Direito à cidade, capitalismo e racismo em protestos no Rio de Janeiro de 2013-2014

AutorMario Campagnani - Natália Damazio
Páginas189-205
189
DIREITO À CIDADE, CAPITALISMO E RACISMO EM
PROTESTOS NO RIO DE JANEIRO DE 2013-2014
MARIO CAMPAGNANI
NATÁLIA DAMAZIO
INTRODUÇÃO
O direito a cidade, principalmente com o advento dos megaeventos,
tornou-se ponto central de debates, tanto no campo acadêmico, quanto
na política. Apesar de tal tema ser uma reivindicação de longa data de
movimentos sociais, principalmente os que se relacionam à moradia, a
proximidade da Copa e Olimpíadas e o início dos grandes protestos de
2013 aqueceram o debate, aprofundando a questão “cidade para quem?”.
Nesse sentido nos cabe traçar algumas definições para esse breve artigo.
Em primeiro plano, não buscamos exaurir o debate, mas sim lançar
questões críticas sobre o tema, tendo como recorte temático processos de
repressão e criminalização de protestos na cidade do Rio de Janeiro entre
2013 e 2014. Nesse sentido, apontamos que o processo de acesso e direi-
to à cidade na visão dos autores não se limita somente ao que é possível
analisar nesse artigo, tendo em vista que a exclusão e restrições se dão de
forma muito mais ampla na cidade, por meio de metodologias diversas da
repressão policial em sentido estrito, mas também através da construção de
muros nas periferias, falta mobilidade urbana, criminalização da pobreza e
da negritude, remoções forçadas, dentre outras (JUSTIÇA GLOBAL, 2013).
Ainda elaborando o recorte aqui determinado, analisaremos apenas o
quesito protestos quando esses são contra-hegemônicos, ou seja, pro-
testos que buscavam romper com as opressões em curso impostas pelo
capitalismo, sendo essas analisadas pelos impactos e intensidades diversas
frente aos diferentes sujeitos que acessam a metodologia de ocupação das
ruas, apontando assim descompassos entre a criminalização e repressão
dos espaços do centro da cidade e da periferia e suas dimensões raciais na
cidade do Rio de Janeiro entre 2013 e 2014.
190 HORIZONTE PRESENTE
Ressaltamos ainda que por direito à cidade entendemos, como definido
por Harvey (2013), não apenas a visita ou retorno à cidade, mas sim como
uma liberdade de transformação da vida urbana. De forma breve e conforme
o autor: “A liberdade da cidade é, portanto, muito mais que um direito ao
acesso àquilo que já existe: é o direito de mudar a cidade mais de acordo
com o desejo de nosso coração. […]” (HARVEY, 2013, p. 28). No que se
refere a megaventos, a visão defendida nesse artigo é que não seriam esses à
fonte original do problema de exclusão e violência na cidade contra grupos
subalternizados, porém funcionam como catalizadores e aprofundadores
das estruturas de dominação e opressão já existentes no país.
Nesse sentido analisaremos alguns componentes específicos do processo
de repressão e criminalização de protestos:
a. seletividade na definição de um protesto como tal e suas consequências;
b. uso de armas letais e menos letais em protestos de favela e em pro-
testos na região central e sul da cidade;
c. criminalização dos manifestantes em 15 de outubro de 2013 e proces-
so de criminalização de Rafael Braga Vieira em 20 de junho de 2013.
Assim nos propomos, através da exposição de práticas e casos emblemáti-
cos que foram denunciados1 por vítimas, organizações não-governamentais,
articulações políticas e movimentos sociais, analisar as diferenças acima
mencionadas, apontando questionamentos de como os impactos do Estado
na repressão à pobreza e à negritude se dá de forma também desigual em
relação a protestos no espaço da cidade, já que:
A cidade não é apenas a organização funcional do espaço, suas ruas e edifi-
cações, seus bairros, pessoas carregando sonhos, isoladas na multidão, em
um deserto de prédios, que aboliu o horizonte e apagou as estrelas. A cidade
é a expressão das relações sociais de produção capitalista, sua materialização
política e espacial que está na base da produção e reprodução do capital.
(IASI, 2013, p. 41)
1 Grande parte dessas denúncias foram recolhidas pela organização Justiça Global
e outras organizações parceiras, tanto no Rio de Janeiro quanto no resto do país,
para documentar violações de direitos humanos em protesto, buscando realizar
denúncias no âmbito internacional para sistemas de proteção de direitos humanos,
seja no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos seja nas Relatorias
Especiais da Organização das Nações Unidas, cuja temática era afeita aos temas e
violações ocorridas nos protestos.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT