O Direito de Greve no Ordenamento Brasileiro e o Tratamento Legislativo no Ordenamento Italiano

AutorRonald Silka de Almeida - Tatiana Lazzareti Zempulski
Páginas156-165

Page 156

Ronald Silka de Almeida *

Tatiana Lazzareti Zempulski **

Introdução

O presente estudo tem como objetivo efetuar a análise comparativa do instituto da greve no Ordenamento brasileiro e o previsto no Estado Italiano, e para tal, se efetua inicialmente um breve escorço sobre o desenvolvimento do direito do trabalho até a regulamentação que em sua história passou por fases consideradas como objeto de delito, de aceitação e efetivamente de regulamentação sendo esta última o objeto de comparação.

No segundo item se verifica a evolução e influências das normas da União Europeia, com as suas diretivas e efetivamente o estudo comparado de alguns institutos do direito de greve entre ordenamentos.

Para, finalmente, se delinear a comparação das normas de direito do trabalho do Brasil com as transformações e ordenamentos desenvolvidos na Itália.

O direito do trabalho e a greve no Brasil

Entre os estudiosos existe uma predominância de que o marco histórico do Direito do Trabalho está vinculado ao fenômeno denominado “Revolução Industrial”.

O homem por sua natureza, e decorrente da necessidade de sobrevivência, se associou e vive em sociedade e assim aprendeu a obter bens, trocando excedentes de sua produção individual por outros bens. Porém, com o desenvolvimento das sociedades, o trabalho passou a ser, em determinada fase da história, mais precisamente na Antiguidade Clássica, como atividade abjeta, relegada a plano inferior e, por isso, confiada a indivíduos cujo status na sociedade era excludente – os servos e os escravos (ALMEIDA; EGGERS, 2007, p. 82).

Page 157

O escravo era coisa (res) e não pessoa, podendo o seu proprietário dele dispor vendê-lo, trocá-lo, utilizá-lo como lhe aprouvesse e até matá-lo. A relação jurídica era de domínio absoluto por parte do dono, a cujo patrimônio o escravo pertencia e se incorporava o produto de seu trabalho (SÜSSEKIND, 2004, p. 4).

O termo trabalho, segundo alguns dicionários etimológicos (CUNHA, 1986, p. 779), deriva do latim vulgar tripaliare, que significa “martirizar com o tripalium” (instrumento de tortura composto de três paus).

Com o aumento da população e a complexidade das relações sociais e humanas fizeram com que os senhores passassem a se utilizar da mão de obra de escravos de outros senhores, arrendando-lhes os serviços, portanto, paulatinamente os homens livres de baixo poder aquisitivo passaram a ser incluídos entre os que arrendavam os seus serviços (ALMEIDA; EGGERS, 2007, p. 82).

Dois fatos ocorreram: primeiro a decadência da escravidão no Império Romano em razão da política igualitária implantada por Marco Aurélio e pelos Severos (BARROS, 2006, p. 54), do ideal humanitário apregoado pelo cristianismo e pela filosofia estoica (HOUAISS, 2002), associada à fuga constante dos escravos, foram fatores que contribuíram para o declínio dessa forma de trabalho. Em segundo plano, dentro do chamado sistema feudal, apareceram os primeiros agrupamentos de indivíduos que, fugindo das terras dos nobres, fixaram-se nas urbes, estabelecendo-se, pela identidade de ofícios entre eles, uma aproximação maior, a ponto de surgirem as denominadas Corporações de Ofício, nos quais se firmavam contratos de locação de serviços em subordinação ao “Mestre” da Corporação.

Diante de diversos fatores conjugados como os abusos praticados pelos Mestres nas Corporações de Ofícios, geradores de greves e revoltas dos companheiros, o contrato de trabalho perpétuo, as novas exigências sociais e econômicas fizeram com que ocorresse a transição da sociedade artesanal para a capitalista. O fenômeno acelerador da crise artesanal foi a inovação tecnológica, globalmente designada Revolução Industrial (BARROS, 2006, p. 57).

A nova sociedade capitalista consagrou a liberdade para o exercício das profissões, artes e ofícios e, consequentemente, para as livres contratações, porém com a inovação tecnológica, a ferramenta manual é substituída pela máquina.

A Revolução Industrial acarretou mudanças no setor produtivo e deu origem à classe operária, e conforme explica Barros (2006, p. 54): “as relações de trabalho presididas pelos critérios heterônomos das corporações de ofício foram substituídas por uma regulamentação essencialmente autônoma”, o que faz eclodir “uma liberdade econômica sem limites, com opressão dos mais fracos, gerando, segundo alguns autores, uma nova forma de escravidão”.

A utilização das “meias forças dóceis”, ou seja, o emprego generalizado de mulheres, crianças e adolescentes, pois a máquina reduziu o esforço físico e estas não estavam preparadas para reivindicar quaisquer direitos suportando, assim, ínfimos salários, jornadas desumanas e condições de higiene degradantes, com graves riscos de acidente (BARROS, 2006, p. 59), ou seja, o trabalho retribuído por salário, sem regulamentação alguma, era motivo de submissão de trabalhadores a condições análogas as dos escravos, não existindo, então, nada que se pudesse comparar a proteção do indivíduo aos desmandos do patrão.

