Direito Desportivo Empresarial
Autor | Mariana Rosignoli/Sérgio Santos Rodrigues |
Ocupação do Autor | Advogada e sócia do Santos Rodrigues Santiago Tonello Advogados / Advogado e sócio do Santos Rodrigues Santiago Tonello Advogados |
Páginas | 110-130 |
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esporte movimenta bilhões por ano e seu desenvolvimento acompanhou momentos históricos de muitos países.
O A atual realidade do “esporte-negócio” está intimamente ligada à globalização, intensificada a partir da década de 1990. Sobre este fenômeno, discorre Mauricio Godinho Delgado:
Globalização ou globalismo corresponde à fase do sistema capitalista, despontada no último cartel do século XX, que se caracteriza por uma vinculação especialmente estreita entre os diversos subsistemas nacionais, regionais ou comunitários, de modo a criar como parâmetro relevante para o mercado a noção de globo terrestre e não mais, exclusivamente, nação ou região.194
A globalização trouxe consigo uma série de alterações no sistema econômico e na atuação humana, entre as quais pode-se destacar a generalização de um pensamento econômico: o neoliberalismo. Este liberalismo readaptado corresponde a um conjunto orgânico de ideias que se fortaleceram a partir de 1970, dirigidas à estruturação do Estado e sociedade no sistema capitalista. Godinho afirma, ainda:
O pensamento liberal renovado sustenta, em síntese, na linha da velha matriz oitocentista o primado do mercado econômico privado na estruturação e funcionamento da economia e da sociedade, com a submissão do Estado e das políticas a tal prevalência.
[...]
Deve o novo Estado centrar seu foco, em essência, na gestão monetária da economia e na criação de condições cada vez mais favoráveis aos investimentos privados.195
No Brasil, em relação à economia, grandes alterações foram percebidas nos anos 90 como, por exemplo, a abertura econômica, privatizações, reestruturação produtiva, plano de redução e estabilização de preços (Plano Real) e tentativa de maior flexibilização das relações de trabalho.
Já no âmbito dos esportes, as mudanças giraram em torno da melhoria de serviços prestados ao torcedor (que atualmente passa a ser considerado consumidor) e do incentivo à participação da iniciativa privada no esporte.
Esta última passou a ser estimulada uma vez que a política neoliberal prevê a ideia do Estado mínimo. Logo, busca-se evitar o patrocínio público, já que, de acordo com este novo pensamento, cabe ao público (Estado) apenas prestar as necessidades básicas da população, tais como saúde, educação e segurança pública.
Além disso, o esporte passou a ser visto como uma atividade extremamente lucrativa e os investidores, percebendo a grande rotatividade de capital nacional e internacional, voltaram seus olhos a este mercado, observando por quais meios poderiam aumentar seus lucros.
Natural, portanto, que os clubes esportivos, passassem a ser o foco de investimentos e percebessem que não poderiam mais manter a estrutura fechada e arcaica de outrora, decidindo também se modernizar para enfrentar o novo período liberal. A primeira estratégia dos clubes para se adequar constituiu-se em valorizar e efetivar o “marketing esportivo”, o que ressalta a tendência da “empresarialização” do esporte.
Essas iniciativas, conforme destacado, basicamente se davam para libertar o esporte do domínio estatal, já que toda a administração e financiamento pertenciam ao poder público. O Brasil conheceu então o novo “boom” capitalista,
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inicialmente no futebol e posteriormente em outros esportes, com a criação da Lei Zico (então Ministro dos Esportes), promulgada em 6 de Julho de 1993, pelo então Presidente da República Itamar Franco.
Sobre a referida lei comenta Marcílio Krieger: “Lei n. 8672/93, que instituiu normas gerais sobre desportos, chamada de Lei Zico, democratizou as relações entre dirigentes e atletas, criando condições para a profissionalização das diferentes modalidades de prática desportiva”.196
Esta lei foi remodelada em 24 de março de 1998 e, com a mudança do Ministro, apelidou-se a nova norma de Lei Pelé. Acerca da norma em apreço, assevera Alexandre Bueno Cateb que “seguindo as alterações da Lei Zico, a Lei
n. 9.615/1998 (Lei Geral sobre Desportos ou Lei Pelé) disciplinou de forma exaustiva, desde a organização dos clubes e suas entidades representativas até o contrato de trabalho dos atletas”.197
Com objetivo de instituir normas diversas ligadas ao desporto brasileiro, a nova legislação trouxe a “liberdade” econômica para o desporto nacional, movimentando ainda mais os negócios do esporte.
O mercado esportivo ao redor do mundo movimenta bilhões por ano – desde o marketing até as grandes transações envolvendo atletas, sendo seu principal foco o futebol, seguido pelo vôlei, basquete e futsal. No ano de 2017 ocorreu uma das maiores transferências do futebol envolvendo um atleta brasileiro: a ida de Neymar do Futbol Club Barcelona (Espanha) para o Paris Saint-Germain Football Club (França), que envolveu a cifra de aproximadamente 222 milhões de euros.198
No Brasil, de acordo com a Revista ISTOÉ “o esporte movimenta 1,5% do PIB no Brasil, em alguns países, está em 3% e nos EUA, chega a 5%”199. O estudo “Brasil Sustentável — Impactos Socioeconômicos da Copa do Mundo 2014”, desenvolvido pela Ernst & Young em parceria com Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostra que a Copa de 2014 tinha potencial para gerar cerca de R$ 142 bilhões adicionais para economia brasileira:
Além do investimento direto de R$ 22,46 bilhões para garantir infraestrutura e organização, a realização da competição deve acarretar R$ 112,79 bilhões adicionais, considerando-se os impactos provocados em inúmeros setores interligados, em um efeito dominó com uma série de desdobramentos econômico-sociais. Serão gerados 3,63 milhões de empregos-ano e R$ 63,48 bilhões de renda para a população, impactando o mercado de consumo interno.
A arrecadação também vai ser impactada, com um adicional de R$ 18,13 bilhões para reforçar cofres públicos. O impacto direto sobre o PIB no período 2010-2014 é de R$ 64,5 bilhões – valor que corresponde a 2,17% do valor estimado do PIB para 2010, de R$ 2,9 trilhões. Os setores mais beneficiados pela Copa do Mundo no Brasil serão os de construção civil, alimentos e bebidas, serviços prestados às empresas, serviços de utilidade pública (eletricidade, gás, água, esgoto e limpeza urbana) e serviços de informação. (...)200
Diante dos números apresentados, pode-se perceber claramente que o esporte hoje é um dos grandes centros de rotatividade de dinheiro e, portanto, um atrativo negócio.
Diante do crescente aspecto econômico atribuído ao desporto, em 2003 a Lei n. 10.672 alterou significativamente e acrescentou alguns dispositivos à Lei n. 9.615. Assim, o parágrafo único do art. 2º da norma, que trata da principiologia do desporto nacional, passou a prever que a “exploração e a gestão do desporto profissional constituem exercício de atividade econômica”.
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Nesse contexto econômico e normativo, em que o esporte em suas diversas facetas é tratado como campo de negócios, surge o Direito Desportivo Empresarial, ramo do Direito Desportivo que estuda as normas jurídicas que regem as entidades de prática desportiva e suas atividades, os empresários e negócios relacionados diretamente ao desporto.
Como exposto, o sistema jurídico desportivo tem como fundamentos alguns princípios próprios. O art. 2º da norma supracitada, além dos princípios gerais do desporto passou, a partir de 2003, em seu parágrafo único, a estabelecer os princípios próprios do desporto como atividade econômica.
A transparência na exploração e gestão do desporto pode ser definida como a atuação da entidade de prática desportiva ou da entidade de administração do desporto no intuito de tornar a atividade e seus dados públicos e acessíveis à comunidade. Prevê o acesso às informações tanto financeiras quanto de gestão de forma geral, não se limitando a dados específicos.
Preceitua Celso Antônio Bandeira de Mello que, de acordo com o princípio da moralidade administrativa, “a administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação do próprio Direito (...)”.201 No âmbito esportivo não é diferente. O gestor, tanto das entidades de prática como de organização do desporto, tem o dever de respeitar as regras morais presentes na lei, ainda que implicitamente, não podendo desprezar o elemento ético em sua conduta.
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