O direito de crianças à visitação a familiares em restrição de liberdade e a gestão decisória: uma revisão normativa

AutorCarolina Costa Ferreira, Eduarda Toscani Gindri
CargoCarolina Costa Ferreira, Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, Doutora em Direito, Estado e Constituição (UnB), Líder do Grupo de Pesquisa 'Criminologia do Enfrentamento' Professora do PPGD em Direito Constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Professora de Criminologia, Direito ...
Páginas87-118
Revista de Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 26, n. 1, p. 87-118, jan./abr. 2021.
DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v26i11916
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
O DIREITO DE CRIANÇAS À VISITAÇÃO A FAMILIARES EM RESTRIÇÃO DE
LIBERDADE E A GESTÃO DECISÓRIA NO DISTRITO FEDERAL: UMA REVISÃO
NORMATIVA
CHILDREN’S RIGHT TO VISIT THEIR FAMILIES IN PRISON AND DECISION-MAKING
MANAGEMENT IN BRAZILIAN FEDERAL DISTRICT: A NORMATIVE REVIEW
Carolina Costa Ferreira
Doutora em Direito, Estado e Constituição (UnB), Líder do Grupo de Pesquisa
"Criminologia do Enfrentamento", Professora do PPGD em Direito Constitucional do
Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Professora de
Criminologia, Direito Penal e Processual Penal (CEUB).
Eduarda Toscani Gindri
Doutoranda e Mestra em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade de Brasília, na linha de pesquisa "Sociedade, conflito e movimentos
sociais". Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de
Santa Maria, com período de estudos na Universidade do Algarve, em Portugal.
Resumo
O artigo discute o direito das crianças à visitação de familiares em
privação de liberdade no Distrito Federal, enquadrando o ato de
visitar como procedimento da execução penal e como circunstância
de violação a direitos fundamentais. A pesquisa investiga limites
legais e institucionais do direito de visitação na execução penal,
utilizando a análise documental como metodologia. Para isto, o texto
discute o sentido de prioridade absoluta dado à proteção à criança e
ao adolescente, pela Constituição Federal, correlacionando-o a
competências administrativas, legislativas e decisórias sobre o direito
de visita, no âmbito da execução penal. Apresentam-se, na segunda
seção, dados sobre a execução penal no Brasil, que indicam a
invisibilidade sobre a infância que transita pelo cárcere, em uma
tentativa de “sanitarização” da discussão, reduzida à informação
sobre a existência ou não de estruturas de visitação no cárcere. O
terceiro tópico levanta discussões empíricas, discutindo o conceito de
família, a titularidade do direito à visita e a (in)compatibilidade de tal
direito a medidas de privação de liberdade. A quarta seção é
dedicada à regulação da visita social no Distrito Federal, indicando a
revisão normativa correspondente, suas práticas e limites
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institucionais, apontando dois casos em que se verificam a atuação
do Poder Judiciário. O artigo dialoga com a análise qualitativa das
normas e a produção teórica em execução penal, com especial
orientação à defesa de direitos fundamentais. Por fim, o texto indica
uma agenda de pesquisa em torno do tema, que deve ser objeto de
trabalhos futuros.
Palavras-chave: Proteção à Primeira Infância. Privação de liberdade.
Direito de visita.
Abstract
The theme of this paper is the right of children to visit family members
who are in prison in Brazilian Federal District. The research sought to
carry out a mapping of the norms that deal with the right of children to
visitation, focusing on its legal and institutional limits through
documental analysis. For that, in the first topic, the organization of
administrative, legislative and decision-making powers on visiting
rights are described. In the second topic, the text articulates the visit as
a right in the norms, recent changes and their foundations, based on
data about prisons in Brazil. The third topic presents an empirical
discussion about visitation in prison and the regulatory context of the
Federal District analyzed. The last section is dedicated to the
regulation of social visits in the Federal District. It was identified the
existence of conflicts of rights in the decision on visitation, opposing
the full protection of the child as a basis contrary to the visit and the
right to family life and the re-socialization of the inmate as a favorable
basis. The paper starts a dialogue between legislation and theory,
particularly Fundamental Rights section. Finally, we present a list of
research gaps on the topic that were not yet been explored.
