Direito individual do trabalho

AutorRicardo Calcini, Luiz Eduardo Amaral de Mendonça
Páginas33-202
Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista 33
Direito Individual do Trabalho
AUTÔNOMO
O que efetivamente mudou na caracterização de uma relação jurídica ser de empregado
ou de autônomo com o disposto no art. 442-B da CLT?
André Cremonesi
Houve por bem o legislador, na Reforma Trabalhista aprovada pela Lei n. 13.467/2017, aprovar o art. 442-B, à
Consolidação das Leis do Trabalho, cujo teor é o seguinte:
“A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não,
afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta Consolidação.
Com todo o respeito aos Poderes Legislativo e Executivo que terminaram por aprovar e sancionar a Lei
n. 13.467/2017, queremos aqui registrar a inocuidade do dispositivo legal em comento, senão vejamos. Quatro são os
questionamentos que faremos.
O primeiro questionamento reside no fato de que o Código Civil regula o contrato de prestação de serviços nos
Com efeito, o contrato de prestação de serviços nada mais é do que o denominado trabalho exercido em caráter
autônomo.
Nesse sentido, não há como confundir o trabalho autônomo com o trabalho subordinado, este último nos moldes
da Consolidação das Leis do Trabalho, em especial quanto ao contido no art. 3o, que assim preconiza:
“Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste
e mediante salário.
A dependência a que faz menção o legislador é interpretada como subordinação jurídica, assim entendida como
a situação em que o empregado aceita receber ordens.
Assim, com a devida vênia e respeito ao legislador ordinário, parece-nos totalmente equivocado tratar do trabalho
autônomo dentro da Consolidação das Leis do Trabalho, eis que já regulado no Código Civil.
Com efeito, parece-nos um artigo inserido sem o necessário contexto com os princípios que regem o trabalho
subordinado.
Portanto, mostra-se, o art. 442-B da Consolidação das Leis do Trabalho, como totalmente desnecessário no corpo
desse diploma legal.
Ora, se havia necessidade de nova regulamentação do trabalho autônomo, deveria o legislador, a nosso ver, alterar
os arts. 593 a 609 do Código Civil e não inserir regulamentação desse trabalho no Texto Celetizado.
O segundo questionamento deve ser objeto de reflexão, qual seja o próprio conteúdo do art. 442-B da Consoli-
dação das Leis do Trabalho à luz do ordenamento jurídico.
Nesse sentido, necessitamos trazer ao presente estudo a hermenêutica, que nada mais é do que a ciência da
interpretação das normas.
Interpretar as normas trabalhistas é buscar o seu verdadeiro sentido.
Os recursos de interpretação podem ser classificados de diversas formas, como vemos a seguir:
a) com relação às fontes de interpretação: autêntica, doutrinária e jurisprudencial;
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b) com relação aos meios de interpretação: gramatical ou literal, lógica, teleológica ou finalística, sistemática,
histórica e sociológica;
c) com relação aos efeitos: taxativa, restritiva e extensiva ou ampliativa.
Nessa seara, necessário se faz interpretar o art. 442-B juntamente com o art. 9o, ambos da Consolidação das Leis
do Trabalho.
“Serão nulos de pleito direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos
na presente Consolidação.
Destaque-se, por oportuno, que o artigo supracitado não sofreu qualquer alteração por parte do Congresso Nacional
quando da aprovação da Lei n. 13.467/2017.
O art. 9o, da Consolidação das Leis do Trabalho, a nosso ver, caracteriza-se como verdadeira salvaguarda dos
direitos dos trabalhadores empregados.
Ora, enquanto o art. 9o procura preservar os direitos dos trabalhadores empregados de quaisquer condutas dos
empregadores que visem desvirtuá-los, impedi-los ou fraudá-los, o art. 442-B contempla a possibilidade contrapô-los,
se cumpridos alguns requisitos ali fixados.
A antinomia entre os arts. 9o e 442-B, da Consolidação das Leis do Trabalho, a nosso ver, é apenas aparente.
Em nosso ponto de vista, aplica-se, pois, a interpretação sistemática, assim entendida como aquela a ser dada
ao dispositivo legal conforme a análise do sistema no qual está inserido, sem se ater à interpretação isolada de um
dispositivo, mas ao seu conjunto.
Com efeito, o art. 9o, da Consolidação das Leis do Trabalho contempla regra geral de proteção dos direitos dos
trabalhadores, pelo que a doutrina consagra como o princípio da primazia da realidade, também chamado de princípio
do contrato realidade.
O princípio da primazia da realidade, ou do contrato realidade, nada mais é do que a prevalência da situação
fática existente entre as partes contratantes em detrimento de qualquer documento escrito, em especial quando este
traga prejuízo ao trabalhador.
Assim, o art. 442-B não se sustenta ante o art. 9o, ambos da Consolidação das Leis do Trabalho.
O terceiro questionamento também merece registro, é o fato de que exclusividade não é e nunca foi requisito
do contrato de trabalho.
