Direito constitucional e constituição

AutorPaulo Roberto de Figueiredo Dantas
Páginas1-41
1
DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO
1.1 DIREITO CONSTITUCIONAL COMO CIÊNCIA JURÍDICA
O direito constitucional, em uma de suas acepções, é encarado como ciênciaciência
jurídica. E, sendo ciência, consiste forçosamente em um “conhecimento sistematizado
sobre determinado objeto”, como nos lembra José Afonso da Silva.1 No caso específ‌ico do
direito constitucional, seu objeto é o estudo sistematizado da constituição, ou seja, da norma
fundamental de regência do Estado.
Na lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho,2 o direito constitucional, como ciência
jurídica, “é o conhecimento sistematizado da organização jurídica fundamental do Estado,
das regras jurídicas relativas à forma de Estado, à forma de governo, ao modo de aquisição
e exercício do poder, ao estabelecimento de seus órgãos e aos limites de sua ação”.
Em conformidade com o objeto (conteúdo) específ‌ico do estudo que se pretende re-
alizar, a ciência constitucional pode ser dividida em 3 (três) disciplinas distintas. São elas:
direito constitucional particular ou positivo; direito constitucional comparado; e direito
constitucional geral, também conhecido por teoria geral do direito constitucional.
O direito constitucional particular, também conhecido como direito constitucional po-
sitivo, tem por objeto o estudo sistematizado dos princípios e regras da constituição de um
Estado específ‌ico. Busca, em outras palavras, interpretar, sistematizar e também criticar a
organização jurídica fundamental daquele Estado em particular. É também denominado
de direito constitucional positivo por se referir ao estudo da constituição vigente, positivada,
daquele ente estatal específ‌ico.
Estaremos diante do direito constitucional particular ou positivo, por exemplo, quando
estudarmos, de maneira sistematizada e crítica, os princípios e regras existentes na vigente
Constituição Federal brasileira (promulgada em 1988), que tratam da particular maneira
de ser de nosso Estado. O mesmo vale também para o estudo sistematizado das normas
constitucionais vigentes de outros Estados.
O direito constitucional comparado, como o próprio nome já nos aponta, diz respeito
ao estudo, por comparação, de normas constitucionais positivadas (contudo, não neces-
sariamente vigentes) de dois ou mais Estados. Essa disciplina, que consiste mais em uma
técnica do que propriamente em uma ciência específ‌ica, busca realizar a comparação entre
diferentes ordens estatais, para lhes extrair semelhanças e diferenças.
Será direito constitucional comparado, por exemplo, quando realizarmos um estudo,
por comparação, dos direitos fundamentais consagrados em diversas ordens constitucionais
1. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. Malheiros, 2010, p. 34.
2. Curso de direito constitucional. 35. ed. Saraiva, 2009, p. 16.
EBOOK CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL_5ED.indb 1EBOOK CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL_5ED.indb 1 15/01/2021 14:15:2415/01/2021 14:15:24
CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL • PAULO ROBERTO DE FIGUEIREDO DANTAS
2
vigentes. Contudo, por não se referir, como mencionamos, ao estudo apenas de normas cons-
titucionais em vigor, também será direito constitucional comparado o estudo comparativo de
normas constitucionais vigentes e revogadas, bem como de normas constitucionais revogadas
de constituições de épocas diferentes, seja de um mesmo Estado, seja de Estados diversos.
Por f‌im, o direito constitucional geral, também conhecido por teoria geral do direito
constitucional, tem por objeto o estudo dos princípios e institutos comuns à generalidade
das ordens constitucionais vigentes. Com efeito, do estudo comparado das normas consti-
tucionais dos diversos Estados soberanos podemos extrair o que há de comum a todas elas,
sistematizando, assim, uma teoria geral do direito constitucional.
Estaremos frente ao direito constitucional geral, por exemplo, quando estudarmos a
teoria da constituição – conceitos de constituição, suas diversas classif‌icações, elementos
constitutivos etc. –, interpretação e ef‌icácia das normas constitucionais, teoria do poder
constituinte, e, naturalmente, a própria def‌inição de direito constitucional, delimitando o
seu objeto como ciência jurídica e como ramo do direito positivo.
DIREITO CONSTITUCIONAL COMO CIÊNCIA JURÍDICA
Direito constitucional particular ou positivo – Estudo sistematizado dos princípios e regras da constituição de um Estado
especíco.
Direito constitucional comparado – Estudo, por comparação, de normas constitucionais positivadas (contudo,
não necessariamente vigentes) de dois ou mais Estados.
Direito constitucional geral
(ou teoria geral do direito constitucional)
– Estudo dos princípios e institutos comuns à generalidade das ordens cons-
titucionais vigentes, extraindo o que há de comum a todas elas.
1.2 DIREITO CONSTITUCIONAL COMO RAMO DO DIREITO POSITIVO
Realizado aquele breve estudo do direito constitucional como ciência, passemos a
denominá-lo, nesta seção, como ramo do direito positivo. E, nessa acepção, devo enfatizar,
ele não estuda coisa alguma. Tem por conteúdo, isto sim, o conjunto de normas (princípios
e regras) constitucionais vigentes, instituídas pelo Estado, dotadas de generalidade e abs-
tração, e que disciplinam as relações jurídicas por ele tuteladas.
