O direito em contradição: Direitos humanos, atuação estatal e população em situação de rua

AutorKaroline Strapasson - Danielle Anne Pamplona
CargoUniversidade Federal do Paraná (UFPR) - Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR)
Páginas132-149
4
39
R
. Pol. Públ.,
S
ão Luís, v. 18, n. 2, p. 439-456, jul.
/
dez. 2014
O DIREITO EM CONTRADIÇÃO: direitos humanos, atuação estatal e população em situação de ru
a
K
aroline
S
tra
p
asso
n
Universidade Federal do Paraná
(
UFPR
)
Danielle Anne Pam
p
lon
a
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR
)
O DIREITO EM CONTRADIÇÃO:
di
re
i
tos
h
umanos, atuação estata
l
e popu
l
ação em s
i
tuação
d
e ru
a
Resumo
A extrema pobreza é
f
enômeno complex o intergeracional decorrente da
f
alta de oportunidades, de elementos sociais,
culturais e etários que encerra violações da dignidade e dos direitos humanos e
f
avorece a opressão
f
ísica e moral. Para salvaguarda
r
os direitos dessa população vulner
á
vel, o Estado concebe pol
í
ticas p
ú
blicas no campo da assist
ê
ncia social, mas sua atuação
é
viciada por in
f
rações como as de mendicância e de vadiagem que re
f
letem o preconceito e o estigma social da condição de rua. Este
art
i
go o
bj
et
i
va apontar a
l
gumas contra
di
ções entre o tratamento
l
eg
i
s
l
at
i
vo
d
a popu
l
ação em s
i
tuação
d
e rua e a atuação estata
l
.
O
método de abordagem escolhido
f
oi o dedutivo, utilizando as técnicas de análise documental, bibliográ
f
ica e legislativa.
O
artigo
concluiu que h
á
s
é
rias restrições
à
cidadania com o preconceito e o ranço de medidas combativas. As alterações legislativas em
âmbito
f
ederal são recentes e re
f
letem a luta por visibilidade e organização político-social
.
P
alavras-chave
:
Pol
í
ticas P
ú
blicas, população em situação de rua, direitos humanos
.
LAW IN
CO
NTRADI
C
TI
O
N:
h
uman r
i
g
h
ts, state act
i
on an
d
h
ome
l
ess popu
l
at
i
o
n
Abstract
:
Extreme poverty is an intergenerational complex phenomenon resulting
f
rom the lack o
f
opportunities, social, cultural and
age elements which lead to dignity and human rights violations and promotes physical and moral oppression. To sa
f
eguard the rights o
f
this vulnerable population, the state conceives public policies in the
f
ield o
f
social assistance but their action is vitiated by o
ff
enses such
as begging and vagrancy that re
f
lect prejudice and social stigma against homeless. This article aims to point out some contradictions
between the legislative treatment o
f
the homeless population and the state action. The method chosen was the deductive approach
using the techniques o
f
documentary, bibliographic and legislative analysis. It was concluded that there are serious restrictions on
citizenship with prejudice and rancidity o
f
combative measures. Legislative changes at the
f
ederal level are recent and re
f
lect the
struggle
f
or visibility and political and social organization
.
K
e
y
words
:
P
u
bli
c po
li
c
i
es,
h
ome
l
ess popu
l
at
i
on,
h
uman r
i
g
h
ts
.
R
ecebido em: 15.08.2014 Aprovado em: 29.09.2014
.
44
0
Karoline
S
trapasson e Danielle Anne Pamplon
a
R
. Pol. Públ.,
S
ão Luís, v. 18, n. 2, p. 439-456, jul.
/
dez. 2014
1
INTRODUÇÃ
O
A extrema pobreza desencadeia fortes
violações aos direitos humanos; este fenômeno
se origina principalmente nos países menos
desenvolvidos que carregam um quadro de pobreza
i
nter
g
eracional, em virtude de lon
g
os períodos de
colonização e exploração econômica.
O
Brasil integra
este grupo de pa
í
ses, os quais, apesar de alcança
r
certo crescimento econômico e social,
p
ossuem uma
p
arcela si
g
nificativa da população com dificuldades
n
a obtenção de trabalho formal e renda, e em casos
mais cr
í
ticos, em situação de pobreza extrema,
l
evan
d
o-a a v
i
ver em mora
di
as
i
rregu
l
ares, em zonas
de ri
s
co ou ainda na
s
rua
s.
