Direito digital do trabalho

AutorGeorgenor de Sousa Franco Filho
Páginas469-493
CAPÍTULO XXIV
DIREITO DIGITAL DO TRABALHO
1. DO CÉREBRO ELETRÔNICO AO SMARTPHONE
A denominação deste capítulo, de Direito digital do trabalho, importa em adotar o designativo desse novo ramo
do Direito do Trabalho, proposto por Antônio Carlos Aguiar(616). Vejamos como ele se apresenta.
A máquina a vapor foi a grande mola propulsora das mudanças no mundo do trabalho no século XVIII, mas
o grande salto certamente ocorreu em 1938, com o lançamento do computador alemão Z1, com capacidade de
processar 1 flop/s, que é uma medida de rapidez e eficácia do aparelho. Em seguida, em 1946, foi criado o primeiro
computador digital pela Eletronic Control Company, o ENIAC, nos Estados Unidos. Começava, efetivamente, a era
da cibernética.
Avançando no tempo, rapidamente evoluímos do flop/s para o megaflop/s, o gigaflop/s, o teraflop/s, o petaflop/s, o
exaflop/s e o zettaflop/s, estando, presentemente no yoltaflop/s, com capacidade de processamento de 1024 flops(617).
Do imenso cérebro eletrônico que ocupava grandes espaços, como bem lembram os que assistiam, nas televi-
sões preto-e-branco dos anos 60, o seriado Túnel do Tempo, de Irwin Allen, passamos ao Ciberespaço criado em
1984, por William Gibson, e, com ele, novos personagens da vida dos humanos: os internautas. E deixamos, na
década de 90, o computador ASCI Red que ocupava 150 m² na NASA, para chegar, em 2007, ao pequeno iPhone
lançado por Steve Jobs.
Hoje, vivenciando o primeiro quartel do século XXI, basta-nos um pequeno smartphone, pouco importa seu
sistema operacional (iOS ou Android), desde que, como o novo ditado popular, aproxime os distantes e afaste os
próximos.
1.1. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E SUAS FASES
Devemos recordar que estamos vivenciando a quarta fase da revolução industrial. Em menos de 300 anos
passamos da 1ª revolução, no século XVIII, quando surgiu a máquina a vapor e a consciência de classe deu azo ao
aparecimento de entidades gremiais, para a 2ª revolução, em meados do século XIX, com a descoberta e o apro-
veitamento de novas fontes de energia, como a elétrica (pela água nas usinas hidrelétricas), o petróleo (no motor a
combustão) e o urânio (para a energia nuclear), o surgimento do automóvel, da siderurgia, do telefone e de novas
formas de trabalho, e tivemos o taylorismo e o fordismo.
Nessa segunda etapa, o Manifesto de Marx e Engels, de 1848, influenciou movimento de trabalhadores, in-
clusive com a sempre citada greve de Chicago, em 01.05.1886, com grave situação de convivência. Esses aspectos
refletiram na Igreja Romana, politicamente sem a soberania temporal que exercia sobre os Estados Pontifícios,
(616) AGUIAR, Antônio Carlos. Direito do trabalho 2.0: digital e disruptivo. São Paulo: LTr, 2018. p. 69.
(617) Cf. <https://pt.wikipedia.org/wiki/FLOPS>. Acesso em: 16 out. 2019. E, <https://www.tecmundo.com.br/curiosidade/2845-o-
-que-sao-flops-.htm>. Acesso em: 16 out. 2019.
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Curso de Direito do Trabalho
Georgenor de Sousa Franco Filho
resultando na edição da Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, em 1891, lançando as bases da doutrina social da
Igreja e situando-se como principal defensora dos desfavorecidos. As mudanças trabalhistas, com efeito, ocorre-
ram grandemente nessa fase, ganhando ressonância por meio desses documentos e pelas atitudes assumidos pelo
Papado e pela Internacional Socialista.
A 3ª revolução, também chamada de Revolução Informacional, marca o início da atual globalização e dos
avanços da tecnologia. Surgiu em meados do século XX, após a 2ª Guerra Mundial, marcada pela automação,
computação da produção, juntamente com o desenvolvimento da robótica e da telemática passando a compor a
vida de todos. Nesse ponto, devemos distinguir globalização e globalismo. A primeira significa a integração global
de capital, empresas, comércio e povos. A segunda, o globalismo, é a política das transnacionais após os acordos de
Breeton-Woods, modificando a burocracia mundial. Essa quarta globalização, surgida na 3ª revolução, é fruto
de história mesma da humanidade. As globalizações anteriores foram o domínio de Roma, as grandes descobertas
e o surgimento da máquina a vapor.
Agora, vivemos a 4ª revolução, neste século XXI, e temos que aprender a conviver com inteligência artificial,
nanotecnologia, ciberespaço, e palavras que importamos e que, para a maioria, representam uma tremenda e des-
conhecida incógnita: algoritmo, compliance, startups, lawtechs, criptomoedas, GIG economy, e por aí se desfia esse
infinito vocabulário. É a Era da Cibernética. Enfim, é o novo mundo novo...
1.2. A QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: A DO PRESENTE
No momento atual, desta quarta fase revolucionária, devemos admitir diversos e lamentáveis impactos nega-
tivos no mundo do trabalho. Os contratos por algoritmos estão aí. Trabalho precário e a prazo ou por demanda.
Trabalho virtual, on-line. O homem sendo gradualmente substituído pelo robot e a inteligência artificial fazendo
o que o homem fazia. A isso tudo, devemos agregar um descontrolado fluxo migratório, resultado de convulsões
internas em diversos países, alterações climáticas perigosas, excesso populacional e escassez de alimentos.
O mundo corporativo 4.0, com o trabalho 4.0 vinculado à indústria 4.0 (618), passa a exigir uma atualização
permanente do homem, e encontramos o profissional T, o t-shaped professional, que deve ter uma visão geral da
atividade empresarial e conhecimento específico do que vai desenvolver, ou seja, deve ser generalista e específico
ao mesmo tempo. Avançamos, aceleradamente, para o mundo 5.0, que examinaremos ao final deste capítulo.
O conceito de subordinação, a seu turno, vem sendo alterado e fala-se insistentemente em uma subordinação
algorítmica, controlada por aplicativos, igualmente chamada de por comandos ou por programação. Essa forma de
subordinação proporciona medir a produtividade do empregado e, a partir daí, gerar relatórios de seu desempenho
e, em seguida, recomendar até a sua demissão (ou promoção).
Essa modalidade de subordinação, que permite a avaliação pelo cliente, exatamente como ocorrer com o apli-
cativo Uber, submete o trabalhador a um contrato conforme seu status profissional, de acordo com sua capacidade
de trabalho.
Nessas circunstâncias, tem sido muito cogitado do trabalho multifuncional, objeto do Projeto de Lei n. 190/2016
que tramita no Senado Federal, acrescentando e alterando dispositivos da CLT. Esse tipo de trabalho significa que
o empregado poderá exercer diversas atividades na empresa, simultaneamente àquela para a qual teria sido con-
tratado especificamente, sem que se caracterize alteração unilateral no seu contrato de trabalho.
Afinal, esse é o mundo novo no qual nos deparamos com questões incríveis de compreender. Tom Goodwin,
da Havas Media e da Zenith Media, escreveu conhecido texto denominado A batalha pela interface do cliente, que
inicia afirmando:
O Uber, a maior empresa de táxi do mundo, não possui veículos. O Facebook, o proprietário de mídia mais po-
pular do mundo, não cria conteúdo. O Alibaba, o varejista mais valioso, não possui estoque. E o Airbnb, o maior
provedor de acomodações do mundo, não possui imóveis. Algo interessante está acontecendo(619).
A esses pontos já chegamos. Resta saber até onde chegaremos???
(618) N. sent.: BARBOSA JUNIOR, Francisco de Assis. GIG economy. São Paulo: LTr, 2019. p. 19.
(619) Cf. <http://techcrunch.com/2015/03/03/in-the-age-of-disintermediation-the-battle-is-all-for-the-customer-interface/>. Acesso
em: 8 dez. 2019.

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