Direito Desportivo Empresarial

AutorMariana Rosignoli/Sérgio Santos Rodrigues
Ocupação do AutorAdvogada/Advogado
Páginas116-137
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MARIANA ROSIGNOLI
e
SÉRGIO SANTOS RODRIGUE S
CAPÍTULO 5
Direito Desportivo Empresarial
1. Introdução — Esporte como negócio
1.1. Histórico
esporte movimenta bilhões por ano e seu desenvolvimento acompanhou momentos históricos de muitos países.
O A atual realidade do “esporte-negócio” está intimamente ligada à globalização, intensificada a partir da década
de 1990. Sobre este fenômeno, discorre Mauricio Godinho Delgado:
Globalização ou globalismo corresponde à fase do sistema capitalista, despontada no último cartel do século
XX, que se caracteriza por uma vinculação especialmente estreita entre os diversos subsistemas nacionais,
regionais ou comunitários, de modo a criar como parâmetro relevante para o mercado a noção de globo
terrestre e não mais, exclusivamente, nação ou região.(199)
A globalização trouxe consigo uma série de alterações no sistema econômico e na atuação humana, entre as
quais pode-se destacar a generalização de um pensamento econômico: o neoliberalismo. Este liberalismo readaptado
corresponde a um conjunto orgânico de ideias que se fortaleceram a partir de 1970, dirigidas à estruturação do Estado
e sociedade no sistema capitalista. Godinho afirma, ainda:
O pensamento liberal renovado sustenta, em síntese, na linha da velha matriz oitocentista o primado do
mercado econômico privado na estruturação e funcionamento da economia e da sociedade, com a submissão
do Estado e das políticas a tal prevalência.
[...]
Deve o novo Estado centrar seu foco, em essência, na gestão monetária da economia e na criação de condições
cada vez mais favoráveis aos investimentos privados.(200)
No Brasil, em relação à economia, grandes alterações foram percebidas nos anos 90 como, por exemplo, a abertura
econômica, privatizações, reestruturação produtiva, plano de redução e estabilização de preços (Plano Real) e tentativa
de maior flexibilização das relações de trabalho.
Já no âmbito dos esportes, as mudanças giraram em torno da melhoria de serviços prestados ao torcedor (que
atualmente passa a ser considerado consumidor) e do incentivo à participação da iniciativa privada no esporte.
Esta última passou a ser estimulada uma vez que a política neoliberal prevê a ideia do Estado mínimo. Logo,
busca-se evitar o patrocínio público, já que, de acordo com este novo pensamento, cabe ao público (Estado) apenas
prestar as necessidades básicas da população, tais como saúde, educação e segurança pública.
Além disso, o esporte passou a ser visto como uma atividade extremamente lucrativa e os investidores, perceben-
do a grande rotatividade de capital nacional e internacional, voltaram seus olhos a este mercado, observando por quais
meios poderiam aumentar seus lucros.
Natural, portanto, que os clubes esportivos, passassem a ser o foco de investimentos e percebessem que não poderiam
mais manter a estrutura fechada e arcaica de outrora, decidindo também se modernizar para enfrentar o novo período
liberal. A primeira estratégia dos clubes para se adequar constituiu-se em valorizar e efetivar o “marketing esportivo”,
o que ressalta a tendência da “empresarialização” do esporte.
Essas iniciativas, conforme destacado, basicamente se davam para libertar o esporte do domínio estatal, já que
toda a administração e financiamento pertenciam ao poder público. O Brasil conheceu então o novo “boom” capitalista,
(199) DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. São
Paulo: LTr, 2005. p. 12.
(200) Ibidem, p. 21.
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MANUAL DE DIREITO DESPORTIVO
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inicialmente no futebol e posteriormente em outros esportes, com a criação da Lei Zico (então Ministro dos Esportes),
promulgada em 6 de Julho de 1993, pelo então Presidente da República Itamar Franco.
Sobre a referida lei comenta Marcílio Krieger: “Lei n. 8672/93, que instituiu normas gerais sobre desportos, chamada de
Lei Zico, democratizou as relações entre dirigentes e atletas, criando condições para a profissionalização das diferentes
modalidades de prática desportiva”.(201)
Esta lei foi remodelada em 24 de março de 1998 e, com a mudança do Ministro, apelidou-se a nova norma de
Lei Pelé. Acerca da norma em apreço, assevera Alexandre Bueno Cateb que “seguindo as alterações da Lei Zico, a Lei
n. 9.615/1998 (Lei Geral sobre Desportos ou Lei Pelé) disciplinou de forma exaustiva, desde a organização dos clubes
e suas entidades representativas até o contrato de trabalho dos atletas”.(202)
Com objetivo de instituir normas diversas ligadas ao desporto brasileiro, a nova legislação trouxe a “liberdade”
econômica para o desporto nacional, movimentando ainda mais os negócios do esporte.
1.2. Panorama atual
O mercado esportivo ao redor do mundo movimenta bilhões por ano – desde o marketing até as grandes tran-
sações envolvendo atletas, sendo seu principal foco o futebol, seguido pelo vôlei, basquete e futsal. No ano de 2017
ocorreu uma das maiores transferências do futebol envolvendo um atleta brasileiro: a ida de Neymar do Futbol Club
Barcelona (Espanha) para o Paris Saint-Germain Football Club (França), que envolveu a cifra de aproximadamente
222 milhões de euros.(203)
No Brasil, de acordo com a Revista ISTOÉ “o esporte movimenta 1,5% do PIB no Brasil, em alguns países, está
em 3% e nos EUA, chega a 5%”(204). O estudo “Brasil Sustentável — Impactos Socioeconômicos da Copa do Mundo
2014”, desenvolvido pela Ernst & Young em parceria com Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostra que a Copa de 2014
tinh a potenc ial pa ra gera r cerca de R$ 142 bilhões adicionais para economia brasileira:
Além do investimento direto de R$ 22,46 bilhões para garantir infraestrutura e organização, a realização
da competição deve acarretar R$ 112,79 bilhões adicionais, considerando-se os impactos provocados em
inúmeros setores interligados, em um efeito dominó com uma série de desdobramentos econômico-sociais.
Serão gerados 3,63 milhões de empregos-ano e R$ 63,48 bilhões de renda para a população, impactando o
mercado de consumo interno.
A arrecadação também vai ser impactada, com um adicional de R$ 18,13 bilhões para reforçar cofres pú-
blicos. O impacto direto sobre o PIB no período 2010-2014 é de R$ 64,5 bilhões – valor que corresponde a
2,17% do valor estimado do PIB para 2010, de R$ 2,9 trilhões. Os setores mais beneficiados pela Copa do
Mundo no Brasil serão os de construção civil, alimentos e bebidas, serviços prestados às empresas, serviços
de utilidade pública (eletricidade, gás, água, esgoto e limpeza urbana) e serviços de informação. (...)(205)
Diante dos números apresentados, pode-se perceber claramente que o esporte hoje é um dos grandes centros de
rotatividade de dinheiro e, portanto, um atrativo negócio.
2. Princípios da exploração e gestão do desporto como atividade econômica
Diante do crescente aspecto econômico atribuído ao desporto, em 2003 a Lei n. 10.672 alterou significativamente
e acrescentou alguns dispositivos à Lei n. 9.615. Assim, o parágrafo único do art. 2o da norma, que trata da principiologia
do desporto nacional, passou a prever que a “exploração e a gestão do desporto profissional constituem exercício de
atividade econômica”.
(201) KRIEGER, Marcílio. Lei Pelé e legislação desportiva brasileira anotada. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 11.
(202) CATEB, Alexandre Bueno. Desporto profissional e direito de empresa. 1. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 4.
(203) VEJA. Neymar no PSG, a negociação mais cara da história. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/placar/neymar-no-psg-a-negociacao-
-mais-cara-da-historia/#>. Acesso em: 12 ago. 2017.
(204) ISTO É Dinheiro. Bate papo: Walter de Mattos Junior, fundador e editor do grupo Lance!. Disponível em: <http://www.istoedinheiro.com.
br/artigos/112775_UM+CLASSICO+REVIS ITADO>. Acesso em: 27 fev. 2014.
(205) ERNEST YOUNG; FUNDAÇÃO G ETÚLIO VARGAS. Brasil Sustentável – Impactos socioeconômicos da Copa do Mundo 2014. Disponível em:
<http://www.ey.com/BR/pt/Issues/Brasil_Sustentavel_-_Copa_2014>. Acesso em: 27 fev. 2014.
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