Direito de Águas Internacional em Geral

AutorDante A. Caponera
Ocupação do AutorJefe de de la legislación de la FAO
Páginas239-261
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D  Á
I  G
10.1 INTRODUÇÃO
Os recursos hídricos, sejam eles supericiais, subterrâneos ou atmosféricos, não respeitam fron-
teiras políticas. A consciência desse fato ajuda a entender a natureza internacional da água,
assim como a necessidade da existência de regras apropriadas para regular seu uso, conservação
e gerenciamento em nível internacional.
Devido à sua luidez e mobilidade, a água não pode ser vista sempre num contexto apenas
nacional. Aliás, pode ocorrer que o leito de um rio ou lago, que serve de fronteira entre dois ou
mais países mude de lugar devido à erosão ou à avulsão, com consequências na determinação
da localização exata da fronteira. Ou pode acontecer que o uso da água pertencente a uma
bacia hidrográica internacional por um determinado país prejudique o uso atual ou futuro
por outro país, dentro de seu próprio território.
Por exemplo, uma represa construída no território de um país para ins de irrigação ou
geração de energia hidroelétrica pode afetar o luxo natural do rio a jusante, do outro lado da
fronteira ou então, inundar o território de um país vizinho localizado a montante. Um país a
montante pode tornar as águas impróprias para certos usos, devido à descarga de substâncias
poluidoras. Existem muitos exemplos.
As diiculdades não surgem apenas no curso principal de um rio ou nas margens de um
lago, mas também em todo o sistema de aluentes, na área de captação, ou na bacia de drenagem
internacional. O caráter unitário dos sistemas luviais e lacustres (e de aquíferos) que fazem
parte de uma bacia de drenagem se deve ao fato de que os recursos hídricos nesses sistemas
quase sempre são elementos componentes de um só ciclo hidrológico, e qualquer ação por parte
de um país, que modiique, qualitativa ou quantitativamente, o regime natural da água em seu
território, repercutirá nas águas da mesma bacia, localizada no território de outro país.
As mesmas repercussões negativas podem ocorrer no caso de omissão por parte de um
país em relação às águas de uma bacia internacional, em que, se a ação tivesse sido tomada,
poderia ter amenizado ou impedido dano às águas ou a outros recursos no território de outro
país. Os melhores exemplos estão relacionados ao dever de alertar antecipadamente sobre
a possibilidade de ocorrência de enchentes e outras calamidades naturais, assim como de
situações acidentais.
No caso dos recursos hídricos subterrâneos internacionais, ou seja, aqueles sob o território
de dois ou mais países, o problema é ainda mais complexo. Ao contrário das águas supericiais,
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PRINCÍPIOS DE DIREITO E ADMINISTRAÇÃO DE ÁGUAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS
as subterrâneas não são visíveis e, sem um levantamento especializado, é diícil determinar
com precisão sua localização e suas características. Os lençóis freáticos ocupam diferentes
níveis e, com frequência, sua extensão não leva em conta as fronteiras políticas, perpassando
o território de diferentes países. Pode-se permitir a extração e o uso de água pertencente a
um lençol freático por parte de um país, mas sempre lembrando a natureza internacional
da bacia subterrânea.
No começo, o direito de águas internacionais abordava, principalmente, a questão da
demarcação das fronteiras entre Estados soberanos. O uso dos recursos hídricos para ins
domésticos, irrigação, lutuação de toras, pesca e outros usos tradicionais eram regulados
pelo direito nacional de cada Estado, ou por acordos bilaterais entre Estados vizinhos.
Apenas a navegação nos trechos principais das vias hídricas internacionais era objeto de
consideração em nível internacional, devido aos interesses comerciais envolvidos. Assim,
foi devido à navegação que o direito de águas internacional se desenvolveu.
Desde o início do século vinte surgiram novas formas de utilização da água de rios
internacionais, especialmente a geração de energia hidrelétrica e a irrigação; novos
tratados internacionais foram concluídos para a explotação dos recursos hídricos
comuns a dois ou mais países. Subsequentemente, outros tratados foram concluídos
para prevenir ou mitigar os efeitos danosos da água, resultantes de erosão ou enchentes,
ou para a proteção contra desastres naturais. Na segunda metade do século vinte, a
proteção dos recursos hídricos internacionais contra a poluição tornou-se uma grande
preocupação, e numerosos tratados foram celebrados com essa inalidade. Finalmente, a
recente preocupação internacional com a proteção do meio ambiente levou à elaboração
de tratados para a proteção dos recursos hídricos em todas as suas formas e de outros
elementos do meio ambiente: ar, espaço, mares, terra, lorestas, e outros recursos naturais
diretamente ligados à água.
Pode-se dizer que a evolução do direito de águas internacional seguiu de perto o
desenvolvimento econômico, técnico e social das nações.
10.2 CONCEITO DE “RECURSOS HÍDRICOS
INTERNACIONAIS” E OUTRAS DEFINIÇÕES
10.2.1 UM RETROSPECTO HISTÓRICO
Em termos simples, direito de águas internacional, ou direito luvial internacional, que
exclui o direito marítimo, é o ramo do direito público internacional, que rege as relações
entre os Estados, ou entre eles e as organizações internacionais, em matéria de recursos
hídricos.1
1 Em beneício dos leitores não advogados, é útil entender a distinção que existe entre direito nacional e inter-
nacional. O direito nacional rege a relação entre os seres humanos, entre os seres humanos e as coisas, e entre
eles e o estado, em uma nação soberana. O direito internacional divide-se em internacional privado e interna-
cional público. O internacional privado cobre todas as questões relativas ao status de estrangeiros em deter-
minado país, enquanto o internacional público regula as relações entre estados soberanos e entre estados e
organizações internacionais.
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