Com as manifestações de trabalhadores por melhores condições de trabalho e de subsistência, através de greves e de revoltas, despontam as primeiras preocupações em relação à proteção dos empregados e dão origem às legislações neste sentido.

A greve nos primeiros tempos do Direito do Trabalho e do sindicalismo era proibida, “assim como nas distintas experiências autoritárias vivenciadas ao longo dos últimos dois séculos, a greve afirmou-se nas sociedades democráticas como inquestionável direito dos trabalhadores” (GODINHO, 2017, p. 1.612).

A greve surge como movimentos de reivindicação ocorridos no período da Revolução Industrial, quando então se passa pelo processo gradual de substituição do trabalho do homem pela máquina a vapor. De pronto, deve-se esclarecer que alguns estudos indicam que os movimentos grevistas existiam desde a mais remota antiguidade, porém, segundo Rabie (1957, p. 303) “a greve era fenômeno desconhecido na antiguidade”, mesmo porque não se pode falar do movimento reivindicatório quando não existia a liberdade de trabalho.

Catharino (1977, p. 261) leciona que a denominação greve tem origem no termo francês “grève” que significa praia areal, pois está ligado “ao fato dos operários franceses terem se reunido na Praça do Hotel de Ville, em Paris, quando desempregados, ou para discutirem fatos relativos à suspensão do trabalho”, esclarece ainda que a referida praça, após as enchentes do rio Sena, ficava cheia de detritos chamados de “gravé”, e que levou a Praça a ser denominada de “Place de la Gravé, e mais tarde por vício de pronúncia Place de la Grève”, o que deu origem ao termo greve.

O movimento de greve se desenvolveu em meados do século XIX, com o embate entre a indústria e a afirmação da liberdade de trabalho, e nessa fase his-

Page 158

tórica se apresenta como ato antijurídico, como ato social contrário à soberania, à semelhança da guerra entre nações, sendo declarado como ilegal – delito de greve (RABIE, 1957, p. 303).

Porém, como explica Gomes e Gotstschalk (1991, p. 692), “a tolerância de sua prática, numa fase posterior, o reconhecimento do direito pela ordem jurídica, mais tarde, revelam a parcial correção histórica do equívoco”, uma vez que era o único meio que a classe trabalhadora, através de movimentos coordenados e organizados tinha como forma de participar na vida jurídica dos bens, do progresso e da civilização.

Em sua transformação histórica (JORGE NETO; CAVALCANTE, 2015, p. 1.401), a greve pode ser compreendida sob os seguintes fundamentos: “a) greve delito, sendo considerada como ilícito penal e civil, como resolução contratual”, e envolvendo ainda a concepção paternalista e autoritária do Estado, posto que este aparelhado de órgãos destinados a solucionar por via impositiva os conflitos coletivos; “b) greve liberdade” – deixa de constituir um ilícito penal, havendo somente a ilicitude civil” e passa a existir a sua tolerância, neste período desenvolve-se a concepção liberal do Estado, em que este assiste como mero espectador, somente é acionado para fins de punição quando enseja violência ou atos de vandalismo; e “c) por fim, passa a ser tida como direito, de nature-za constitucional, como forma de atuação de legítima defesa dos trabalhadores, visando à recomposição coletiva do antagonismo entre o capital e o trabalho”.

A concepção constitucional de greve surge, segundo Nascimento (2015, p. 489), a partir do momento em que “passou a ser um direito assegurado pelas leis e proclamado em diversas declarações internacionais de direitos fundamentais”, e cita “o Pacto Internacional da ONU sobre direitos econômicos, sociais e culturais e pela Carta Social do Conselho da Europa (1961), nos quais é reconhecido o direito de ação coletiva para trabalhadores e empregadores”.

Esclarece, ainda Nascimento (2015, p. 489), que várias Constituições pós-corporativistas passaram a garantir o direito de greve, como a da Itália (1947) no art. 40; da Espanha (1978) no art. 28, n. 2; de Portugal (VII Revisão 2005) no art. 57; o mesmo ocorrendo em Constituições de países latino-americanos: a da Argentina (art. 14 bis); do México (art. 123); do Uruguai de 1934 (art. 57).

Referidas fases ficam claras no Brasil, quando se apresenta: a) o período do ilícito penal, “o Código Penal (1890) proibia a greve, ainda que pacífica, com alteração do Decreto n. 1.162, de 12.12.1890, a norma fixa punição apenas para a violência cometida durante o movimento o movimento paredista” (JORGE NETO; CAVALCANTE, 2015, p. 1.401), porém com a Lei n. 38, de 04.04.1935, a greve era considerada como delito; b) a partir da Constituição de 1937, ocorre o período de tolerância, ela não é permitida mas se tolera a greve e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT