Direito das coisas: uma introdução necessária

AutorDanielle Portugal de Biazi
Páginas5-21
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DIREITO DAS COISAS:
UMA INTRODUÇÃO NECESSÁRIA
2.1 DIREITO DAS COISAS
Não há como falar em propriedade e posse sem antes estudar o direito das coi-
sas, aquele que tem por objeto material o estudo dos direitos subjetivos incidentes
sobre coisas.1 Já o objeto formal seriam as formas de apropriação e de distribuição
de coisas por meios seguros e justos.
Inicialmente insta esclarecer que a opção terminológica por direito das coisas
visa acompanhar a escolha legislativa para o Livro III do Código Civil de 2002, para
designar a matéria, malgrado a doutrina, em boa parte2, utilize-se das expressões
direito das coisas e direitos reais como sinônimas,3-4 sendo a segunda preconizada
por Savigny e a primeira adotada em diversas legislações, como a alemã e a austríaca.
Neste trabalho, por compreender que categorização é importante, os termos serão
empregados de forma distinta.
Importam nesta senda as coisas corpóreas, pois somente estas poderão ser
objeto de direitos subjetivos reais e posse. Por esta razão, Arruda Alvim costuma
distinguir os termos limitando o signif‌icado de coisa ao “objeto material, tangível,
com consistência”.5 Destarte, coisas móveis ou imóveis seriam aquelas que aguçam
os sentidos, tornam-se palpáveis6. Nesta medida, coisas seriam objetos suscetíveis
de apropriação e, portanto, sob a égide dos direitos reais, enquanto bens, apesar de
possuírem valor econômico, referem-se aos objetos incorpóreos, insuscetíveis de
domínio, pois ligam-se à ideia de “bens da personalidade”.7
1. PENTEADO, 2008, p. 45.
2. Em artigo publicado pela Revista dos Tribunais, Rodrigo da Cunha Lima Freire (1997, p. 56) apresenta a
diferenciação entre os termos direito das coisas e direitos reais. A justif‌icativa para tanto seria o fato de que
a posse não pode ser considerada direito real, tratando-se de “situação de fato, juridicamente e especial-
mente protegida, que, embora se encontre em quase todos os direitos reais [...] não se opõe ao domínio ou
propriedade. Para tanto, cita Orlando Gomes, Maria Helena Diniz e Caio Mário da Silva Pereira.
3. SERPA LOPES, 2001, p. 08-09.
4. “Tanto a expressão Direitos Reais como a de Direito das Coisas possuem ambas um conceito idêntico, como
idênticos os seus objetivos e a matéria jurídica de que se compõem” (SERPA LOPES, 2001, p. 09).
5. ARRUDA ALVIM, 2011, p. 498.
6. No mesmo sentido: PENTEADO, 2008, p. 47.
7. ARRUDA ALVIM, 2011, p. 498.
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PROPRIEDADE: RECONSTRUÇÕES NA ERA DO ACESSO E COMPARTILHAMENTO • DANIELLE PORTUGAL DE BIAZI
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2.2 NOÇÃO JURÍDICA DE COISA
Como regra geral, a identif‌icação de coisa incorpora basicamente três caracte-
rísticas: corporeidade, economicidade e possibilidade de apropriação.
No que toca à corporeidade, há uma corrente de autores que insiste na inclusão
de coisas incorpóreas como objetos de direitos reais – para esses autores, a restrição
à corporeidade não se justif‌icaria uma vez que há objetos incorpóreos de valor pa-
trimonial e constitutivos de objeto jurídico8-9.
Pertinente verif‌icar a posição de Maria Helena Diniz,10 que outorga maior am-
plitude ao debate, entendendo que coisas podem ter conteúdo material e imaterial,
consistindo em gênero do qual os bens são espécie. Segundo a civilista, tudo aquilo
que existe na natureza poderá ser reconhecido como coisa, exceto as pessoas; de
outro lado, os bens englobariam apenas coisas suscetíveis de apropriação, inclusive
imateriais, como a propriedade literária, artística e científ‌ica, desde que economica-
mente apreciáveis e, por esta razão, constituidoras de patrimônio.
Parte do raciocínio pode ser relacionado ao fato de que o Código Civil de 1916
possuía dentro do Livro II (Direito das Coisas), um Capítulo (VI) que inseria neste rol
a propriedade literária, artística e científ‌ica. Posteriormente, por meio de revogação
legislativa, os temas como os direitos autorais passaram a ter regramento autônomo,
respectivamente, conforme constatado pelas Leis n. 5.988/1973 e n. 9.610/1998.
Parece, contudo, que a aproximação entre as manifestações intelectuais e o
direito das coisas tem sido alvo de críticas na doutrina que trata das matérias de
forma distinta, como direitos de regulamento e estrutura próprios. Haveria uma
distinção sutil entre a res e o modo de operar de um sujeito, segundo a lição funda-
mental de Walter Moraes.11 Para o autor, a expressão da natureza humana, vinculada
intimamente aos direitos de natureza autoral, reproduz os chamados direitos da
personalidade12.
8. DINIZ, 2017, p. 38.
9. Orlando Gomes (1998, p. 9) entende que podem ser objeto do direito das coisas tanto as corpóreas quan-
to as incorpóreas: “Objeto de direito real podem ser tanto as coisas corpóreas como as incorpóreas. Sua
limitação às primeiras não se justif‌ica. É reconhecida a existência de direitos sobre direitos, que são bens
incorpóreos. Admite-se que o usufruto e o penhor possam ser objeto de outro direito real. Discute-se,
porém, sobre a possibilidade de ter um direito por objeto um direito pessoal. Admitido que o usufruto e o
penhor podem recair em créditos, que são direitos pessoais, nenhuma dúvida subsiste para uma resposta
af‌irmativa. Desde que o poder do titular se exerça diretamente sobre um crédito, sem intermediário, como
se exerce sobre uma coisa corpórea, o direito é real”.
10. DINIZ, 2014, p. 367-368.
11. MORAES, 2000, p. 197.
12. “Nesta dimensão, constituem-se em bens, para um sujeito, as substâncias, essências, potências, atos e
propriedades que integram o seu composto natural, pela suf‌iciente razão de carecer delas o homem, como
é evidente. Em sede jurídica, estes mesmos componentes da natureza humana – bens éticos – vão-se con-
vertendo em bens de direito, notadamente para o seu sujeito, à proporção que, tornando-se relevante razão
de relações intersubjetivas (n. 1), a mesma ordem jurídica lhes vai conferindo tutela específ‌ica. Em tese,
todos esses componentes podem vir a ser reconhecidos como objetos de direitos subjetivos. Os bens que
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