Direito de imagem

AutorJorge Miguel Acosta Soares
Páginas71-97

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Durante muito tempo a conceituação, definição e delimitação do Direito de Imagem157 sempre foram escassas e insuficientes. O instituto, direito do ser em sua relação mais essencial, sempre esteve atrelado às noções de vida privada, intimidade e honra, quase sempre se confundindo com estas. O desenvolvimento dos meios de comunicação social possibilitou a rapidez na captação e divulgação da imagem do indivíduo, fazendo surgir novos enfoques para a questão. Os avanços tecnológicos de propagação de imagens geraram um novo conjunto de situações fáticas, assim como novos tipos de violações e danos, muitas vezes de difícil reparação.

Ao mesmo tempo, e em razão desse desenvolvimento, a complexidade da sociedade capitalista converteu a imagem em muito mais que apenas um elemento definidor do ser, transformou-a em um bem, em uma mercadoria, com valor de uso e valor de troca. A posição social e a relevância profissional permitiram que o indivíduo agregasse sua imagem ao conjunto de seu patrimônio, colhendo seus frutos periodicamente. A imagem, agora convertida em coisa, passou a ser suscetível de avaliação monetária, podendo ser objeto de posse, propriedade, cessão, transmissão, etc. O que antes era elemento intrinsecamente ligado à honra e intimidade, passou a perpassar quase todos os ramos do direito, inclusive o Direito do Trabalho.

Várias categorias tiveram sua relação profissional profundamente marcada por este novo enfoque do instituto, entre elas a do atleta profissional. A imagem do jogador, dado seu forte apelo social, passou a ser um bem valorado, procurado, negociado, disputado. A imagem do profissional da bola ganhou importância, chegando a se imbricar com o próprio contrato de trabalho, alterando-o, confundindo-se com este.

A seguir são feitas algumas reflexões, e considerações, pelas quais se busca entender o que é o Direito de Imagem, sua relação dentro do mundo do Direito e das normas, assim como sua natureza jurídica. Também se procura analisar como o Direito de Imagem se apresenta na relação entre o jogador de futebol e o clube que o contrata, e como os Tribunais do Trabalho, quando procurados, têm se pronunciado sobre a questão.

4.1. A imagem e os Direitos da Personalidade

A proteção à imagem faz parte de um conjunto maior conhecido como Direitos da Personalidade, direitos pertencentes ao ser humano tomado em si mesmo, sem a incorporação de qualquer outra qualidade ou característica. São os direitos que pertencem ao indivíduo apenas por ele ser humano, apenas por ter nascido. Um conjunto de leis e normas jurídicas previstas exclusivamente para a defesa de valores inatos no homem, como a vida, a integridade física, a intimidade, a honra, a intelectualidade, entre outros. São direitos intimamente gravados na pessoa.

Esses direitos são dotados de caracteres especiais, para uma proteção eficaz à pessoa humana, em função de possuírem, como objeto, os bens mais elevados da pessoa humana. Por isso é que o ordenamento jurídico não pode consentir que deles se despoje o titular, emprestando-lhes caráter essencial. Daí são, de início, direitos intransmissíveis e indispensáveis, restringindo-se à pessoa do titular e manifestando-se desde o nascimento. Constituem direitos inatos (originários), absolutos, extrapatrimoniais, intransmissíveis, imprescritíveis, impenhoráveis, vitalícios, necessários e oponíveis erga omnes, como tem assentado a melhor doutrina. (...) São os direitos que transcendem, pois, o ordenamento jurídico positivo, porque ínsitos à própria natureza do homem, como ente dotado de personalidade. Intimamente ligados ao homem, para sua proteção jurídica, independentes de relação imediata com o mundo exterior ou outra pessoa, são intangíveis, de lege lata, pelo Estado, ou pelos particulares158.

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Uma definição ampla e ao mesmo tempo moderna de direitos da personalidade é dada pelo civilista português Rabindranath Capelo de Sousa:

Adentro do direito civil, retira-se da precedente exposição uma noção comparada do direito geral de personalidade como direito de cada homem ao respeito e à promoção da globalidade dos elementos, potencialidades e expressões de sua personalidade humana, bem como da unidade psico-físico-sócio-ambiental dessa mesma personalidade humana, com a consequente obrigação por parte dos demais sujeitos de se absterem de praticar ou deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender tais bens jurídicos da personalidade alheia, sem o que incorrerão em responsabilidade civil e/ou na sujeição às providências cíveis adequadas a evitar a consumação de ameaça ou a atenuar os efeitos da ofensa cometida159.

