Direito bancário: noções gerais

AutorAlice Saldanha Villar
Páginas21-48

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1 Conceito de Direito Bancário

O Direito Bancário pode ser definido como o ramo do Direito Empresarial que disciplina, através de um conjunto de princípios e normas jurídicas, o funcionamento das instituições financeiras e das atividades bancárias em geral. A inserção dessa disciplina como ramo do Direito Empresarial remonta ao revogado Código Comercial de 1850, que em seu art. 119 previa: "São considerados banqueiros os comerciantes que têm por profissão habitual do seu comércio as operações chamadas de Banco".

Buscando a unificação do Direito Privado, o novo Código Civil de 2002 derrogou grande parte do Código Comercial de 1850, restando hoje apenas a parte relativa ao comércio marítimo. Entretanto, a doutrina pátria especializada continua apontando o Direito Bancário como parte integrante do Direito Empresarial.1Atualmente, o Código Civil de 2002 disciplina em seu Livro II o "Direito de Empresa". Desse modo, desaparece a figura do comerciante, e surge a do empresário. Ao adotar a teoria da empresa, o Código Civil de 2002 superou o deficiente critério do Código Comercial de 1850, que definia o comerciante como aquele que pratica habitual-mente atos de comércio, substituindo esses conceitos pelas noções de empresário e empresa, respectivamente.

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Embora o Código Civil de 2002 não tenha definido expressamente a figura da empresa, conceituou no art. 966º empresário como "quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens ou serviços". Dessa forma, o novo Código permitiu ao interprete inferir o conceito jurídico de empresa como sendo o exercício organizado ou profissional de atividade econômica para a produção ou circulação de bens ou serviços. Por "exercício profissional da atividade econômica", elemento que integra o núcleo do conceito de empresa, há que se entender a exploração de atividade com finalidade lucrativa.2A partir dessas bases fundamentais, o Direito Empresarial é definido pela doutrina especializada como ramo do Direito Privado destinado à regulação das atividades econômicas e dos seus agentes produtivos. Segundo Ramos, trata-se de um regime jurídico especial que "contempla todo um conjunto de normas específicas que se aplicam aos agentes econômicos, antes chamados de comerciantes e hoje chamados empresários - expressão genérica que abrange os empresários individuais e as sociedades empresárias."32 Intersecções do Direito Bancário com o Direito Público

Como descrito anteriormente, a doutrina tradicional considera o Direito Bancário como ramo do Direito Empresarial e, portanto, submetido às regras do Direito Privado. Entretanto, o Direito Bancário também se submete às regras do Direito Público, em especial do Direito Administrativo, do Direito Constitucional e do Direito Econômico.

A influência do Direito Administrativo funda-se especialmente na regulação bancária, que consiste nas atividades de supervisão e regulação do Estado sobre o Sistema Financeiro Nacional. Essas atividades estatais são reguladas pelo Direito Administrativo, mais especificamente no âmbito do poder de polícia da administração, que ocorre por intermédio do exercício de competências do Banco Central

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(BACEN). Este, nos termos da Lei nº 4.595/1964, é a autarquia federal responsável por exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas, bem como autorizar o funcionamento ou as transformações das instituições financeiras (art. 4º, "f"e "g").

No que diz respeito à intersecção entre Direito Econômico e Direito Bancário, esta se evidencia na fundamental função econô-mica das atividades bancárias. O sistema bancário é um instrumento essencial para a implementação de políticas econômicas, bem como para a estabilidade e o desenvolvimento do sistema financeiro. Os bancos, como principais representantes do Sistema Financeiro Nacional - formado por um conjunto de instituições, financeiras ou não, voltadas para a gestão da política monetária do Governo Federal -, têm um impacto fundamental sobre o crescimento econômico, na medida em que são responsáveis pela transformação de recursos financeiros em investimentos produtivos. Esta hipótese baseia-se no argumento de que o sistema financeiro deve desempenhar três funções junto ao sistema econômico, quais sejam: canalizar os recursos na direção de setores mais produtivos, identificando os potenciais tomadores de acordo com diversas possibilidades de investimento; aumentar a eficiência do uso de recursos; e, através das duas primeiras, estimular o crescimento econômico, elevando a acumulação de capital e reduzindo até mesmo a pobreza.4A atividade bancária, desse modo, não cria riquezas, mas possibilita a circulação e intensificação da acumulação de capital. O crédito é um instrumento essencial para a expansão das atividades produtivas da comunidade socioeconômica. Empresários, pessoas naturais ou jurídicas, que não dispõem de meios próprios, através do crédito podem atender às constantes demandas de aperfeiçoamento e expansão do ramo em que atuam.5A partir do oferecimento de novas formas de financiamento e novos recursos financeiros, o sistema financeiro

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estimula diretamente o crescimento econômico, impulsionando a produção de novos bens ou serviços e a formação de negócios, promovendo a inovação e o progresso econômico e produtivo.

