Direito de filiação

AutorRose Melo Vencelau Meireles
Ocupação do AutorProfessora Adjunta de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas523-561
Direito de filiação
Rose Melo Vencelau Meireles1
Sumário: Introdução; – 1. Filiação anterior ao Código Civil de
2002; – 2. Filiação no período de início de vigência do Código
Civil; – 3. Filiação após 20 anos da edição do Código Civil de
2002; – 3.1. Socioafetividade; – 3.2. A multiparentalidade; – 3.3.
Desafios da Reprodução Humana Assistida; – 4. Direito de filia-
ção: análise crítica; – 4.1. Aspectos positivos; – 4.2. Aspectos ne-
gativos; – 5. Direito de filiação: perspectivas para o futuro; – 6.
Conclusão.
“ser pai ou mãe não está tanto no fato de gerar quanto na circuns-
tância de amar e servir”
João Baptista Villela
Introdução
A verdade sobre a filiação é um dos temas mais debatidos no
Direito Civil. É o parentesco mais próximo que o direito estabe-
lece, o único em 1° grau, que vincula o pai ou mãe ao filho. Dessa
relação de parentesco, todas as demais resultam, seja na linha
descendente, ascendente ou colateral. Sendo assim, os critérios
que o direito aceita para o estabelecimento do parentesco são de
extrema importância, eis que a partir deles todas as demais rela-
ções de parentesco se amoldam.
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1 Professora Adjunta de Direito Civil da Faculdade de Direito da Univer-
sidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
A partir dessa perspectiva, ao tratar da filiação nos 20 anos
desde a edição do Código Civil de 2002, foi oportuno acompa-
nhar as modificações acerca do tema desde antes do Código Ci-
vil de 2002 até o momento atual. Para tanto, o texto foi dividido
em quatro partes. No item 1, o objetivo foi retomar a filiação no
Código Civil de 1916 e a legislação posterior que tratou a maté-
ria, inclusive pós Constituição de 1988. No item 2, trata-se da
filiação no período de início de vigência do Código Civil de
2002, a fim de descrever a normativa codificada. No item 3, cui-
da-se da filiação após 20 anos da edição do Código Civil de
2002, para verificar que aspectos dessa temática foram acresci-
dos, em razão de modificação legislativa ou jurisprudencial. Em
seguida, no item 4, busca-se fazer uma análise crítica do direito
de filiação no estado atual, apontando aspectos positivos e nega-
tivos ao longo desse período de 20 anos. Por fim, no item 5, são
pensadas algumas perspectivas para o futuro, a partir do estudo
desenvolvido.
Foram 20 anos de quebra de muitos paradigmas, ainda em
consolidação. Convida-se o leitor a acompanhar todas as mudan-
ças e a reflexir acerca das preocupações com o futuro.
1. Filiação anterior ao Código Civil de 2002
A filiação no Código Civil de 1916 retratava uma covarde e
discriminatória classificação dos filhos, sempre em função do
vínculo existente entre os pais. Os filhos legítimos eram aqueles
nascidos de pais casados e os ilegítimos de pais não casados. O
art. 352 do Código Civil de 1916 previa a equiparação dos filhos
não matrimoniais aos legítimos, por intermédio do instituto da
legitimação, isto é, com a superveniência do casamento dos pais,
durante a concepção ou após o nascimento do filho.
No Código Civil de 1916, o direito de filiação pertencia ao
filho legítimo, havido no casamento ou legitimado por ele. Os
filhos ilegítimos eram classificados em naturais e espúrios. Os
filhos naturais eram os concebidos de pais não unidos pelos laços
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do matrimônio, mas sem qualquer impedimento para o casa-
mento, o que permitia sua equiparação aos legítimos, por meio
da legitimação. Os filhos espúrios eram igualmente concebidos
extramatrimonialmente, todavia, com a existência de impedi-
mentos matrimoniais entre os pais. Os espúrios eram classifica-
dos ainda em adulterinos ou incestuosos, consoante o impedi-
mento que obstasse o casamento dos pais fosse o casamento
com terceira pessoa ou a consanguinidade.
Centrada no casamento, a filiação para o Código oitocentista
era cercada por presunções que visavam a proteção da família
matrimonializada. O art. 338 previa hipóteses em que os filhos
eram presumidamente concebidos na constância do casamento,
ainda que, de fato, a concepção tenha ocorrido antes dele ou o
nascimento depois da dissolução da sociedade conjugal. Assim,
presumiam-se concebidos na constância do casamento, os filhos
nascidos 180 (cento e oitenta) dias, pelo menos, depois de esta-
belecida a convivência conjugal, bem como os nascidos dentro
dos 300 (trezentos) dias subsequentes à dissolução da sociedade
conjugal por morte, desquite ou anulação.
O art. 339 complementa esta presunção, ao estabelecer que
a legitimidade do filho nascido antes de decorridos os 180 (cen-
to e oitenta) dias da convivência marital, não pode ser contes-
tada se o marido, antes de casar, tinha ciência da gravidez da mu-
lher, ou ainda, se assistiu, pessoalmente, ou por procurador, a
lavrar-se o termo de nascimento do filho, sem contestar a pater-
nidade. As duas hipóteses funcionavam como confissão da pa-
ternidade.
O art. 340, por sua vez, firma uma base quase absoluta da
presunção de legitimidade. De acordo com ele, o filho nascido
na constância do casamento ou presumido como tal pelo próprio
Código (arts. 338 e 339), só poderia ter a sua legitimidade con-
testada apoiando-se em duas circunstâncias: i) que o marido se
achava fisicamente impossibilitado de coabitar com a mulher
nos primeiros 121 (cento e vinte e um) dias, ou mais, dos 300
(trezentos) que houverem precedido ao nascimento do filho; ii)
que a esse tempo estavam os cônjuges legalmente separados .
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