Direito e economia

AutorRachel Sztajn
Páginas221-235

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1. Introdução

Direito e Economia ou Análise Econômica do Direito, segundo alguns, uma corrente ou escola de pensamento que busca, para compreender e explicar efeitos de normas jurídicas, apoio em modelos e premissas desenvolvidos por economistas, é, para outros, apenas uma técnica de avaliação da eficácia das normas. Essa divergência parece insolúvel, ao menos no curto prazo, como se verá adiante.

Costuma-se afirmar que os economistas estão preocupados apenas com maximização e eficiência, enquanto ao jurista são caros outros valores, notadamente justiça e eqüidade.

Talvez incomodem o fato de a Escola de Direito e Economia ter, ao menos na fase dos anos 30/40 do século passado, forte relação com a linha de pensamento da Escola de Economia da Universidade de Chicago (conquanto não só nesta haja produção acadêmica na área) e o liberalismo esposado por membros daquela faculdade, a crença no funcionamento dos mercados e, por isso, a necessidade de pouca intervenção do Estado na economia, que não se coaduna com a visão de quem entende que o estímulo estatal e a intervenção direta do Estado na atividade econômica são imprescindíveis para o desenvolvimento nacional quadro no qual caberia aos particulares posição secundária ou de coadjuvantes no processo.

Demais disso, a formação do jurista na tradição romano-germano-canônica, apoiada no dogmatismo germânico, que trabalha a ciência do Direito do ponto de vista interno, e nem por outra razão se o imagina um sistema fechado e autopoié-tico, aderindo a princípios tomados como verdades absolutas, respeito às doutrinas dos mestres e formalismo exagerado. O Direito é entendido como disciplina autônoma independente de outras ciências sociais, e os métodos de interpretação das normas são sistematizados para explicar a lei.

A dogmática, de origem religiosa, está insculpida na doutrina jurídica, o que dificulta da discussão, porque certos princípios são considerados verdadeiros independentemente de qualquer demonstração.

A common law, mais próxima do Direito Pretoriano, trata as normas como sistema exógeno, e isto facilita a análise das regras de perspectiva semelhante a outras ciência sociais, e não rejeita, desde logo, o relacionamento com diferentes disciplinas, sejam elas ciências sociais, biológicas ou exatas.

O fato de parte significativa dos textos de Law and Economics ser de lavra de economistas, de conterem, por vezes, complexas formulações matemáticas no

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explicar ou demonstrar hipóteses, é outro elemento que, por estranho ao Direito, dificulta o diálogo.

Como conciliar as idiossincrasias do que se pode considerar "juristas puros", os adeptos da dogmática jurídica, e organizar debates de que participem, também, economistas?

Como superar as barreiras que restringem ou tentam conter o diálogo inter-disciplinar?

Como estruturar base teórica que permita, ao menos, compreender se e como a Economia pode contribuir para a análise dos efeitos das normas jurídicas, dos comportamentos sociais, e se isso permitirá aperfeiçoar o sistema jurídico?

Law and Economics, ou Direito e Economia, pretendem oferecer esse instrumental teórico a partir de uma diferente abordagem da leitura das normas jurídicas, semelhante ao método ou modelo funcio-nalista tal como proposto por Norberto Bobbio. Por que fugir da idéia de que a forma deve seguir a função, deixando de privilegiar o formalismo? Importa o que se pretende, da meta eleita e dos meios disponíveis, chegar ao melhor resultado. Assim, a proposta de Law and Economics, ou ao menos uma das propostas, é utilizar procedimentos baseados em modelos econômicos para avaliar as relações entre pessoas que vivem em sociedade, bem assim as instituições sociais vigentes.

2. Economia positiva e normativa

Para explicar comportamentos humanos os economistas começam por descrever fatos passados e, mediante projeções, tentam predizer como serão os comportamentos das pessoas diante de fenômenos que podem ser similares, ou não. Essa é a denominada Economia Positiva.

Ao analisar os fenômenos sociais, regras morais e princípios éticos, particularmente quando observam as instituições sociais e as normas legais existentes, visando a recomendar, quando disso se tratar, alterações para aperfeiçoá-las, os economistas trabalham com a Economia Normativa.

A distinção entre as duas correntes de Economia remonta a John Stuart Mill, do final do século XIX, e está presa à distinção entre o ser e o dever-ser, entre fatos e valores, e não à formulação literal das idéias: resulta de alguma convenção baseada em procedimento científico ou regras que instruem as pessoas a considerarem uma dada declaração como verdadeira.

Para Milton Friedman1 é inevitável certa confusão entre as duas vertentes da Economia, pois a matéria, importante para cada pessoa em função de sua experiência e formação, é fonte de contínua controvérsia, além de ser objeto de normas jurídicas.

A Economia Positiva trabalha com o que é, e não com o que deveria-ser, e por isso permite construir um sistema geral que pode ser utilizado para fazer projeções, predizer as conseqüências, se qualquer das circunstâncias mudar. É, ou pode ser, ciência objetiva, tal como a Física, por exemplo. As dificuldades da Economia Normativa têm que ver com o fato de se inserir no campo das ciências sociais, vale dizer, lidar com inter-relações de pessoas, além de quê o investigador é, ele mesmo, parte do objeto da ciência.

A Economia Normativa não é independente da Positiva, e qualquer conclusão de política econômica depende das previsões sobre as conseqüências da opção escolhida. E as previsões estão, de forma expressa ou implícita, baseadas na Economia Positiva. Mas a relação entre elas não é biunívoca. Duas pessoas podem ter a mesma opinião sobre os efeitos de uma dada norma, mas uma pode ser favorável e outra contrária à sua aprovação.

Ainda segundo Friedman, a meta de qualquer ciência positiva é desenvolver

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uma teoria ou hipótese que possa ser validada, não como truísmo, sobre fenômenos ainda não observados. Vê nesse tipo de conhecimento mescla de dois elementos: linguagem que provê o método sistemático e organizado de pensar, e um corpo de hipóteses que permita abstrair fatores essenciais da realidade complexa.

Portanto, é preciso que a descrição dos fenômenos seja suficientemente próxima da realidade para permitir alcançar o fim perseguido.

Diz Friedman que a Economia Positiva é ciência de adotar tentativas de generalizações dos fenômenos econômicos, usada para predizer conseqüências de mudanças das circunstâncias.

O alargamento das generalizações aumenta a confiança na sua validade e a qualidade das previsões, com o quê se ultrapassam obstáculos relevantes no campo das ciências sociais. Alerta no sentido de se evitar a confusão entre análise objetiva e julgamento normativo, e sobretudo para o fato de as presunções, na análise econômica, decorrerem de escolhas em que a clareza e a precisão na apresentação de hipóteses, na sua capacidade de incorporar evidências indiretas que validem a hipóteses e que possam ser observadas diante do fenômeno serem comuns.

Economistas separam os elementos da Economia Normativa daqueles da Positiva, o que lhes permite construir modelos ideais e abstratos, baseados na realidade empírica, nos fatos observados em dado período e sociedade, e fazer previsões se e quando houver mudanças em algum ou vários dos elementos considerados na mo-delagem. Comum ouvir-se que uma hipótese é relaxada, ou seja, que uma premissa que serviu para modelar a hipótese será alterada.

No campo das ciências sociais é possível separar escolhas que envolvem a matéria a ser investigada, o modo de se fazer a investigação, os critérios para julgar a vali-dade das respostas, entre eles a aderência a padrões de lógica formal, seleção e confia-bilidade de dados, por exemplo, no que se denomina julgamento metodológico. Julgamentos fundados em valores referem-se à avaliação e às afirmativas sobre o estado da Natureza, normas sociais que induzam comportamentos individuais desejáveis.

Partir do real para dizer quem tem direito era prática dos pretores. Também usual no Direito que se faça a seleção dos elementos comuns a uma dada operação ou prática social a fim de, em processo de abs-tração, formular a regra, a lei, o comando geral e abstrato. Economia e Direito estão próximos neste método. A economicidade dessa prática é evidente, vez que, quanto mais rentes à realidade, menor é a rejeição às normas positivadas. Instituições e institutos jurídicos que perduram no tempo são aqueles que aderem às práticas, usos e costumes da sociedade.

Já os comportamentos individuais resultam de convenções aceitas pelas pessoas, são frutos de acordos ou técnicas de persuasão que também dependem da comunhão de valores - o que evidencia a dificuldade de acordos, porque valores ou julgamentos normativos diferente não são, necessariamente, reconciliáveis, diferentemente de métodos científicos.

Se a Economia Positiva não se preocupa com a Ética, é meramente descritiva, a Normativa, o dever-ser, reflete valores prezados pela comunidade. No que diz respeito a valores, ao dever-ser, veja-se Hume, que, no Treatise ofHuman Nature, afirma que não se pode deduzir o dever-ser do ser, pois descrições não dão origem a normas ou a prescrições. A separação entre o que é positivo e o que é normativo aparece na denominada "Guilhotina" de Hume, em que agrupa e distingue, de forma lógica, fatos de valores. Positivo ou ser tem que ver com fatos, objetivo, descritivo, ciência, verdadeiro/falso; normativo ou dever-ser, valores, subjetivo, prescritivo, arte, bom/ mau.

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Porém, isso não reduz a dificuldade da relação entre Direito e Economia. De um lado, o parco conhecimento dos juristas sobre Economia, que se agrava com a formalização matemática das hipóteses e conclusões; de outro, o fato...

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