O 'direito' dos delatados falarem por último

AutorSebastião Ventura Pereira da Paixão Jr.
CargoAdvogado. Conselheiro do instituto millenium
Páginas258-258
PONTO FINAL
258 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 661 I DEZ19/JAN20
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. ADVOGADO
CONSELHEIRO DO INSTITUTO MILLENIUM
O “DIREITO” DOS DELATADOS FALAREM POR ÚLTIMO
OSupremo Tribunal Fe-
deral, em decisão plená-
ria majoritária, traçou
comando hermenêuti-
co no sentido de que réus de-
latados têm o direito de falar
por último em razões f‌inais.
Apesar de o precedente ter
potencial efeito devastador
sobre a operação Lava-Jato,
ele enreda-se em um fato le-
gislativo extravagante: a ine-
xistência de regra processual
ou material que determine a
ruptura do padrão de conco-
mitância de manifestação dos
réus – delatores ou delatados
– para f‌ins de memoriais pré-
-sentenciais.
Sem cortinas, o artigo 403
() – em nenhuma linha ou
entrelinha – previu a possibi-
lidade do réu delatado falar
posteriormente a eventuais
delatores. Já a Lei da Colabo-
ração Premiada (Lei 12.850/13),
no artigo 22, foi categórica ao
dispor: “Os crimes previstos
nesta Lei e as infrações pe-
nais conexas serão apurados
mediante procedimento or-
dinário previsto no Decreto-
-Lei nº 3.689, de 3 de outubro
Penal)”. E, como visto, o 
não exige que réus delatados
falem por último.
Nesse contexto, até a ma-
nifestação plenária do 
não existia qualquer regra
jurídica vigente na toada do
inovador conteúdo herme-
nêutico. Logo, se tal “regra
será f‌ixada por iniciativa
jurisprudencial, o marco de
vigência normativa deve ser,
por imperativo lógico, a data
da referida decisão interpre-
tativa do Supremo, sob pena
de grave instabilidade jurí-
dico-institucional, especial-
mente quando todo o sistema
judicial, inclusive o egrégio
, já havia refutado o argu-
mento defensivo.
Adicionalmente, importa
registrar que eventual viola-
ção à ampla defesa não tra-
duz milagroso salvo-conduto
retórico. É preciso f‌ixar ba-
lizas f‌irmes nesse quesito,
uma vez que para haver dano
processual é preciso ser con-
f‌igurada, obrigatoriamente,
materialidade concreta. Ob-
jetivamente, há que se exi-
gir, no mínimo, a tempestiva
insurgência argumentativa
do réu delatado, associada à
demonstração categórica do
prejuízo defensivo sofrido
por força da concomitância
temporal de razões f‌inais. Em
outras palavras, a lesão cons-
titucional não ocorre em fun-
ção de uma alegação imaginá-
ria, mas sim em decorrência
de uma realidade processual
pulsante, eloquente e abso-
lutamente incontornável dos
autos.
Ora, enquanto os anjos
não descem à Terra, o fato é
que seguiremos a viver em
um mundo no qual o crime
é uma triste variável da con-
dição humana. Por assim
ser, o avanço civilizatório
pressupõe o sério, decidido e
efetivo combate à criminali-
dade, em especial sobre seus
tentáculos políticos, que aca-
bam por subverter a moral
democrática, gerando a gra-
ve descrença dos cidadãos
sobre a ética das instituições
do Estado.
Por tudo, é sim possível a
existência de dano e conse-
quente nulidade processual
em casos de concomitância
de alegações f‌inais de réus de-
latores e delatados. Mas isso,
quando ocorrer, será uma cir-
cunstância excepcional con-
creta, e não regra geral abs-
trata. E as exceções, por sua
genética processual anômala,
devem ser tempestivamen-
te alegadas, demonstradas e
comprovadas por via compe-
tente.
Aqui chegando, as comple-
xidades político-constitucio-
nais do Brasil atual muito me
fazem lembrar do ministro
Paulo Brossard, que, em voto
histórico, após sua vasta ex-
periência parlamentar, bem
pontuou: “Agora, como juiz,
não faço leis, antes lhes devo
obediência.”n
Rev-Bonijuris_661.indb 258 14/11/2019 17:46:07

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