Direito do trabalho na crise ou a crise do direito do trabalho?

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro/Márcio Túlio Viana/Cleber Lúcio De Almeida/Sabrina Colares Nogueira
Páginas123-129

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Apresentação

O presente estudo trata das consequências trazidas pelas sucessivas crises econômicas e pelo processo de globalização para a área do Direito do Trabalho. Atualmente muito se discute sobre os problemas socioeconômicos que supostamente o Direito do Trabalho teria causado ou aumentado. Há uma ideologia neoliberal em curso, que tenta por todos os meios justificar o início da crise econômica ou a sua manutenção pela rigidez protecionista do ramo justrabalhista, defendendo a adaptação do ramo juslaboral ao contexto econômico atual. Partindo-se de uma discussão geral acerca do desenvolvimento do Direito do Trabalho e das correntes que defendem uma transformação desse ramo jurídico nesse contexto de crise, realiza-se uma análise sobre um possível retrocesso histórico ocasionado pelas medidas de austeridade cada vez mais aplicadas e aclamadas em favor do mercado. Atingindo esses objetivos, constata-se uma alteração no cariz protecionista desse ramo jurídico especializado, que passou a enxergar para além do trabalhador — parte hipossuficiente da relação laboral — a entidade empresarial, trazendo para essa área do direito uma certa instabilidade a qual alguns juristas apontam como a crise do Direito do Trabalho ou até mesmo o “início” do fim do ramo juslaboral. Utilizou-se para a realização desse trabalho o método indutivo, valendo-se para a pesquisa de doutrinas nacionais e internacionais.

1. Introdução

O objeto deste trabalho é o estudo da situação atual do Direito do Trabalho, o qual será realizado por meio de análise do desenvolvimento, surgimento e a importância desse ramo jurídico especializado, bem como por um estudo das correntes em favor da transformação e adaptação do Direito do Trabalho ao contexto socioeconômico atual.

Sabe-se que o Direito do Trabalho possui como objetivo final a tutela e proteção de uma das partes da relação de emprego, tendo surgido e se desenvolvido com um cariz protetivo e compensador da desigualdade natural existente nessa relação.

Ocorre que a partir da década de setenta — tendo como marco o início da crise do petróleo — com os reflexos da recessão econômica e do processo de globalização, o Direito do Trabalho passou a sofrer certa transformação, podendo-se afirmar, inclusive, que entrou em uma nova fase de sua história, enfrentando uma alteração em sua própria orientação protecionista, a qual é apontada por alguns doutrinadores como sendo a crise do ramo jurídico laboral.

Pode-se dizer que a questão atual no âmbito do trabalho é a da necessidade de adaptação do Direito do Trabalho no contexto socioeconômico em que se encontra, mas resta certo que este não pode desviar do fim a que se destina.

Deste modo, ante a importância desses debates para esta área do direito, o objeto deste trabalho trata das discussões em prol da transformação desse ramo jurídico especializado e de uma possível inversão no seu cariz protetivo.

2. Breve análise sobre o surgimento e desenvolvimento do direito do trabalho

O Direito do Trabalho apresenta, dentro de seu conjunto de princípios e regras, um valor finalístico que é

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responsável por sua compreensão na história, e que deter-mina a direção de todo o sistema jurídico que o compõe. É em razão desse fim teleológico que o ramo juslaboral se identifica, e é por via dessa diretriz finalística que se justifica este ramo especializado do Direito (DELGADO, 2014).

Com efeito, a direção teleológica do Direito do Trabalho conduz a um caráter protecionista e tutelar de uma das partes da relação de emprego — por lógica, da parte mais frágil da relação: o empregado. Essa direção finalística corresponde a um processo resultante de um determinado momento histórico, e, por esta razão, é de grande valia principalmente pela discussão trazida no presente estudo, qual seja o de compreender o surgimento e o desenvolvimento desse ramo jurídico ao longo da história da sociedade.

O Direito do Trabalho surgiu e se constituiu como um direito de classe — dos operários — decorrente de um processo de industrialização, verificado no período conhecido como revolução industrial.

Nesse período de evolução e transformações técnicas, econômicas e sociais, impulsionadas principalmente pela descoberta da máquina a vapor e de outras inovações tecnológicas surgidas à época, implementava-se também um sistema produtivo capitalista baseado numa economia de mercado liberal, fundamentado na ausência de intervenção Estatal.

E nesse contexto do liberalismo oitocentista, os contratos de trabalho nesse contexto eram ditados pelo Direito Comum e eram regidos com base nos princípios da igual-dade e da autonomia da vontade das partes, uma vez que eram tidos como um acordo entre iguais, entre partes que tinham — teoricamente — o mesmo patamar de força para a pactuação das condições de trabalho, como qualquer outra relação entre sujeitos privados (ABRANTES, 1995, p. 22).

Nessa conjuntura, em razão do liberalismo vigente à época, o Estado não possuía qualquer poder de intervenção na relação existente entre o capital e o trabalho e, por consequência, não existia nenhuma forma de regulamentação da relação de emprego, não existindo, portanto, qualquer estrutura de proteção ao trabalhador. E nesse cenário, com a introdução da máquina no sistema produtivo — muito embora não possa se negar a contribuição da máquina para evolução nos meios de produção — verificou-se uma drástica diminuição da necessidade da força humana no processo produtivo. A força de trabalho humana passou a ser simplesmente substituída pela máquina e os postos de trabalho foram sendo sumariamente reduzidos, culminando numa “onda” crescente de desemprego e num ambiente hostil de competitividade entre os próprios trabalhadores, que buscavam uma colocação no mercado de trabalho.

Como consequência, o valor da mão de obra passou a ser mísero e a força de pactuação do contrato passou a ser insignificante. Os trabalhadores, apesar de serem livres1, obrigavam-se a aceitar qualquer forma de prestação de serviço e submetiam-se a situações degradantes de trabalho a fim de garantir a sua subsistência e de sua família.

E, assim como descreve Jorge Leite (2004, p. 18), “com uma oferta de mão-de-obra sempre muito superior à sua procura (o exército industrial de reserva de que falava Marx), a regulação do mercado pelas leis do mercado traduziu-se na imposição unilateral das respectivas condições de troca por parte do empregador”.

Deste modo, as condições de trabalho eram, efetivamente, ditadas pelo próprio mercado que estava, por sua vez, assentado por uma grande situação de desemprego. O que prevalecia, portanto, era a “lei do mercado” e o próprio empregador delimitava as regras do contrato e os trabalhadores eram apenas mera peça a serviço do sistema produtivo, totalmente desarmados “face à lógica implacável do capitalismo triunfante”, e totalmente abandonados pelo Estado (LEITE, 2004, p. 18).

E por consequência desse cenário a condição de exploração dos trabalhadores chegou a um patamar insustentável: salários reduzidos ao mínimo vital, condições precárias de trabalho, jornada de trabalho exaustivas, aproveitamento de mão de obra infantil, inúmeros acidentes de trabalho, dentre outras situações desumanas de trabalho. De maneira que o panorama social atingiu dimensões dramáticas, tornando evidente que o Direito comum já não atendia mais — e jamais atendeu — aos anseios da classe operária.

É a partir deste período, demarcado pelas precárias condições de trabalho, que começam a despontar as primeiras revoltas sociais. Inicia-se nesse quadro, uma grande organização por parte da classe proletária, uma reação coletiva conhecida como o movimento operário.

Como resposta à situação de exploração vivenciada, os trabalhadores se uniram e passaram a lutar coletivamente em busca da satisfação de interesses comuns, sobretudo em busca de uma regulamentação que proporcionasse melhores condições de trabalho e de uma melhor qualidade de vida. E nesta cena de revoluções e de movimentos em massa, a classe dos trabalhadores conseguiu exercer verificou-se uma grande pressão coletiva por parte da classe dos trabalhadores sobre as entidades empresariais.

Nesse período, formaram-se também partidos políticos ligados à classe dos trabalhadores e surgiram diferentes correntes de pensamento contrários ao liberalismo e às consequências tidas por esse sistema. Até mesmo a Igreja Católica se manifestou por meio da Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, de 1891, retratando as injustiças ocasionadas pelo liberalismo, mormente no que se referem às condições degradantes em que se encontravam os trabalhadores, defendendo a necessidade de intervenção por parte do Estado para regulamentação de condições mínimas de trabalho (ROESLER...

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