Quanto à relação entre Direito Bancário e Direito Constitucional, esta se evidencia na constatação de que a atividade bancária qualifica-se como espécie de atividade econômica, razão pela qual deve respeitar a ordem constitucional econômica, disciplinada na Constituição Federal de 1988, a partir do art. 170, que prevê os princípios da ordem econômica, também aplicáveis no âmbito do Direito Bancário. Vale mencionar ainda os ditames dos arts. 192, 52, III, "d" e 164 da Constituição Federal de 1988, também referentes à atividade bancária.

Neste cenário, a aplicação de normas de Direito Público no campo do Direito Bancário revela a tendência progressiva, no sentido da complementaridade e confusão entre as esferas dos Direitos Público e Privado. A clássica dicotomia entre Direito Público e Privado - cuja origem remonta à tradição romana - já não prevalece, sendo essa separação cada vez mais tênue. Conforme observa Gilberto Dupas, a relação entre as esferas pública e privada na pós-modernidade tende à "interpenetração e tendência à confusão".6No atual Estado Democrático de Direito, enfrenta-se o desafio de viabilizar a convivência harmônica entre as esferas pública e privada, de modo a compatibilizá-las para que possam se complementar mutuamente e atender ao interesse público.7Afinal, o que importa realmente é a concretização de direitos e não a exata delimitação das esferas pública e privada, uma vez que "proteger o interesse público não significa desconhecer o interesse privado, devendo as esferas do público e do privado serem tidas como complementares".8

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A propósito, conforme destaca José de Oliveira Ascensão:9O Direito Privado não pode ser considerado o direito dos egoísmos individuais, como o Direito Público não pode ser considerado o direito das relações de dominação. São ambos indispensáveis e entre si complementares. O progresso não está na absorção de um pelo outro, mas na sua coordenação em fórmulas sucessivamente mais perfeitas.

No cenário atual, portanto, os processos de publicização do Direito Privado e de privatização do Direito Público compenetram-se um no outro.10A visão dicotômica entre Direito Público e Privado merece ser mantida apenas para fins didáticos.113 Fontes Normativas do Direito Bancário

Deve-se entender como fontes normativas do Direito Bancário os meios pelos quais surgem no universo jurídico as normas que organizam o sistema bancário e suas operações. Tendo em vista a ampla intersecção do Direito Bancário com diversos outros ramos do Direito, seu quadro de fontes normativas também possui natureza múltipla. Elas podem ser classificadas em genéricas e específicas, como demonstrado a seguir.

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3. 1 Fontes Normativas Genéricas

3.1.1 Constituição Federal de 1988

A atividade bancária constitui atividade econômica, razão pela qual deve respeitar a ordem constitucional econômica, disciplinada na Constituição Federal de 1988 a partir do art. 170, que prevê os princípios da ordem econômica, também aplicáveis no âmbito do Direito Bancário.

As instituições financeiras também se submetem aos ditames do art. 192 da Constituição Federal de 1988, que na redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003, determina: "O Sistema Financeiro Nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram". Este dispositivo prevê a elaboração de Lei Complementar do Sistema Financeiro Nacional, ainda não editada. Enquanto não for criada esta Lei Complementar, o Sistema Financeiro Nacional continua atrelado ao disposto na Lei nº 4.595/64.

A Constituição Federal prevê competência privativa do Senado Federal para aprovar previamente, por voto secreto, após arguição pública, a escolha do Presidente e dos diretores do BACEN (CF/88, art. 52, III, "d"). No caput do art. 164, a Constituição Federal trata da competência da União para emitir moeda, que deve ser feita exclusivamente através do BACEN. O texto constitucional permite ao BACEN comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, com o objetivo de regular a oferta de moeda ou a taxa de juros (art. 164, § 2º, CF/88). Por sua vez, o BACEN está proibido de conceder, direta ou indiretamente, empréstimos ao Tesouro...

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