Direito de família
Autor | Wander Garcia/Gabriela Rodrigues |
Páginas | 297-363 |
Capítulo 7
DIREITO DE FAMÍLIA
7.1. INTRODUÇÃO
7.1.1. Conceito de direito de família
O Direito de família pode ser conceituado como o conjunto de normas que regulam
o casamento, a união estável, a filiação, a adoção, o poder familiar (direito parental), os ali-
mentos, a tutela e a curatela (direito assistencial protetivo).
Esse direito rege as seguintes relações familiares:
a) pessoais/afetivas, como os deveres entre os cônjuges (fidelidade), os conviventes
e os pais e filhos (educação);
b) patrimoniais, como as que envolvem a sociedade conjugal (regime de bens);
c) assistenciais, como a assistência material entre cônjuges e entre pais e filhos, e
tutor e tutelado.
Tais relações são protegidas em virtude de interesses superiores (família como “base
da sociedade” – art. 226, caput, da CF) e não individuais, o que faz com que os princípios
dos direitos meramente obrigacionais não possam ser aplicados diretamente em matéria
de direito de família.
Em outras palavras, tendo em vista os direitos envolvidos, que não se resumem à
questão patrimonial, envolvendo questões pessoais, afetivas e assistenciais, o direito de
família reclama regras próprias, diferentes das regras típicas do direito obrigacional.
7.1.2. Objeto do direito de família
O objeto do direito de família é justamente a “família”, que, em sua concepção lata,
têm as seguintes espécies:
a) família matrimonial: decorrente do casamento;
b) família informal (natural): decorrente da união estável;
c) família monoparental: formada por qualquer dos pais e seus descendentes;
d) família substituta: decorrente de guarda ou tutela;
e) famílias plurais: abrange as uniões fundadas no afeto, tais como as famílias:
f) anaparental: sem pais; com parentes ou amigos; ex.: a jurisprudência entende que
há bem de família em imóvel com duas irmãs (STJ, Resp. 57.606);
g) homoafetiva: decorrente de união de pessoas do mesmo sexo (ex.: o STF, na ADI
4.277 e ADPF 132, decidiu que a união estável pode ser constituída por pessoas do mesmo
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sexo). ENUNCIADO 601 CJF: “É existente e válido o casamento entre pessoas do mesmo
sexo”;
h) eudemonista: baseada no afeto, mas com busca da felicidade individual (ex.: casal
que tem um relacionamento livre ou aberto).
Vale salientar, quanto à união estável homoafetiva, que o STF, na ADI 4.277 e na
ADPF 132, julgadas em 05.05.2011, tomou a seguinte decisão: pela procedência das ações
e com efeito vinculante, no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal
nhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
A decisão teve por fundamento o art. 3º, IV, da CF, que veda qualquer tipo de dis-
criminação.
Como consequência, a união estável homoafetiva passa a ter a mesma regulamen-
tação da união estável entre homem e mulher (deveres, alimentos, sucessões etc.; sobre o
direito a alimentos no caso vide a decisão do STJ no REsp 1.302.467-SP, DJ 25.03.2015), o
que faz com que se chegue à conclusão de que o instituto da conversão da união estável em
casamento também possa se dar quanto às uniões estáveis homoafetivas, questão que ain-
da gera alguns debates, apesar de já ter ocorrido grande número de conversões de união
estável homoafetiva em casamento.
Mais do que isso, há precedente do STJ, no sentido de que se pode admitir o casa-
mento direto de pessoas do mesmo sexo, como forma de fazer valer a diretiva que o STF
deu ao julgar as ações acima mencionadas. O dispositivo da decisão tem o seguinte teor:
“dou provimento ao recurso especial para afastar o óbice relativo à diversidade de sexos e
para determinar o prosseguimento do processo de habilitação de casamento, salvo se por
outro motivo as recorrentes estiverem impedidas de contrair matrimônio”.
Não bastasse, o Conselho Nacional de Justiça, invocando o posicionamento do STF
e mencionada decisão do STJ resolveu editar a Resolução 175, de 14 de maio de 2013,
dispondo ser “vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de
casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo
sexo” (art. 1º). A resolução foi além e dispôs que “a recusa prevista no artigo 1º implicará
a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis” (art.