A extrema pobreza se con
f
igura como
um
f
enômeno multidimensional e está relacionada
a elementos sociais, culturais, et
á
rios, de g
ê
nero,
de rela
ç
ões internacionais e em con
f
luência com
as
p
ectos econômicos, de modo
q
ue decorre de
um complexo sistema de car
ê
ncia de recursos
múltiplos desembocando na
f
ome e na priva
ç
ão
física (SIQUEIRA, 2013). Essa parcela desprovida
de domicílio sofre com as mais diversas priva
ç
ões,
como a aus
ê
ncia de repouso, alimentação e hi
g
iene
ade
q
uada, e
p
ermanece ex
p
osta
à
viol
ê
ncia e ao
p
reconceito. A indi
f
eren
ç
a dos domiciliados termina
p
or incorporar a população de rua como uma
p
aisa
g
em dos
g
randes centros urbanos.
Erradicar a pobreza e as desigualdades
sociais é um dos ob
j
etivos da
C
onstituição da
República Federativa do Brasil
(
BRASIL, 1988, art.
3º, III), o que denota o imperativo constitucional de
r
esponder e combater as viola
ç
ões decorrentes da
p
obreza, bem como realizar pol
í
ticas e programas
de atendimento e acolhimento ao
s
mai
s
vulner
á
vei
s
.
Entretanto, o
p
ercurso de combate à
p
obreza
é permeado por ações públicas contraditórias
r
epresentadas pelos pro
g
ramas de assistência social
e pela política de segurança pública, tendo em vista
o tratamento de contraven
ç
ão penal antes dado à
p
opula
ç
ão em situa
ç
ão de rua, e o ran
ç
o permanente
de criminalização deste
g
rupo
.
A problemática dos direitos humanos não
se limita
à
concretização dos dispositivos de proteção
consagrados em acordos e convenções internacionais,
re
f
ere-se também à
f
undamentação dos direitos
humanos que apresenta pontos contraditórios nítidos
na concretização desses direitos.
O
principal ob
j
etivo
deste artigo
é
demonstrar os contrassensos que
permeiam a
f
undamentação dos direitos humanos,
o tratamento legislativo e a atuação estatal
f
rente à
população de rua. Para tanto, utilizou-se o m
é
todo
d
e a
b
or
d
age
m
d
edutivo, as t
é
cnicas de pesquisa de
análise documental, biblio
g
ráfica e le
g
islativa
.
2
DIREIT
OS
H
U
MAN
OS
:conce
i
to e contra
diç
ões
Os
direito
s
humano
s
s
e converteram em
u
ma política
f
undamental por excelência, legitimadora
d
a atuação estata
l
, capaz
d
e apresentar o que ser
i
a um
p
adrão mínimo do
q
ue é aceitável ou tolerável
f
rente
as situações legais, políticas, sociais e econômicas.
Todavia
,
a validade dos direitos humanos não se
encontra em sua realização e
f
etiva, mas sim no
compromisso dos Estados em
â
mbito internacional
em sua construção
(
MENKE; POLLMANN, 2010
)
. Os
E
stados tornam-se respons
á
veis por garantir uma
situação limite de normalidade, adquirida por meio
da estabilidade institucional na ex
p
ectativa de
q
ue as
mortes ocorram em seu curso natural, e não por meio
de con
f
litos, opressão, exploração, limpeza étnica ou
falta de abastecimento
(
WOLFGANG, 2003
)
. Essa
máxima decorre das fortes ex
p
eriências históricas,
p
rovenientes de duas
G
uerras Mundiais, do
totalitarismo e nacionalismo que causou o genoc
í
dio
j
udeu e de outros povos, somado ao exterm
í
nio
de di
f
erentes grupos minoritários. As declarações
de direitos humanos são um
p
ar
â
metro
p
ara
q
ue a
di
g
nidade e a i
g
ualdade de tratamento não se
j
am
esquecidas em momentos de crises institucionais e
guerras
(
BARBOZA, 2013
).
P
ara Douzinas
(
2009
)
, os direitos humanos
s
e tornaram um elemento comum do di
s
cur
s
o da
es
q
uerda e direita, de ministros e rebeldes, do
p
úl
p
ito
e do Estado. Importa ressaltar que o reconhecimento
em e
s
cala mundial do
s
direito
s
humano
s
e
s

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