Com efeito, é totalmente possível que alguém seja empregado de uma empresa na parte da manhã e de outra
empresa na parte da tarde. O mesmo se diga de alguém que seja empregado de uma empresa de segunda, quarta e
sexta-feira e de outra empresa de terça, quinta-feira e sábado. Inócua a expressão, portanto.
Por fim, o quarto questionamento consiste em saber quais seriam as formalidades legais a ensejar o enquadra-
mento do trabalhador como autônomo e não como empregado?
Supomos que as tais “formalidades legais” a que fez menção o legislador ordinário seriam a existência de um
contrato escrito que fora celebrado entre as partes, o registro do trabalhador autônomo nessa condição perante a
Prefeitura e bem assim o registro do trabalhador autônomo nessa condição perante a Previdência Social.
Feito isso, o enquadramento desse trabalhador seria de fato autônomo posto que cumpridas todas as “formali-
dades legais”.
Pergunta-se: Como fica esse enquadramento ante o princípio da primazia da realidade?
Reiteramos aqui, mais uma vez, o princípio da primazia da realidade ou do contrato realidade para rechaçar o
dispositivo legal em comento.
Nessa seara, é certo que as denominadas “formalidades legais, ainda que devidamente cumpridas, não afetariam
o direito do trabalhador quanto ao seu enquadramento como empregado, desde que existentes, de forma concomitante,
os requisitos da habitualidade, da pessoalidade, da onerosidade e da subordinação jurídica.
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Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista 35
Posso “pejotizar” meus atuais empregados?
André Rodrigues Schioser
Como muitas mudanças trazidas pela Lei n. 13.467/2017, a discussão sobre a possibilidade de as empresas
demitirem seus empregados e os recontratarem por meio de suas eventuais pessoas jurídicas (“PJs”), fenômeno
conhecido no âmbito da Justiça do Trabalho como “pejotização, ganhou novos contornos.
Com efeito, a Reforma Trabalhista, em seu art. 442-B, previu que, uma vez cumpridos os requisitos legais para a
contratação de um trabalhador autônomo, não restaria configurada a qualidade de empregado. In verbis:
Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua
ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta Consolidação.
Daí porque, num primeiro momento, acreditou-se que a nova legislação permitiria a contratação sem vínculo
empregatício tanto de trabalhadores autônomos como de PJs (ainda que sejam figuras jurídicas distintas), constituídas
pelos trabalhadores para essa finalidade, desde que cumpridas as formalidades legais.
Some-se a isso o contexto anterior de avanço legislativo no campo da terceirização, advindo da Lei n. 13.429/2017(1),
que passou a validar a terceirização da atividade-fim e acabou por reforçar a dúvida inicialmente apresentada pelo
empresariado quanto à possibilidade de “pejotização” dos empregados.
Ora, considerando que: (i) seria possível terceirizar a atividade fim; e (ii) a contratação, cumpridas as formalidades
legais, de autônomos, com ou sem exclusividade, afasta a qualidade de empregado, realmente é de se questionar por
qual motivo não seria possível “pejotizar” os empregados?
Como muitas das dúvidas que surgiram com a Lei n. 13.467/2017, a resposta não é simples.
Pela simples leitura dos artigos mencionados acima, a resposta mais simplória seria positiva, ou seja, “sim, seria
possível “pejotizar” os empregados.
No entanto, há três argumentos, que serão expostos a seguir, que nos levam a responder tal indagação de forma
negativa.
Em primeiro lugar, a própria Reforma Trabalhista previu uma quarentena de 18 (dezoito) meses para contratação
de PJs que tenham, como titulares ou sócios, empregados que tenham prestado serviços à contratante na qualidade de
empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício. Confiram-se, nesse sentido, as redações dos arts. 5o-C e 5o-D
Art. 5o-C. Não pode figurar como contratada, nos termos do art. 4o-A desta Lei, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham,
nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício,
exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados.
Art. 5o-D. O empregado que for demitido não poderá prestar serviços para esta mesma empresa na qualidade de empregado de
empresa prestadora de serviços antes do decurso de prazo de dezoito meses, contados a partir da demissão do empregado.
Em segundo lugar, o art. 3o da CLT(2) permanece válido e deve ser interpretado de forma sistêmica com as inovações
trazidas pela Reforma Trabalhista. Assim, a contratação de ex-empregados como PJs, mesmo após os 18 (dezoito) meses,
poderá trazer riscos de ajuizamento de reclamatórias pleiteando o reconhecimento do vínculo empregatício e, em tais
casos, a configuração, ou não, do vínculo, sempre dependerá, principalmente, da subordinação jurídica uma vez que
a presença dos demais elementos do referido art. 3o da CLT (habitualidade, onerosidade e pessoalidade) também são
encontrados em outras relações jurídicas de natureza cível e autônoma.
(1) “Art. 4o-A. Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determi-
nados e específicos.
§ 1o A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas
para realização desses serviços.
§ 2o Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo,
e a empresa contratante.
(2) Art. 3o Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e
mediante salário.
Parágrafo único – Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
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