Keywords: Protection of First Childhood. Freedom deprivation. Prison
visiting.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Descrever um imaginário sobre o “visitar” pode consistir em um processo de
comunicação que envolve o ingresso de um sujeito (ou um conjunto de sujeitos) no
espaço físico de outro – seja ele morada permanente ou transitória, que também
carrega o sentido de “permanência”. Descrever o ato de visitar como procedimento
jurídico, por sua vez, pode excluir a subjetividade afetiva que a visita contorna, para,
então, “racionalmente”, construir e descrever um conjunto de procedimentos e
fundamentos para que um sujeito ingresse no espaço físico do outro. Neste texto,
descrever o ato de visitar será uma tarefa para compreender a organização normativa
do Estado sobre o evento da visitação de crianças ao cárcere no Distrito Federal, a fim
de refletir sobre a visita enquanto direito e mapear algumas das disputas que se
articulam em torno da sua efetivação. A pergunta de pesquisa que se delineia, nesta
fase de análise, com a seguinte formulação: quais são os limites institucionais e legais
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ao direito de visitação de crianças a seus familiares presos no Distrito Federal? Em
que medida embaraços institucionais podem – ou não – violar direitos assegurados à
criança e ao adolescente?
Para responder à pergunta de pesquisa, realizamos pesquisa documental,
considerando leis, portarias, cartilhas e outros produtos do Estado, em especial os de
visitação a pessoas privadas de liberdade do Distrito Federal (DF). A escolha sobre a
Unidade da Federação para este trabalho ocorreu em razão de esta possuir três tipos
de unidades penitenciárias distintas: presídio feminino (em uma unidade mista, que
detém uma ala de tratamento psiquiátrico para homens e mulheres), presídio
masculino, ambos sob a tutela da Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito
Federal, e um estabelecimento prisional federal, sob a tutela do Departamento
Penitenciário Federal, órgão do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Além
disso, o Distrito Federal é a única dentre todas as Unidades da Federação incluídas na
pesquisa1 que disponibiliza extenso conjunto de documentos sobre a gestão das
visitas em formato digital e acessível ao público.
No primeiro tópico, analisamos a Lei de Execução Penal, indagando quem são
os sujeitos e instituições que organizam a produção normativa sobre o direito à visita e
quais as representações socais presentes na Lei sobre o ato de visitar. Em seguida,
abordamos o “visitar” enquanto direito, apontando os documentos normativos que
garantem essa possiblidade e a principal modificação no direito de visita, com o
Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 2.785, de 2011 (BRASIL, 2011), que
gerou a aprovação da Lei nº 12.962, de 8 de abril de 2014 (BRASIL, 2014). Por fim,
analisamos com detalhamento todas as normativas oficiais que incidem sobre a
gestão do direito de visita na execução penal do Distrito Federal, bem como cartilhas,
informativos e julgados que revelam indícios de disputas e novas possibilidades de
análise sobre o direito das crianças à visita no cárcere. No último tópico, indicamos os
desafios de uma agenda de pesquisa que defenda a proteção à criança e ao
adolescente como prioridade absoluta do Estado, como nos indica a Constituição
Federal, no sentido de se efetivar sua proteção integral, ainda em meio a um cenário
de reprodução de punitividades administrativas e judiciais, como é a execução penal
no Brasil.
1 Este artigo apresenta resultados complementares da pesquisa "Crianças e o cárcere: efeitos do
sistema prisional no desenvolvimento da primeira infância", realizada pelo Observatório de Direitos
Humanos do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), com financiamento da
Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI - Brasil).

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