Direito constitucional do trabalho

AutorGeorgenor de Sousa Franco Filho
Páginas67-90
CAPÍTULO III
DIREITO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO
1. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO
Também chamado de constitucionalismo social, é o momento histórico, surgido após a Primeira Guerra Mun-
dial, em que as normas trabalhistas, antes leis ordinárias comuns, foram constitucionalizadas e incluídas nas Leis
Fundamentais de muitos países.
As duas primeiras Constituições a adotarem essa postura foram a mexicana de Querétaro, de 1917, e a alemã de
Weimar, de 1919. A primeira mais analítica que a segunda, que foi influenciadora da maioria das constituições sociais.
Observa Mario de La Cueva, após considerar as muitas modificações que ocorreram em seguida à revolução
francesa, os resultados dessas alterações: un proceso que culminó primero en América en la Declaración de de-
rechos sociales de nuestra Constitución de 1917 y más tarde en Europa, en la Constitución alemana de Weimar
de 1919; en esos dos ordenamentos, el derecho del trabajo superó definitivamente el pasado y se presentó a los
hombres como un derecho de la classe trabajadora para los trabajadores(57).
Embora pioneira, não foi a Constituição mexicana, com os 31 incisos do art. 123, a principal influenciadora
do Direito do Trabalho que se seguiu. De La Cueva recorda que:
la Constitución de Weimar, y en general, el derecho del trabajo de aquellos años veintes, creó en Europa el principio de la
igualdad jurídica del trabajo y del capital, pues desde entonces, de forma imperativa, las condiciones de trabajo se fijaron
por acuerdos entre los sindicatos y los empresarios(58).
Lembra Antonio Cantaro que la Costituzione do Weimar del 1919 fu letta e vissuta, all’epoca, come una rispos-
ta consapevole alla solenne ‘Dichiarazione dei diritti del popolo fatta dal Congreso dei soviet del gennaio 1919’ (sic)
[1918]. E, acentua, il’unica risposta plausibille di fronte all’impasse e alla crisi del liberalismo ottocentesco, della
visione liberale dell’economia, della politica, dello Stato, della giustizia.(59)
No Brasil, as nossas sete Constituições revelaram altos e baixos para a proteção dos direitos do trabalhador,
como veremos em seguida, sendo a atual considerada a que maior número de direitos trabalhistas consagrou,
embora muitos ainda permaneçam como normas meramente programáticas. Aqui, como de resto em grande parte
dos países da América do Sul, tem se expandido o constitucionalismo social, garantindo o império da lei sobre o
poder dos governantes.
2. EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL
Vejamos o tratamento que, ao longo do Brasil independente, mereceu o Direito do Trabalho em nível consti-
tucional.
(57) DE LA CUEVA, M. Ob. cit., p. 5.
(58) Ibdem, p. 21.
(59) CANTARO, Antonio. Il secolo lungo: lavoro e diritti nella storia europea. Roma, Ediese, 2006, p. 18. O mesmo autor destaca,
adiante, que Weimar foi uma resposta europeia à Declaração soviética de 1918 (p. 55).
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Curso de Direito do Trabalho
Georgenor de Sousa Franco Filho
2.1. CONSTITUIÇÃO DE 1824
A Constituição Política do Império do Brasil, elaborada por um Conselho de Estado e outorgada pelo Impera-
dor D. Pedro I, em 25.03.1824, tinha 179 artigos. Foi nosso primeiro Código Político Máximo, e a mais duradoura
de todas as nossas Constituições, seguindo o modelo europeu de liberalismo. Não contemplava regras protetoras
aos direitos trabalhistas. À época, predominava a escravidão e, recém-independentes, ainda estávamos sob a in-
fluência das Ordenações portuguesas.
O último artigo da Carta Imperial cuidava, dentre outros aspectos, da inviolabilidade dos direitos civis e
políticos (art. 179, caput), garantia qualquer gênero de trabalho, cultura, indústria ou comércio, desde que não
ofendesse costumes públicos, segurança e saúde dos cidadãos (inciso XXIV) e abolia, certamente a nota mais re-
levante, as Corporações de Ofícios, seus Juízes, Escrivães e Mestres (inciso XXV), medida que na Europa ocorrera
com a Lei Le Chapelier, em 1791.
2.2. CONSTITUIÇÃO DE 1891
Sobreveio a República e com ela nossa segunda Constituição, a da República dos Estados Unidos do Brasil, de
24.02.1891, elaborada por um congresso constituinte e contemporânea à Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII,
que, como vimos, lançou as bases da doutrina social da Igreja.
Liberal, silenciou sobre direito do trabalho. Profundamente individualista, nos moldes da Constituição ameri-
cana que a influenciou, limitou-se apenas a permitir a livre associação (art. 72, § 8º) e a garantir o livre exercício de
qualquer profissão moral, intelectual e industrial (§ 24), direitos conservados pela Emenda Constitucional (EC)
de 03.09.1926, praticamente uma nova constituição.
2.3. CONSTITUIÇÃO DE 1934
A Assembleia Constituinte convocada durante a ditadura Vargas elaborou a Constituição promulgada a
16.07.1934, de conotação social-democrática, e, no art. 113, garantia a inviolabilidade de direitos, inclusive aque-
le concernente à subsistência, com o n. 34 afirmando que a todos cabe o direito de prover à própria subsistência e à
de sua família, mediante trabalho honesto, amparando o Poder público as pessoas indigentes.
Constituição evoluída para a época, a de 1934 introduziu o título IV tratando Da ordem econômica e social, ad-
mitindo o reconhecimento de sindicatos e associações profissionais, adotando o pluralismo sindical (art. 120). Para
os direitos trabalhistas foi dedicado o art. 121, devendo a lei promover o amparo à produção e estabelecer condições
de trabalho na cidade e no campo, para proteger socialmente o trabalhador e os interesses econômicos do país.
Esse art. 121 foi muito expressivo. Seu § 1º contemplava a isonomia salarial, o salário mínimo, a jornada de
trabalho de oito horas/dia, restrições ao trabalho do menor, repouso semanal, férias anuais remuneradas, indeniza-
ção por dispensa sem justa causa, assistência e previdência a maternidade, velhice, invalidez, acidente de trabalho
e morte, regulamentação de todas as profissões e reconhecimento das convenções coletivas de trabalho.
Além desses direitos, outros temas foram tratados, como o trabalho agrícola (§ 4º), a organização de colônias
dessa natureza (§ 5º) e a situação do trabalhador migrante (§§ 6º e 7º).
O grande fruto da Constituição de 1934 foi a criação da Justiça do Trabalho, como integrante do Poder Exe-
cutivo, vinculada ao então Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (art. 122), com seus órgãos possuindo
composição paritária, nem sequer exigida formação jurídica, bastante ser pessoa de experiência e notória capaci-
dade moral e intelectual (parágrafo único).
2.4. CONSTITUIÇÃO DE 1937
A Constituição de 1934 teve, porém, vida curta. Vargas implantou um regime ditatorial e outorgou uma Carta,
a 10.11.1937, conhecida como Polaca. Durante quase cinco anos, vigeu em plenitude, apesar de ser profundamen-
te restritiva da liberdade. A partir do Decreto n. 10.358, de 31.08.1942, quando foi declarado estado de guerra no
Brasil contra as potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), o dispositivo que tratava dos direitos trabalhistas
(art. 137) foi suspenso, mantido apenas o art. 136, que considerava o trabalho um dever social, que deveria ser
exercido honestamente, da mesma forma com o de livre circulação no território brasileiro e o de a pessoa poder
exercer de sua atividade regular (art. 122, § 2º).

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