O Direito do Trabalho na sociedade da informação

AutorPedro Proscurcin
Ocupação do AutorDoutor em Direito pela PUC/SP. Professor de Direito na FECAP/SP
Páginas92-107

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1. Relações de trabalho, tecnologia e reestruturação produtiva

O Direito do Trabalho acompanha as mudanças do mundo do trabalho para garantir a proteção social que lhe é reservada historicamente. Essa tutela é mais bem exercitada com o Direito do Trabalho equilibrando a evolução tecnológica e os profissionais trabalhadores que nos diferentes níveis da organização criam, manejam e processam as novas tecnologias. As empresas perceberam que conseguem uma performance potencializada em termos competitivos colocando a seu serviço o aparato tecnológico disponível.

Além das tecnologias voltadas para os produtos e processos de produção, como estudaremos na sequência, as empresas evidentemente se valem da tecnologia da informação para se estruturar nos mercados, estabelecendo parcerias estratégicas que lhes agregam valore competitividade. Esses aspectos organizacionais não podem deixar de ser meticulosamente observados na sociedade da informação na qual vivemos. O Direito do Trabalho ocupa-se da regulação das relações de trabalho nessa sociedade complexa. Os impactos dessas mudanças nessas relações são objetos de análise no conjunto deste livro à medida que evoluímos nos estudos das novas relações laborais.

Complementando o que dissemos sobre a III Revolução Industrial, ninguém mais ignora que a tecnologia, especialmente a partir de 1985, impactou o mundo do trabalho de forma decisiva. O modelo taylorísta73 fundado na administração científica de produção, deu lugar às inovações tecnológicas que definiram o presente e o futuro das relações trabalhistas. O modelo taylorista pressupunha disciplina férrea. O trabalho com base na fragmentação e no controle de tempos implica disciplina.

O Direito do Trabalho teve de reconhecer a autoridade imperial do empregador na sua organização em troca dos direitos trabalhistas. Foi por meio de normas jurídicas que as jornadas e os descansos foram possíveis. Por outro lado, o trabalhador era

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um simples subordinado do patrão. Obedecia a ordens e cumpria a jornada legal, no mais das vezes com excesso de horas extras. Daí a origem do adicional de horas extras, que estudaremos adiante nos capítulos das jornadas e dos salários.

Quando da queda do socialismo real na antiga URSS e seus aliados, nos idos de 1989, foi possível uma espetacular expansão do capitalismo em toda aquela região. Grande foi a chance do Ocidente em aproveitar o colapso daquele sistema e levar os produtos modernos ocidentais para aqueles mercados. Paralelamente, por meio das novas tecnologias, a demanda foi atendida. O capital foi vitorioso no campo político e económico. Era inegável que o socialismo real estava económica e tecnicamente defasado, exceto no tocante à corrida armamentista e espacial. Esses dois fatores não foram suficientes para aplacar a vontade de mudança e de liberdade dos povos sob a tutela dos antigos Partidos Comunistas.

Por coincidência, no início da década de 1990 do século passado, o Japão, que vinha trabalhando intensamente tecnologias próprias, lança nos mercados da Europa e sobretudo no dos Estados Unidos produtos com mais qualidade e mais baratos do que os produtos nacionais daqueles países. Para se ter ideia do contraste tecnológico, bastava comparar o automóvel Lexus da Mitsubishi com o Taurus da Ford.

O produto japonês tinha mais qualidade, beleza e tecnologia embarcada do que o americano. Em outras áreas acontecia o mesmo. Produtos eletroeletrônicos japoneses arrasavam os seus similares ocidentais. O Ocidente entrou em pânico. Viu seus mercados seriamente abalados. Enquanto isso, o Japão virou moda. Falar em tecnologia de ponta era pensar no Japão. Ao lado do Japão, estão os chamados tigres asiáticos: Coreia do Sul, Singapura, Taiwan, entre outros menores.

O Brasil, recém-saído do regime militar, continuava com a maior parte de seu produto interno em mãos estrangeiras, com seu comércio relativamente fechado e voltado para o mercado interno. Por exemplo, a indústria automobilística nacional não sofria concorrência do exterior. Os militares aderiram ao sistema de privilegiar o similar nacional, sistema que, embora estratégico, não apresentava alternativas políticas de projetos de desenvolvimento de indústria genuinamente nacional.

Tivemos, no início dos anos 1990, um presidente de curta carreira que apelidou os automóveis nacionais de carroças. Ocorre que o Brasil está apinhado de empresas multinacionais e teve de entrar na disputa internacional por dois motivos. Primeiro, a indústria estrangeira aqui instalada tinha de entrar no esforço competitivo de suas matrizes europeias ou americanas. Segundo, os civis que estavam iniciando o mando no Estado brasileiro tinham de enfrentara crise interna da inflação e nada justificava que o país continuasse isolado do mundo. Tivemos imensos problemas.

A inflação não era debelada, embora não faltassem planos. Isso empobrecia o povo e, por outro lado, as empresas, na busca da competitividade, corriam atrás do aumento da produtividade e da redução de custos. Nesse clima, as empresas passam a racionalizar custos. Foram duríssimas com a redução da mão de obra. Tecnologia era mais barato do que salário. Os postos de trabalho começam a desaparecer e o desemprego e a exclusão iniciam sua interminável marcha.

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A Europa e os EUA entram fortemente na corrida concorrencial. A ideia de mercado internacional fica mais popularizada. As empresas do Ocidente iniciam uma imensa estratégia buscando competir no plano internacional. Começa a se falar em busca do cliente onde ele estiver. Fala-se em qualidade. Fala-se em preço, sobretudo, redução de preços. Onde as coisas são feitas mais baratas, para ali acorrem as empresas. Entra no discurso dos empresários e políticos a expressão globalização. Falar em globalização significava produzir o mais barato possível localmente para ter vantagens competitivas com a concorrência.

Em poucos anos, a Europa e os EUA estão aptos a concorrer com o Japão e seus tigres asiáticos. Logo, souberam que o Japão tinha introduzido uma série de medidas tecnológicas e gerenciais que fizeram suas empresas deslancharem à frente do resto do mundo.

A Toyota, por exemplo, introduziu sistemas de qualidade e de técnicas de estoques e vendas jamais vistos. A qualidade era responsabilidade do empregado que faz a peça ou produto. Acabaram com os setores de inspeção de qualidade. O produto tinha de ser bem feito e pronto. Os estoques foram eliminados. Estoques geram custos. Os japoneses criaram o que ficou conhecido por justin time. As peças chegavam no local e na hora da montagem. Isso representava uma impressionante redução de custos de produção. O produto passou a ser fabricado após a venda na loja. Vale dizer, deixou-se de fazer estoques de produtos prontos, estes passaram a ser feitos imediatamente após as vendas. A venda era quem puxava a produção. Outra técnica de economizar e ganhar dinheiro.

Na produção, foram introduzidas Novas Formas de Organização do Trabalho (NFOT). O trabalho passou a serem grupo. Os trabalhadores eram treinados para fazer todas as atividades ligadas ao produto. Era a chamada polivalência ou multifunção. Esse tema será estudado logo adiante.

Como as máquinas velhas foram substituídas por novas, com controle numérico, sistemas gerenciados por softwares computadorizados, o trabalhador teve de passar por intensa requalificação. Tinha de conhecer assuntos de qualidade, manutenção, suprimentos e sistemas. Em suma, na base das empresas havia acontecido a revolução tecnológica. Palavras como processo de melhoria contínua, reengenharia e reestru-turação produtiva passaram a ser lugares-comuns. A essas alterações na produção houve correspondência nos escritórios. Essas técnicas ficaram conhecidas no século passado por toyotismo, em razão de o processo de mudança ter sido iniciado no Japão, referência que fizemos logo no início desta obra.

2. As inovações organizacionais

Um mundo novo tecnológico requisitaria necessariamente uma nova organização empresarial. A inovação seria: uma mudança bem-sucedida é aquela que melhora a vida das pessoas. Logo, se a inovação não atende a esse requisito, seria melhor que ela não acontecesse. O importante é vera inovação pelo resultado. A inovação é uma mudança que modifica e substitui o quadro anterior. A mudança ocorre em razão

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das necessidades internas de um sistema ou este se adapta às mudanças do meio ambiente. A mudança, sob essa lógica, pode promover outra no seu próprio sistema ou provocar mudanças no meio ambiente onde exerce influência. Fala-se em tipos inovacionais. A melhoria é o aperfeiçoamento de algo existente. Essa é a inovação incremental. A invenção é a criação do até então inexistente. Chamamos a isso de inovação radical. É a descoberta. Sua característica é o ineditismo. As inovações alcançaram os produtos, os serviços, os processos, as pessoas e as organizações74

Vale lembrar Schumpeter e a sua teoria da destruição criadora ou a teoria do novo paradigma da revolução científica de Thomas Kuhn. É certo, porém, que todas as inovações são provisórias, suscetíveis de melhorias e substituições. Trata-se da perene dialética entre o existente e o novo e melhor. A sociedade tem de discernir e decidir sobre a vantagem da melhoria e a utilidade da mudança.

A inovação está ligada diretamente à pesquisa. Não cai do céu. Os esforços material e intelectual são decisivos. As organizações criam estruturas para o processo de melhoria contínua inovacional em todos...

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