potencialidade de o legislador — seja constitucional, seja ordinário — legitimamente justificado por elemento pré-jurídico, inovar em relação à regulamentação das instituições sociais, aumentando ou diminuindo as prestações, extinguindo-as ou adaptando-as, enfim, aperfeiçoando o regime em algum momento histórico.

Redigida em 1963, como era usual, o texto padece de algumas impropriedades vernaculares. Em vez de falar dos "proventos da inatividade", deveria dizer aposentadorias ou proventos da aposentadoria. Proventos da inatividade é um truísmo e significam "os vencimentos" dos jubilados. No bojo do RGPS, representa o valor da renda inicial dos benefícios de pagamento continuado.

Se a norma aplicada à espécie impõe uma alteração a ocorrer no futuro, será operada essa revisão fixada nessa lei.

2. Prestações enfocadas

A súmula alude a proventos da inatividade enpassant, certamente. Foi esta a questão que motivou a sintetização da jurisprudência. Quando compatíveis com a instituição definida, vale também para outros benefícios do segurado de pagamento continuado (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) e dos pensionistas (pensão por morte ou auxílio-reclusão).

Elegeu-se o critério da lei vigente ao tempo da reunião dos pressupostos como referência para contrastar com as normas supervenientes modificadoras nas hipóteses de redução de vantagens ou direitos. Não obsta, com isso, o surgimento de alterações posteriores a essa ocasião; tão somente preserva os direitos de quem atendeu aos requisitos legais.

Uma primeira leitura dá a entender que o texto da Súmula STF n. 359 somente se aplica aos benefícios voluntários e que ele não valeria para os compulsórios, como é o caso da aposentadoria por idade (ou até mesmo para as não programadas). Por qualquer motivo, se alguém não se aposentou compulsoriamente e veio a fazê-lo quando de nova lei, se havia preenchido os requisitos do benefício, receberá conforme a norma vigente ao tempo da reunião dos requisitos.

Rigorosamente, são garantidos os elementos da composição do direito.

Assim, em 16.12.1998, um segurado com 31 anos de serviço e carência completada assegurou o direito aos 76% do salário de benefício. Deixando para se aposentar em 16.12.1999, um ano depois, fez jus a 70% + 6% + 5% = 81%, a ser aplicado ao salário de benefício.

3. Tempus regit actum

Repete-se. A súmula consagra a observância da regra vigente ao tempo dos fatos definidores do direito. Com 30 anos de contribuição, o segurado que detinha um salário de benefício equivalente ao limite da previdência social e os seus 70% correspondentes superassem os 100%, quando chegou aos 35 anos, por conta de uma eventual contribuição inferior posterior, o benefício a ser concedido é o da aposentadoria proporcional aos 30 anos. Evidentemente como diferimento dos cálculos de cinco anos atrás para a Data de Entrada do Requerimento.

Embora visível que a súmula emergiu de problemas na área do funcionalismo civil e militar, pela universalidade da regra e o seu embasamento lógico e jurídico, ela se aplica aos trabalhadores da iniciativa privada filiados à previdência básica e complementar.

Fato reconhecido na Apelação Cível n. 53.642/MG, relatado pelo Min. Aldir Passarinho, em decisão de y- Turma do TFR (DJU de 5.9.1989):

"O princípio da súmula aludida, embora apenas se referira ela a servidor público civil ou militar, contém regra aplicável a situações como a dos autos, e até com maior razão" jornal do III Congresso . de Previdência Social. São Paulo: LTr, 1990. p. 30).

Page 33

4. Exigência do exercício

Um exercício (requerimento do benefício) seria imposição para a configuração do direito simples, mas o direito adquirido dispensa tal procedimento (vale dizer, ter de solicitar a prestação assim que preenchidos os requisitos legais), de modo que o que distingue um do outro é exatamente o não exercício opportune tempore ou após a mudança para piorar a situação do beneficiário.

O direito adquirido preserva a validade do património assegurado, tido como incorporado, em face da passagem do tempo futuro e das mudanças havidas na legislação.

5. Requisitos necessários

Os pressupostos necessários são as determinações legais, geralmente três: a) qualidade de segurado mantida; b) período de carência (quando exigida); e c) evento determinante.

Se necessário e contemplado no Regulamento Básico, caso da complementação da previdência privada, a rescisão contratual.

Quem detém os dois últimos (logo, tinha o estado jurídico previdenciário) pode perder o primeiro sem prejuízo da pretensão.

6. Espectro geral

Sequencialmente, o direito às prestações securitárias se diz inexistente (durante a ausência da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT