Direito dos contratos
Autor | Wander Garcia/Gabriela Rodrigues |
Páginas | 159-219 |
Capítulo 4
DIREITO DOS CONTRATOS
4.1. CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA, EXISTÊNCIA, VALIDADE, EFICÁCIA, FORMAÇÃO,
ESTIPULAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIRO E PROMESSA POR FATO DE TERCEIRO E
CONTRATO COM PESSOA A DECLARAR
4.1.1. Conceito de contrato
Contrato é o acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou ex-
tinguir direitos, conforme lição de Clóvis Bevilaqua. Trata-se de uma das fontes humanas
geradoras de obrigações. As outras são: a) as declarações unilaterais da vontade; b) os atos
ilícitos. Esse conceito abrange tanto os contratos principais como os acessórios. O Direito
Romano distinguia contrato de convenção. Essa era o gênero, que tinha como espécies o
contrato e o pacto (hoje chamado contrato acessório).
4.1.2. Natureza jurídica do contrato
O contrato tem a seguinte natureza jurídica:
a) é fato jurídico (e não fato simples), pois o contrato é um acontecimento que gera
efeitos jurídicos;
b) é fato jurídico em sentido amplo (e não fato jurídico em sentido estrito), pois o
contrato é um fato jurídico humano e não da natureza;
c) é ato lícito (e não ato ilícito), pois o contrato produz efeitos desejados pelo agente;
d) é negócio jurídico (e não ato jurídico em sentido estrito), pois o contrato tem fim
negocial, de regulamentar uma dada situação, não se tratando de mera intenção, como a
escolha de um domicílio;
f) é negócio jurídico bilateral ou plurilateral (e não negócio jurídico unilateral),
pois a formação de um contrato depende de mais de uma vontade, e não de apenas uma,
como o testamento.
4.1.3. Existência, validade e eficácia
O negócio jurídico pode ser avaliado em três planos: da existência, da validade e da
eficácia.
O plano da existência analisa os requisitos necessários para a formação do contrato.
Não preenchidos quaisquer dos elementos de existência do contrato, o acontecimento se-
quer tem repercussão na esfera jurídica. Por exemplo, se uma pessoa não autoriza outra a
prestar um serviço de manutenção de seu carro, o contrato respectivo não se formou, não
existe na esfera jurídica.
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160 Manual Completo de Direito Civil • Wander Garcia e Gabriela Rodrigues
O plano da validade analisa os requisitos necessários para que o contrato não sofra
as sanções de nulidade ou de anulabilidade, sanções essas que podem impedir que o con-
trato produza efeitos.
O plano da eficácia analisa os momentos em que o contrato regular inicia e termina
a produção de seus efeitos.
4.1.3.1. Elementos de existência do contrato
4.1.3.1.1. Exteriorização de vontade
Consiste na manifestação de vontade expressa ou tácita. A manifestação expressa é
aquela exteriorizada de modo inequívoco. Pode ser verbal, escrita ou gestual. A manifes-
tação tácita é aquela que decorre de um comportamento. Por exemplo, uma pessoa recebe
uma proposta para ganhar um bem em doação e, sem nada dizer, recolhe o imposto de
transmissão de bens, aceitando tacitamente a doação.
4.1.3.1.2. Acordo de vontades (consentimento)
Consiste na coincidência de vontades no sentido da formação do contrato. Assim,
para existir um contrato, não basta a exteriorização de uma vontade. São necessárias
duas vontades coincidentes. Não se admite, portanto, a existência do autocontrato ou
contrato consigo mesmo. O que pode haver é que um mandatário celebre contrato figu-
rando, de um lado, em nome do mandante e, de outro, em nome próprio. Por exemplo,
“A” celebra um contrato com “B”, sendo que “A” recebeu uma procuração de “B” para
atuar em nome desse. Não é sempre que o Direito autoriza uma situação dessas. O art.
117 do CC, inclusive, dispõe que, “salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável
o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, cele-
brar consigo mesmo”.
4.1.3.1.3. Finalidade negocial
Consiste na vontade de regulamentar uma dada relação jurídica, o que difere da sim-
ples intenção manifestada por uma determinada vontade. Assim, quem celebra um con-
trato de compra e venda busca regulamentar uma dada relação jurídica, celebrando um
negócio jurídico. Já aquele que muda de domicílio manifesta apenas uma intenção, sem
buscar a regulamentação de uma relação jurídica em especial.
4.1.3.1.4. Apreciação pecuniária
Consiste na existência de um elemento econômico no acordo de vontades. A patrimo-
nialidade é considerada, pela doutrina, como ínsita a todo e qualquer tipo de contrato,
ainda que existente apenas no caso de descumprimento do dever principal.
4.1.3.1.5. Elementos especiais
Há determinados contratos que exigem, para sua formação, a presença de outros
elementos. É o caso dos contratos reais, que exigem, para a sua existência, a entrega da
coisa. Por exemplo, o mútuo (empréstimo de coisa fungível) só passa a existir quando há
tradição.
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4.1.3.2. Pressupostos de validade do contrato
4.1.3.2.1. Vontade livre
Consiste na vontade externada sem vícios. O pressuposto não é preenchido, por exem-
plo, se a vontade resulta de erro, dolo ou coação, situações em que o contrato será consi-
derado anulável (art. 171, II, CC).
4.1.3.2.2. Capacidade das partes
Consiste na aptidão genérica para, pessoalmente, praticar os atos da vida civil. O inca-
paz, para que seja parte de um contrato válido, deve ser assistido (se relativamente inca-
paz) ou representado (se absolutamente incapaz), sob pena de o ato ser anulável (art. 171,
I, do CC) ou nulo (art. 166, I, do CC), respectivamente.
4.1.3.2.3. Legitimação das partes
Consiste na aptidão específica para a prática de certos atos da vida civil. O cônjuge que
aliena bem imóvel sem a anuência de seu consorte, salvo no regime de separação absoluta,
não tem legitimação. O ato por ele praticado é considerado anulável (art. 1.647, I, c/c art.
1.649, do CC).
4.1.3.2.4. Obediência à forma, quando prescrita em lei
Trata-se de requisito que só incidirá se houver forma imposta por lei. Se a lei civil
nada dispuser sobre a forma, essa será de livre escolha das partes. Normalmente, um con-
trato de compra e venda de móvel não requer forma especial; já um contrato de compra e
venda de imóvel sempre requer forma especial, no caso a forma escrita. Aliás, se o imóvel
for de valor superior a 30 salários mínimos, a forma é ainda mais especial, uma vez que é
exigida escritura pública. A desobediência à forma torna o contrato nulo (art. 166, IV, do
CC), salvo se se tratar de forma estabelecida em lei apenas para efeito probatório.
4.1.3.2.5. Objeto lícito, possível e determinável
Tanto o objeto imediato, ou seja, a obrigação de dar, fazer ou não fazer, como o objeto
mediato da obrigação, isto é, o bem econômico sobre o qual ele recai (coisa ou serviço),
devem respeitar tais imposições. Objeto lícito é aquele que não atenta contra a ordem jurí-
dica como um todo. Um exemplo de contrato com objeto ilícito é o contrato de sociedade
para a exploração de prostituição. Objeto possível juridicamente é aquele que não está
proibido expressamente pela lei. Um exemplo de contrato impossível juridicamente é o que
ao menos pelo gênero e pela quantidade. O contrato com objeto ilícito, impossível ou inde-
terminável é considerado nulo (art. 166, II, do CC).
4.1.3.2.6. Inexistência de configuração de outras hipóteses legais de ato anulável ou nulo
Além dos casos mencionados, a lei estabelece outras hipóteses que geram invalidade.
São exemplos de ato anulável os casos de fraude contra credores (arts. 158 e ss. do CC) e
de ato nulo os contratos que tiverem como objetivo fraudar lei imperativa (ex.: contra-
tos que violarem o princípio da função social) e os que a lei taxativamente declarar nulo,
ou proibir a sua prática, sem cominar sanção (art. 166, VI e VII, do CC).
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