O direito constitucional, nessa segunda acepção, é ramo do direito público. Em que
pese alguns doutrinadores defenderem não mais existir razão para a dicotomia entre direito
público e direito privado, fundamentando seu entendimento, sobretudo, na ampliação do
conteúdo das constituições (e, portanto, do próprio direito constitucional), que passaram
a conter, em seu corpo, normas referentes a todos os ramos do direito, consideramos que
tal distinção ainda existe.
Com efeito, à época do direito romano, a distinção entre direito público e direito privado
era bem pronunciada. Ulpiano, no Digesto (Livro I, título I, § 2º), a sintetizou na seguinte
sentença: ius publicum est quod ad statum rei romanae spectat; privatum, quod ad singulorum
utilitatem (em tradução livre, direito público é o que corresponde às coisas do Estado; direito
privado, o que pertence à utilidade das pessoas). O direito público, portanto, era o direito do
Estado; o direito privado, o dos cidadãos romanos.
A despeito de referida distinção ter sido consideravelmente mitigada na Idade Média,
por força da inf‌luência germânica, a separação entre direito público e direito privado voltou
EBOOK CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL_5ED.indb 2EBOOK CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL_5ED.indb 2 15/01/2021 14:15:2415/01/2021 14:15:24
3
1 • dIREIto CoNStItuCIoNAl E CoNStItuIção
a ser bem marcada no período de plena vigência do liberalismo clássico. Voltou à carga a
antiga distinção: ao direito público cabia disciplinar apenas as relações jurídicas em que o
Estado f‌igurava como uma das partes, atuando com fundamento na supremacia do interesse
público; ao direito privado, tocava a regulação das relações entre particulares.
No modelo de Estado liberal, as constituições tinham por objeto apenas as normas es-
senciais de regência do Estado, sobretudo aquelas que tratavam da sua estrutura, forma de
Estado e de governo, regime político, modo de aquisição e exercício do poder. Em relação
aos particulares, limitavam-se a disciplinar os direitos e garantias fundamentais de primeira
geração (direitos individuais e políticos), para a proteção dos indivíduos contra eventuais
arbitrariedades praticadas pelo Estado, no exercício do seu poder de império.
À época do liberalismo clássico, portanto, as constituições não tinham por objeto discipli-
nar as relações jurídicas celebradas entre particulares. Em relação aos indivíduos, tratavam
apenas dos vínculos que eles mantinham com o Estado, quando este atuava com seu poder
de império. As normas relativas às relações privadas, estas f‌icavam a cargo do Código Civil,
fundamentado na liberdade e igualdade formais, dando suporte à propriedade privada e à
liberdade contratual (os pilares do liberalismo econômico), e que, por tal razão, era tido
como a “constituição da vida privada”.
Contudo, graças aos movimentos sociais do f‌inal do século XIX e da primeira metade
do século XX, as constituições passaram a prever, de maneira progressiva e cada vez mais
intensa, diversas hipóteses de intervenção estatal na vida privada. Ao invés de conter apenas
regras de regência do Estado e de proteção dos indivíduos em face do poder estatal, passa-
ram também a conter um conjunto de normas de ordem social, cultural e econômica, tanto
para a redução das desigualdades sociais, como também para incentivar o desenvolvimento
nacional.
Com efeito, somadas às denominadas liberdades negativas, ou seja, ao conjunto de
direitos conferidos aos cidadãos que os protegiam contra possíveis arbitrariedades do poder
estatal, impedindo que este atuasse de maneira a inviabilizar a liberdade de propriedade,
de contratação, de manifestação do pensamento etc., passaram a f‌igurar nos textos cons-
titucionais também as denominadas liberdades positivas, ou seja, o conjunto de direitos
fundamentais que impunham ao Estado a prática de diversas ações, visando à obtenção da
igualdade substancial (não mais apenas formal) entre os indivíduos.
E, como consequência, os ordenamentos jurídicos passaram a apresentar, na seara
infraconstitucional, um número expressivo de normas de ordem pública, imperativas,
que não podiam ser derrogadas pela vontade das partes, e que tinham por objetivo intervir
nas relações jurídicas privadas, para que estas atendessem não só aos exclusivos interesses
particulares das partes, mas também ao interesse coletivo, com vistas à proteção dos econo-
micamente mais fracos. Deu-se, a partir de então, o fenômeno conhecido como publicização
do direito privado.
A partir daquela realidade, matérias inteiras deixaram de ser regidas pelo Código Civil.
Algumas delas, aliás, chegaram a se tornar disciplinas autônomas, como se deu, por exemplo,
com o direito do trabalho e com o direito agrário. No caso do Brasil, ainda durante a vigência
do revogado Código Civil de 1916, vimos serem editadas diversas leis extravagantes, com o
objetivo de regularem contratos com fortes efeitos sociais, como foi o caso da Lei 8.245/1991
(a Lei do Inquilinato) e da Lei 8.078/1990 (o Código de Defesa do Consumidor).
EBOOK CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL_5ED.indb 3EBOOK CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL_5ED.indb 3 15/01/2021 14:15:2415/01/2021 14:15:24

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT