Direito ao esquecimento

AutorCleyson de Moraes Mello
Ocupação do AutorVice-Diretor da Faculdade de Direito da UERJ - Professor do PPGD da UERJ e UVA - Advogado - Membro do Instituto dos Advogados do Brasil ? IAB
Páginas279-297
279
Capítulo 7
DIREITO AO ESQUECIMENTO
7.1 Introdução
Isto significa dizer que as pessoas possuem o direito subjetivo de
serem esquecidas pela opinião pública e até mesmo pela imprensa e
internet. A tese do direito ao esquecimento sustenta que atos praticados
no passado não podem se eternizar no mundo da vida.
Nos tribunais brasileiros e no exterior o direito ao esquecimento
cada vez mais ganha espaço e novas cores.
Na VI Jornada de Direito Civil, em abril de 2013, foi publicado o
Enunciado 531 acerca do direito ao esquecimento. Vejamos: “A tutela da
dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito
ao esquecimento.”317 318
317 DIREITO CIVIL. DIREITO AO ESQUECIMENTO.
A exibição não autorizada de uma ú nica imagem da vítima de crime amplamente
noticiado à época dos fatos não gera, por si só, direito de compensação por danos morais
aos seus familiares. O direito ao esquecimento surge na discussão acerca da possibilidade
de alguém impedir a divulgação de informações que, apesar de verídicas, não sejam
contemporâneas e lhe causem transtornos das mais diversas ordens. Sobre o tema, o
Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do CJF preconiza que a tutela da dignidade
da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Na
abordagem do assunto sob o aspecto sociológico, o antigo conflito entre o público e o
privado ganha uma nova roupagem na modernidade: a inundação do espaço público com
questões estritamente privadas decorre, a um só tempo, da expropriação da intimidade (ou
privacidade) por terceiros, mas também da voluntária entrega desses bens à arena pública.
Acrescente-se a essa reflexão o sentimento, difundido p or inédita "filosofia tecnológica"
do tempo atual pau tada na permissividade, segundo o qual ser devassado ou espionado é,
em alguma medida, tornar-se importante e popular, invertendo-se valores e tornando a
vida privada um prazer ilegítimo e excêntrico, seguro sinal de atraso e de mediocridade.
Sob outro aspecto, referente à censura à liberdade de imprensa, o novo cenário jurídico
apoia-se no fato de que a CF, ao proclamar a liberdade de informação e de manifestação
do pensamento, assim o faz traçando as diretrizes principiológicas de acordo com as quais
essa liberdade será exercida, reafirmando, como a doutrina sempre afirmou, que os
direitos e garantias protegidos pela Constituição, em regra, não são absolutos. Assim, não
se pode hipertrofiar a liberdade d e informação à custa do atrofiamento dos valores que
apontam para a pessoa humana. A explícita contenção constitucional à liberdade de
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informação, fundada na inviolabilidade da vida privada, intimidade, honra, imagem e, de
resto, nos valores da pessoa e da família - prevista no § 1º do art. 220, no art. 221 e no § 3º
do art. 222 da CF -, parece sinalizar que, no conflito aparente entre esses bens jurídicos d e
especialíssima grandeza, há, de regra, uma inclinação ou predileção constitucional para
soluções protetivas da pessoa humana, embora o melhor equacionamento deva sempre
observar as particularidades do caso concreto. Essa constatação se mostra consentânea
com o fato de que, a despeito de o direito à informação livre de censura ter sido inserida
no seleto grupo dos direitos fundamentais (art. 5º, IX), a CF mostrou sua vocação
antropocêntrica ao gravar, já no art. 1 º, III, a dignidade da pessoa humana como - mais
que um direito - um fundamento da república, uma lente pela qual devem ser
interpretados os demais direitos. A cláusula constitucional da dignidade da pessoa humana
garante que o homem seja tratado como sujeito cujo valor supera ao de todas as coisas
criadas por ele próprio, como o mercado, a imprensa e, até mesmo, o Estado, edificando
um núcleo intangível de pro teção oponível erga omnes, circunstância que legitima, em
uma ponderação de valores constitucionalmente protegidos, tendo sempre em vista os
parâmetros da proporcionalidade e da razoabilidade, que algum sacrifício possa ser
suportado, caso a caso, pelos titulares de outros bens e direitos. Ademais, a permissão
ampla e irrestrita de que um fato e pessoas nele envolvidas sejam retratados
indefinidamente no tempo - a pretexto da historicidade do evento - pode significar
permissão de um segundo abuso à dignidade humana, simplesmente porque o primeiro já
fora cometido no passado. Nesses casos, admitir-se o "direito ao esquecimento" pode
significar um corretivo - tardio, mas possível - das vicissitudes do passado, seja de
inquéritos policiais ou processos judiciais pirotécnicos e injustos, seja da exploração
populista da mídia. Além disso, dizer que sempre o interesse público na divulgação de
casos judiciais deverá prevalecer sobre a privacidade ou intimidade dos envolvidos, pode
violar o próprio texto da Constituição, que prevê solução exatamente contrária, ou seja, de
sacrifício da publicidade (art. 5º, LX). A solução que harmoniza esses dois interesses em
conflito é a preservação da pessoa, com a restrição à publicidade do processo, tornando
pública apenas a resposta estatal aos conflitos a ele submetidos, dando-se publicidade da
sentença ou do julg amento, nos termos do art. 155 do Código de Processo Civil e art. 93,
IX, da Constituição F ederal. Por fim, a assertiva de que uma notícia lícita não se
transforma em ilícita com o simples passar do tempo não tem nenhuma base jurídica. O
ordenamento é repleto de previsões em que a significação conferid a pelo direito à
passagem do tempo é exatamente o esquecimento e a estabilização do passado,
mostrando-se ilícito reagitar o que a lei pretende sepultar. Isso vale até mesmo para
notícias cujo conteúdo seja totalmente verídico, pois, embora a notícia inverídica seja um
obstáculo à liberdade de informação, a v eracidade da notícia não confere a ela
inquestionável licitude, nem transforma a liberdade de imprensa em direito absoluto e
ilimitado. Nesse contexto, as vítimas de crimes e seus familiares têm direito ao
esquecimento, se assim desejarem, consistente em não se submeterem a desnecessárias
lembranças de fatos passados que lhes causaram, por si, inesquecíveis feridas. Caso
contrário, chegar-se-ia à antipática e desumana solução de reconhecer esse direito ao
ofensor - o que está relacionado com sua ressocialização - e retirá-lo dos ofendidos,
permitindo que os canais de informação se enriqueçam mediante a ind efinida exploração
das desgraças privadas pelas quais passaram. Todavia, no caso de familiares de vít imas de
crimes passados, que só querem esquecer a dor pela qual passaram em determinado
momento da vida, há uma infeliz constatação: na medida em que o tempo passa e se vai
adquirindo um "direito ao esquecimento", na contramão, a dor vai diminuindo, de modo
que, relembrar o fato trágico da vida, a depender do tempo transcorrido, embora possa
gerar desconforto, não causa o mesmo abalo de antes. Nesse contexto, deve -se analisar,

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