Direito coletivo do trabalho

AutorRicardo Calcini, Luiz Eduardo Amaral de Mendonça
Páginas203-247
Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista 203
Direito Coletivo do Trabalho
COMISSÃO DE REPRESENTANTES NA EMPRESA
Trabalho em uma empresa com 300 empregados e pretendo constituir uma comissão
para representar os empregados. A empresa, no entanto, não está permitindo que eu
inicie esse trabalho junto aos meus colegas e tenho receio de ser dispensado. Não
bastasse, o sindicato que representa a categoria não apoia essa ideia. Quais as regras
que se aplicam a essa situação? A empresa pode impedir a criação de uma comissão
de empregados?
Fabio Chong de Lima
Notas iniciais
Ao contrário do que muitos pensam, a questão da representação direta dos empregados na empresa não é um
tema novo para o direito brasileiro. Pelo contrário. Há pouco mais de trinta anos a questão, que até então era ignorada
pela legislação nacional, recebeu tratamento constitucional dado pelo art. 11 que assim estabeleceu:
Nas empresas com mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de
promover-lhes o entendimento direto com os empregadores.
Ainda que tardia, a regulamentação infraconstitucional veio na esteira da Reforma Trabalhista e repetiu o texto
constitucional, exceção feita à palavra ‘exclusiva. Neste sentido, a Lei n. 13.467/2017 acabou por conferir à represen-
tação dos empregados outras responsabilidades não compreendidas na Constituição, tais como “buscar soluções para
os conflitos decorrentes da relação de trabalho, “assegurar tratamento justo e imparcial aos empregados, impedindo
qualquer forma de discriminação por motivo de sexo, idade, religião, opinião política ou atuação sindical”, além de
“acompanhar o cumprimento das leis trabalhistas, previdenciárias e das convenções coletivas e acordos coletivos de
trabalho”, previstas no novo art. 510-B, da CLT.
Se entendermos que tais atribuições extrapolam o conceito de promoção do entendimento direto com os empre-
gadores de que trata o art. 11, CF, estaremos diante de uma norma inconstitucional, na medida em que a Carta Maior
estabelece de forma expressa ser esta a única e exclusiva finalidade da representação dos empregados não cabendo à
lei ordinária multiplicar a sua finalidade.
Por outro lado, parece-nos bem razoável interpretar as alíneas I a VI, do art. 510-B como exemplos concretos
do que a norma constitucional chama de promoção do entendimento direto com os empregadores, de forma que a
regulamentação infraconstitucional se encontra submetida aos limites impostos pelo texto maior.
Várias razões podem explicar a ausência de um desenvolvimento maior da representação de trabalhadores nos 30
anos que se passaram desde a promulgação da Constituição, mas parece-nos que o mais relevante foi a falta de interesse
tanto dos sindicatos profissionais quanto do empresariado brasileiro.
Os sindicatos profissionais têm receio de perder a representatividade nos locais de trabalho podendo resultar em um
enfraquecimento ainda maior das entidades profissionais. As empresas, por sua vez, de forma geral não têm interesse
no surgimento de outros interlocutores entre os empregados, ainda mais protegidos da dispensa sem arbitrária, tal
como se aplica dos membros da CIPA.
Diante da falta de interesse das partes diretamente envolvidas, não é de se espantar que o processo legislativo
tenha demorado tanto tempo para evoluir e regulamentar a norma constitucional.
Não obstante a demora, o fato é que a Lei n. 13.467/2017, a nosso ver, acabou por regulamentar de forma apropriada
o texto constitucional, e entre todos os pontos abordados podemos destacar como mais relevantes os seguintes aspectos:
— Ao estabelecer que é assegurada a eleição de uma comissão para representá-los (...)” parece-nos que a lei (que
nesse aspecto repete o texto da Constituição) não obriga o empregador a constituir a comissão de empregados
muito embora não possa impedi-la de ser criada por iniciativa dos interessados.
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— Se a intenção do legislador constituinte fosse a de obrigar a criação de comissões de empregados, parece-nos
que deveria ter sido mais enfático e utilizar um verbo mais assertivo.
