Direito ao lazer

AutorSandra Regina Pavani Foglia
Ocupação do AutorAdvogada
Páginas101-112

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4.1. Conceito sociológico

No Brasil, os principais conceitos de lazer adotam a definição clássica desenvolvida pelo sociólogo francês Joffre Dumazedier, em obra elaborada na década de 1960, na qual conclui que:

Lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou ainda para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais.278

Este conceito de Dumazedier trata o lazer como simples oposição ao trabalho, delineando como principais funções do lazer o descanso, o divertimento, a recreação, o entretenimento e o desenvolvimento. Em sua obra, não comenta o dever do Estado em realizar políticas públicas para a prática do lazer. Também, não estuda o aumento do tempo livre do trabalhador como conquista de classe em contraposição do capital e trabalho, representando, nas palavras de Valmir José Oleias, “uma insuficiência teórica para a análise do conceito de lazer.”279

Ainda nesse conceito de Dumazedier, o descanso representa a reposição de energias físicas e psíquicas do homem despendidas no trabalho, portanto, ligadas à questão biológica. Quanto ao divertimento, recreação e entretenimento, represen-tam a ruptura com a vida cotidiana para evitar a fadiga e propiciando energia para “suportar o fardo da vida rotineira”280.

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E, no que tange à função do desenvolvimento da personalidade, Joffre Dumazedier explica que o lazer permite uma participação social maior e mais livre, a prática de uma cultura desinteressada do corpo, da sensibilidade e da razão, além da formação prática e técnica (...) no indivíduo libertado de suas obrigações profissionais, comportamentos livremente escolhidos e que visem ao completo desenvolvimento da personalidade, dentro de um estilo de vida pessoal e social.281Já no conceito de Luiz Octávio de Lima Camargo, mesmo seguindo os passos de Dumazedier, destaca-se como elemento importante do lazer a conquista da redução da jornada de trabalho para realizar o tempo livre, definindo-se, assim, o lazer como um conjunto de atividades gratuitas, prazerosas, voluntárias e liberatórias, centradas em interesses culturais, físicos, manuais, intelectuais, artísticos e associativos, realizados num tempo livre roubado ou conquistado historicamente sobre a jornada de trabalho profissional e doméstico e que interferem no desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos.282Relevante estudo faz Valmir José Oleias para determinar o conceito de lazer, inclusive criticando a obra de Dumazedier, em que se constata a influência do fator social econômico na questão do lazer em igual parâmetro que influencia a problemática do tempo livre. Também anota a obrigação que possui o Estado de promover o lazer, afirmando que

O lazer, em sua forma ideal, seria um instrumento de promoção social, servindo para: auxiliar no rompimento da alienação do trabalho, apresentando-se politicamente como um mecanismo inovador aos trabalhadores na medida em que estabelece novas perspectivas de relacionamento social; pro-mover a integração do ser humano livremente no seu contexto social, onde este meio serviria para o desenvolvimento de sua capacidade crítica, criativa e transformadora; e proporcionar condições de bem-estar físico e mental do ser humano.283Valmir José Oleias tece suas conclusões que seguem em paralelo as questões jurídicas de direitos fundamentais284.

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Assim sendo, o conceito que procuro trabalhar em termos de lazer, sob o ponto de vista social, precisa orientar-se dentro das seguintes linhas gerais:

  1. o lazer tem sido, historicamente, uma atividade necessária ao desenvolvimento bio-psíquico-social do homem;

  2. o lazer está relacionado à disponibilidade do tempo livre;

  3. o lazer diz respeito mais diretamente às classes privilegiadas pela sua situação socioeconômica; d) por fim, a prática do lazer é influenciada sobretudo pelo Estado, na medida em que este pode implementar políticas públicas para o setor, além de oferecer espaços físicos necessários e adequados para a sua execução. Portanto, a relação com o trabalho, a sua presença ao longo da história da humanidade, o caráter de classe e a influência que o Estado contemporâ- neo pode apresentar colocam-se teoricamente como os principais elementos definidores do lazer.285

Valquíria Padilha também critica a concepção funcionalista de Dumazedier e seus discípulos que estudam o lazer apenas como oposto ao trabalho ou à obrigação, esvaziando o sentido do lazer, pois o justificam como “fator de equilíbrio, um meio para o homem suportar as coações da vida social.”286

Critica a autora, também, a posição de Dumazedier que analisa o lazer como se todos os homens fossem iguais tanto no exercício de seu trabalho, como no lazer tido como remédio para a estafante e desgastante vida de trabalhador. Fugindo dessas limitações, Nelson Carvalho marcellino é pioneiro na crítica sistemática à concepção de lazer de Dumazedier, entendendo lazer como Uma cultura — compreendida no seu sentido mais amplo — vivenciada (praticada ou fluida) no “tempo disponível”. O importante, como traço definidor, é o caráter “desinteressado” dessa vivência. Não se busca, pelo menos fundamentalmente, outra recompensa além da satisfação provocada pela situação. A “disponibilidade de tempo” significa possibilidade de opção pela atividade prática ou contemplativa.287

Percebe-se que as críticas tecidas ao conceito de lazer da concepção funcionalista, pretendem entendê-lo como um fenômeno social que pertence a

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uma sociedade contraditória, desta forma o lazer também seria contraditório. Isso porque o lazer poderia transformar-se em tempo de reflexões ou em tempo para consumo manipulado pela lógica capitalista. Verdadeiro paradoxo das sociedades capitalistas industrializadas: de um lado, as pessoas concebem o lazer como um tempo livre para se desligar das obrigações cotidianas, descansando ou relaxando; de outro, essas mesmas pessoas optam por lazeres programados e direcionados ao consumo de bens e serviços, ou ainda, entregam-se à passividade do mundo mágico da televisão.288 Todos estes conceitos de lazer possuem alguns pontos em comum. São eles: a identificação do lazer com um tempo livre das obrigações e do trabalho; as ati- vidades praticadas como forma de exercício do lazer geralmente são esportivas ou culturais; o lazer possui algumas características psicológicas como o fato de ser agradável, espontâneo, lúdico e livre; está na maioria das vezes ligado à noção de cultura; e há preocupações com políticas públicas para a realização do lazer.

Nota-se que a maioria dos sociólogos estudados abordam o lazer em relação principalmente ao tempo livre disponibilizado pelo trabalho, personagem princi-pal, seguido pela família. Valquíria Padilha afirma que A pesquisa em lazer tem como pressuposição fundamental que vale a pena conhecer cientificamente o lazer, não somente porque um tal conheci- mento pode eventualmente permitir atingir um certo domínio técnico deste campo, mas também porque ele constitui um valor nele mesmo para nossa compreensão da sociedade.289 Importa observar que, como objeto de estudo das ciências sociais, o lazer está em constante transformação, pois a sociedade se reconstrói todos os dias. Dessa forma, a sociologia do lazer deve se preocupar em desenvolver novos questiona- mentos e possibilidades para abrir caminhos realizáveis de lazer, e não tanto a definir a concepção de lazer.

4.2. Conceito jurídico

José Afonso da Silva lê o direito ao lazer nos artigos e 227 da Constituição da República, associando-o aos “direitos dos trabalhadores relativos ao repouso”290,
e relacionando-o ao direito urbanístico e com o direito ao meio ambiente sadio e

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equilibrado, pois afirma que sua natureza social “decorre do fato de que constituem prestações estatais que interferem nas relações de trabalho”291. Segundo o autor, lazer é entrega à ociosidade repousante. Recreação é entrega ao divertimento, ao esporte, ao brinquedo. Ambos se destinam a refazer as forças depois da la- buta diária e semanal. Ambos requerem lugares apropriados, tranquilos num, repletos de folguedos e alegrias em outro.292Parcial razão assiste ao doutrinador, pois se entende o direito ao lazer de for- ma mais ampla, como se colocará adiante, mas lazer se relaciona com qualidade de vida, que, por sua vez depende, dentre outros aspectos, de uma adequada política de desenvolvimento urbano que priorize habitação, condições adequadas de traba- lho e recreação, e dessa forma, as pessoas alcançarão qualidade de vida. Entende José Cretella Jr. que o direito ao lazer possui o sentido amplo de des- canso e que seus titulares são os cidadãos em geral e, em particular, o trabalhador e, dessa forma, sendo direito do empregado aduz que

Lazer é, assim, o direito social, ou faculdade de exigir por parte de quem trabalha, sendo, desse modo, a prestação que o empregador deve ao empregado, em decorrência do vínculo empregatício, tanto assim que o “salário mínimo” fixado em lei deverá ser capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família e, entre estas, o lazer” (art. 7º, IV, da Carta...

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