Os direitos da personalidade foram individualizados como categoria e, enquanto tal, incorporados ao patrimônio humano em tempos relativamente recentes. As atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial fizeram despertar as consciências para necessidade de proteger de forma categórica os atributos fundamentais da personalidade humana.

Apesar de atualmente serem rapidamente compreendidos, os direitos da personalidade não são fáceis de ser classificados. A evolução, o desenvolvimento e aperfeiçoamento das sociedades têm demonstrado que essa categoria continua em expansão. A doutrina e a jurisprudência vêm continuamente inserindo novos direitos em seu contexto, tornando o conjunto dinâmico. Muitas foram as classificações desses direitos, contudo, uma das mais completas e abrangentes é a de Rubens Limongi França, a qual, apesar de mais antiga, mostra-se ainda útil. Os direitos da personalidade foram por ele agrupados em três vertentes, em que cada um dos grupos guarda algumas peculiaridades, dando-lhes coesão e, ao mesmo tempo, definindo os bens jurídicos protegidos:

Direito à integridade física: direito à vida e aos alimentos; direitos sobre o próprio corpo vivo; direito sobre o corpo morto; direito sobre o corpo alheio vivo; direito sobre o corpo alheio morto; direito sobre as partes separadas do corpo vivo; direito sobre as partes corpo morto.

Direito à integridade intelectual: direito à liberdade de pensamento; direito pessoal de autor científico; direito pessoal de autor artístico; direito pessoal de inventor.

Direitos à integridade moral: direitos à liberdade civil, política e religiosa; direito à honra; direito à honorificência; direito ao recato; direito ao segredo pessoal, doméstico e profissional; direito à imagem; direito à identidade pessoal, familiar e social160.

Assim, os bens jurídicos que se pretende proteger são: aqueles físicos, psíquicos e as liberdades, e os bens morais. Interessam, pois, ao Direito, certos componentes da individualidade da pessoa, aos quais confere proteção específica, cujo objetivo fundamental dessa proteção é o de assegurar a cada qual a respectiva integridade, dentro dessas categorias, do outro. Estão envolvidas todas as pessoas — qualquer que seja a sua condição, ou estado, ou grau de notoriedade — tanto no pólo ativo quanto no passivo.

Os direitos da personalidade têm sua natureza jurídica no campo dos direitos privados, mas são dotados de qualidades, de singularidades, que os distinguem no conjunto do Direito Civil. São intransmissíveis e irrenunciáveis, imunes até mesmo à ação do próprio titular, que não pode eliminá-los por ato de vontade161.

Vários autores já descreveram detalhadamente quais seriam essas qualidades definidoras dos direitos da personalidade. Estas lhes confeririam intensidade, rigor e exigibilidade muito maiores do que o restante do conjunto dos direitos privados. Paulo Eduardo Oliveira162 apresenta oito qualidades dos direitos da personali-dade, que podem ser assim sintetizadas:

a) Intransmissibilidade — não pode seu titular ser expropriado de seus direitos;

b) Indisponibilidade — seu titular não pode dele desfazer-se;

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c) Irrenunciabilidade — nenhum ato de vontade do titular pode abdicar do direito;

d) Vitaliciedade ou perenidade — a pessoa adquire direitos no momento de seu nascimento e os preserva por toda a vida e, até mesmo, além dela;

e) Inexpropriabilidade — não podem ser objeto de qualquer tipo de expropriação, forçada ou não;

f) Imprescritibilidade — a inércia do titular ao longo do tempo não afasta os direitos;

g) Impossibilidade de sub-rogação — não pode haver a substituição de uma pessoa por outra na titularidade do direito;

h) Extrapatrimonialidade — são direitos que pertencem à categoria do ser e não do ter da pessoa.

Não obstante essas limitações, alguns direitos da personalidade podem se tornar parcialmente disponíveis pela via contratual. Por meio de instrumentos adequados, como a cessão de direitos de imagem, por exemplo, podem, de maneira restrita e limitada, vir a ser utilizados por terceiros. Contudo, essa licença, essa cessão, não altera o caráter do direito, representando apenas o exercício de uma faculdade inerente e privativa do titular.

Os direitos da personalidade definem-se na relação social, na interação do indivíduo com o outro. É o contato com o meio social que irá definir o direito, assim como sua violação. Segundo Maria Helena Diniz163, os direitos da personalidade somente são notados quando confrontados com o outro, com os terceiros. O titular dos direitos apenas perceberia a existência destes quando sofresse alguma lesão. Seriam direitos excludente alios, direitos de exigir um comportamento negativo.

Apesar das qualidades...

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