— A lei estabelece que a comissão irá funcionar e deliberar de forma independente (art. 510-B, § 2o), entendendo-se
que não poderá sofrer influência e interferência do sindicato da categoria. Reforçando o aspecto da independência,
a lei veda a interferência não apenas da empresa, mas também da própria entidade sindical na organização do
processo eleitoral (art. 510-C, § 1o), o qual deverá ser conduzido por uma comissão eleitoral integrada por não
candidatos (art. 510-C, § 1o).
— A lei impõe que a eleição seja feita por voto secreto (art. 510-C, § 3o) e veda a participação de empregados no
curso do contrato de experiência e cumprindo aviso-prévio (art. 510-C, § 1o). Assim, eliminam-se possíveis
disputas judiciais envolvendo empregado que se candidata à comissão durante o curso aviso-prévio, por exemplo.
— Por fim, a lei estendeu ao empregado eleito para a comissão a mesma garantia de emprego oferecida ao membro
da CIPA, ou seja, desde o registro da candidatura até um ano após o término da sua participação na comissão
o empregado só poderá ter o seu contrato de trabalho rescindido se fundamentado em aspectos econômicos,
financeiros, técnico ou disciplinar.
— A lei nada menciona sobre suplência, mas apenas membros efetivos.
Se há um aspecto negativo na regulamentação do texto constitucional (art. 11) é que o legislador perdeu a opor-
tunidade de resolver, nas palavras do Des. Alexandre Teixeira de Freitas Bastos Cunha, “a articulação dos espaços de
atuação do sindicato e das instâncias internas de representação de empregados”(190) ao não definir de forma mais clara
a divisão de competências e responsabilidades entre a comissão de empregados e o sindicato representativo da categoria
profissional, o que poderá resultar na contínua resistência destes.
Antes mesmo da Reforma Trabalhista ser aprovada, José Carlos Arouca, por exemplo, já expressava a sua pre-
ocupação na relação entre o sindicato da categoria e a comissão de empregados ao afirmar que: “(...) o representante
poderá, até, ser um elemento de confronto com o Sindicato, detendo em suas mãos, com exclusividade, a aproximação
de empregados e empresa para um entendimento e, se não especificados os limites dos interesses a serem tratados,
muitas vezes ficará inviabilizada a adoção de medidas coletivas mais eficazes. Possível, mesmo, que neste quadro, o
empregador impeça a ação sindical, sob pretexto de, apoiado no dispositivo constitucional, só negociar com o repre-
sentante dos trabalhadores.
Esse mesmo aspecto não passou desapercebido pela OIT quando da aprovação da Convenção n. 135, que esta-
beleceu em seu art. 5o:
Quando uma empresa contar ao mesmo tempo com representantes sindicais e representantes eleitos, medidas adequadas deverão
ser tomadas, cada vez que for necessário, para garantir que a presença de representantes eleitos não venha a ser utilizada para o
enfraquecimento da situação dos sindicatos interessados ou de seus representantes e para incentivar a cooperação, relativa a todas as
questões pertinentes, entre os representantes eleitos, por uma parte, e os sindicatos interessados e seus representantes, por outra parte.
É o chamado princípio da reserva sindical, medida fundamental, a fim de evitar a dualidade de representação,
conforme observa o Prof. Cássio Mesquita Barros(191), ou seja, as atribuições dos representantes dos empregados não
devem se estender às questões inerentes às prerrogativas dos sindicatos, como a negociação coletiva e a deflagração
de um movimento grevista.
À representação dos empregados deveria restar a tutela dos interesses individuais junto ao empregador, interesses
esses diversos daquele previsto no art. 8, III, CF que constitui o interesse de uma coletividade.
Nessa linha, parece-nos que o legislador infraconstitucional perdeu uma excelente oportunidade para fixar de
forma mais clara e objetiva os limites e preservar as respectivas competências a fim de se evitar disputas e resistências
e estimular o diálogo e o trabalho conjunto para um fim único e comum.
Enfim, apenas com o passar do tempo será possível avaliar os efeitos da regulamentação do texto constitucional
na vida das empresas e dos trabalhadores.
(190) BASTOS CUNHA, Alexandre Teixeira de Freitas. A representação de trabalhadores na empresa a partir da Lei n. 13.467/2017. Primeiras reflexões.
In: FARIAS, James Magno Araújo (Org.). Trabalho descente. São Paulo: LTr, 2017. p. 89.