2º). Em outras palavras, a partir dessa decisão, os Cartórios competentes passaram a ser
obrigados a proceder ao casamento civil de pessoas do mesmo sexo, e mais, tal casamen-
to pode ser dar diretamente, ou seja, independentemente conversão da união estável em
casamento.
Em harmonia a este entendimento colaciona-se o enunciado 601 CJF: “É existente e
válido o casamento entre pessoas do mesmo sexo”.
Após essa resolução milhares de casamentos de pessoas do mesmo sexo foram e vem
sendo realizados.
Todavia, é bom lembrar que o STF não deu seu posicionamento, ainda, tanto sobre
a possibilidade de conversão da união estável homoafetiva em casamento, como sobre
a possibilidade de casamento homoafetivo direto, limitando-se a reconhecer essa união
como uma união estável com idêntica proteção que a união estável entre pessoas de sexo
diverso.
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De qualquer forma, acreditamos que dificilmente o STF irá rever as decisões toma-
das pelo STJ e pelo CNJ, devendo prevalecer tais decisões e todos os casamentos que vêm
sendo realizados. Mas é importante que o leitor acompanhe eventuais futuras decisões do
STF a esse respeito do tema.
7.2. PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA
Conforme já visto, o direito de família reclama regulamentação peculiar, já que os
interesses envolvidos não se limitam a questões patrimoniais. Nesse sentido, confira os
princípios específicos desse direito:
a) dignidade da pessoa humana: previsto no art. 1º, III, CF, admite que até a pessoa
solteira tenha direito à proteção do bem de família;
b) solidariedade familiar: previsto no art. 3º, I, CF, impõe dever de assistência mo-
ral, espiritual e material; aliás, por conta desse princípio, o STJ já reconheceu direito a
alimentos na união estável mesmo antes da Lei de 8.971/1994, que admitiu pela primeira
vez esse tipo de direito; outro exemplo de aplicação do princípio é o cabimento de pedido
de alimentos até mesmo depois do divórcio, em casos excepcionais;
c) igualdade entre os filhos: previsto no art. 227, § 6º, CF, reconhece igualdade abso-
luta entre os filhos, havidos ou não do casamento, adotivos, ou nascidos por inseminação
artificial;
d) igualdade entre cônjuges e companheiros: previsto art. 226, § 5º, CF, admite que
o homem use o nome da mulher e peça alimentos; determina a igualdade na chefia fami-
liar, mas admite tratamento diferenciado entre os consortes, em situações especiais, como
as que envolvem a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006);
e) não intervenção na família: previsto no art. 1.513 do CC e no art. 226, § 7º,
da CF, assegura que o planejamento familiar é de livre decisão do casal, permitindo ao
Estado que apenas colabore com esse planejamento, e nunca determine coisa alguma
nessa seara;
até que a ordem cronológica dos interessados numa adoção seja quebrada, para que uma
criança venha a ficar com alguém que esteja no final da fila, mas que tenha já a guarda da
criança e esteja numa situação avançada de afetividade com esta;
g) princípio da paternidade responsável: estabelece que o estado de filiação é perso-
nalíssimo, indisponível e imprescritível, decorrendo do direito à convivência familiar; esse
princípio tem por consequência a ideia de que a investigação de paternidade é imprescri-
tível e de que o Estado deve agir na busca de quem é o pai de uma criança de mãe solteira;
aliás, esse direito, às vezes, contrapõe-se ao direito de intimidade da mulher (liberdade de
relacionamentos sexuais e sigilo de parceiros); a Lei 8.560/1992 impõe que o Juiz Corre-
gedor do Registro Civil deve ouvir a mãe e pode ser que ela não queira falar, não havendo
sanção jurídica para o silêncio da mãe sobre a paternidade de seu filho;
família é a base da sociedade, merecendo proteção especial do Estado, como se dá quando
se institui bem de família ou quando se determina a união de cônjuges funcionários públi-
cos, quando cada um está lotado numa localidade;
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