(191) BARROS, Cássio Mesquita. Representação dos trabalhadores no grupo de empresas. In: Revista LTr, v. 63, n. 02, 1999.
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Feitas essas breves considerações, passemos à análise da questão que nos foi posta:
Comentários
Como mencionado inicialmente, a Carta Magna, ao invés de tornar obrigatória a constituição de comissões de
empregados em todas as empresas com 200 empregados (o que poderia ter feito a partir de uma redação mais incisiva),
optou por apenas assegurar a eleição de uma comissão de empregados:
510-A. Nas empresas com mais de duzentas empregados, é assegurada a eleição de uma comissão para representá-los, (...).
Além disso, ao tratar do processo eleitoral, a CLT estabeleceu que:
Art. 510-C. Será formada comissão eleitoral, integrada por cinco empregados, não candidatos, para a organização e o acompanha-
mento do processo eleitoral, vedada a interferência da empresa e do sindicato.
Fica evidente, portanto, que se por um lado a empresa não é obrigada a constituir a comissão, por outro, não
pode dificultar ou vedar a sua eleição.
A despeito do direito potestativo do empregador de dispensar um empregado sem justa causa, a rescisão con-
tratual não pode ter como origem a intenção do empregado de constituir uma comissão de trabalhadores. Mesmo
esse empregado não sendo coberto pela garantia de emprego de que trata o art. 510-D, da CLT, há que se ajustar a sua
finalidade a situações fáticas, sob pena de violência aos princípios fundamentais do direito do trabalho.
Em uma circunstância como a narrada na questão, parece-nos que eventual dispensa sem justa causa do empre-
gado seria compreendida como obstativa ao seu direito de eleger uma comissão de empregados e, consequentemente,
passível de ser revertida judicialmente ou convertida em indenização.
Como deve ser feita a contagem da quantidade de trabalhadores para efeito da criação
obrigatória de comissão de representantes dos empregados na empresa?
Renato S abino
O art. 11 da Constituição reconheceu, como fundamental, o direito dos empregados de elegerem um representante
nas empresas com mais de 200 empregados, com o objetivo de promover o entendimento direto com o empregador.
Observe-se, porém, que, A regra constitucional (art. 11), entretanto, não apresentou, desde 1988, real efetividade, uma
vez que a jurisprudência não a considerou atendida pela figura do delegado sindical, prevista pelo art. 523 da CLT
(representante este, é bem verdade, apenas indicado pela diretoria da entidade sindical dos trabalhadores). Mesmo sendo
regularmente eleito esse delegado (se for o caso), o fato é que a jurisprudência dominante não o tem considerado como
expressão da figura imaginada pelo art. 11 da Constituição da República”.(192)
Posteriormente, o Brasil ratificou a Convenção n. 135 da OIT, que trata da proteção aos representantes dos traba-
lhadores nas empresas. O art. 3o, b, da referida Convenção trata especificamente dos representantes dos trabalhadores
não ligados, ou seja, “representantes livremente eleitos pelos trabalhadores da empresa, conforme as disposições da
legislação nacional ou de convenções coletivas, e cujas funções não se estendam a atividades que sejam reconhecidas,
nos países interessados, como dependendo das prerrogativas exclusivas dos sindicatos”. Contudo, apenas a Reforma
Trabalhista trouxe a regulamentação da referida proteção, nos arts. 510-A a 510-D da CLT. Durante o período de vigência
da MP n. 808/2017, houve, ainda, a inserção do art. 510-E no texto celetista.
A atual legislação, em verdade, aprimorou o mandamento constitucional, pois previu não apenas a existência de
um representante, mas sim de uma comissão de representantes. Conforme § 1o do art. 510-A da CLT, a comissão será
formada por, no mínimo, 3 empregados, se a empresa tiver de 200 a 3.000 empregados. Já na hipótese de ter de 3.001
a 5.000 empregados, a comissão terá 5 membros. Por fim, se a empresa tiver mais de 5.000 empregados, a comissão
terá 7 membros.
É importante observar que a Consolidação usa o termo “empresa”, que representa o próprio empregador, a teor do
art. 2o da CLT. Isso significa que o cálculo da quantidade de empregados, para efeito de obrigatoriedade de constituição
da comissão, deve abranger todos os seus estabelecimentos.
(192) DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. 2. ed. São
Paulo: LTr, 2018. p. 250.
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