Direito internacional do trabalho

AutorGeorgenor de Sousa Franco Filho
Ocupação do AutorDesembargador do Trabalho de carreira do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região
Páginas49-58

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1. Autonomia e finalidade

O papel do Direito Internacional do Trabalho revela a importância do Direito Internacional para o Direito do Trabalho, situando as diversas atividades que têm sido desenvolvidas no sentido de dar maior abrangência a esse ramo do Direito Internacional Público, ao qual se aplicam regras de superdireito, que compõem o Direito Internacional Privado, para fins de solucionar conflitos de leis trabalhistas no espaço1.

Discute-se acerca de sua autonomia, e prevalece a corrente no sentido de que lhe seja negada essa condição, porque seus princípios e métodos são os mesmos do Direito Internacional Público, apesar da posição de De La Cueva2, embora possua peculiaridades que o diferenciam de outros ramos, como, v. g., a composição tripartite da OIT e os mecanismos de controle que possui, como a Comissão de Peritos na aplicação de Convenções e Recomendações Internacionais do Trabalho.

A finalidade precípua do Direito Internacional do Trabalho é a proteção do trabalhador para universalizar os princípios de justiça social e promover a cooperação internacional a fim de melhorar suas condições de vida. Pelas alterações que se processam no mundo de hoje, tem adquirido novas dimensões, dadas pela Declaração da Filadélfia que substituiu o art. 427 do Tratado de Versalhes de 1919 e ampliou a competência inicial da OIT, pelos arts. XXIII a XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948 e pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais3. Assim, hodiernamente, abrange também cooperação técnica em formação profissional, administração do trabalho, combate ao desemprego e ao subemprego, seguro-social, meio ambiente do trabalho, integração dos povos indígenas, reforma agrária e política social das transnacionais.

2. Organização internacional do trabalho (oit)

Fruto de desenvolvimento gradual da necessidade de proteger o trabalhador, foi criada, em 1919, na Parte XIII do Tratado de Versailles, a OIT. Buscando inspiração na doutrina social da Igreja, no sentido de promover o advento de leis para melhorar as condições econômica e social do trabalhador, preocupa-se com a sua desproteção, fruto do liberalismo do laisser-faire, laisser-passer, defendendo o advento de uma legislação internacional, protetora do operariado, respeitando as peculiaridades e a soberania de cada Estado membro.

A OIT é uma pessoa jurídica de Direito Internacional Público, formada por Estados, com personalidade jurídica própria, integrando o sistema das Nações Unidas como agência especializada. Tem sede em Genebra, na

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Suíça, e goza de imunidade de jurisdição e de execução por força de Convenção sobre privilégios e imunidades das agências especializadas das Nações Unidas (Nova York, 21.11.1947)4.

2.1. Princípios da oit

Boa parte dos doutrinadores costuma indicar que os princípios do Direito Internacional do Trabalho estão elencados na Declaração da Filadélfia de 10.5.1944. A rigor, trata-se do elenco dos princípios que norteiam a atividade da OIT. Tanto é assim que o art. I de seu tratado constitutivo enuncia: A Conferência reafirma os princípios fundamentais sobre os quais repousa a Organização, principalmente os seguintes, passando a explicitar os seus (da OIT) quatro mais importantes princípios:

a) o trabalho não é uma mercadoria;

  1. a liberdade de expressão e de associação é uma condição indispensável a um progresso ininterrupto;

  2. a penúria, seja onde for, constitui um perigo para a prosperidade geral;

  3. a luta contra a carência, em qualquer nação, deve ser conduzida com infatigável energia, e por um esforço internacional contínuo e conjugado, no qual os representantes dos empregadores e dos empregados discutam, em igualdade, com os dos Governos, e tomem com eles decisões de caráter democrático, visando o bem comum.

Todos encontram-se, a nosso ver, envolvidos por outro, mais amplo e, portanto, mais abrangente: o princípio do respeito aos direitos humanos, que é obrigatório na medida em que, os respeitando, as dificuldades da convivência entre os homens necessariamente serão abrandadas.

De qualquer sorte, en passant, temos que o trabalho não é uma mercadoria, quando pretende tirar o caráter meramente mercante do trabalho, dando valor digno, forma igual para dar dignidade ao homem.

A liberdade de expressão e de associação destina-se a garantir a livre manifestação da vontade do trabalhador e o direito de criar sindicatos e a eles se associar ou não, lembrado, a 15.5.1891, pelo Papa Leão XIII na Rerum Novarum. É nessa linha que o Brasil se encontra, tendo como um de seus fundamentos o pluralismo político (art. 1º, V, da Constituição), ao qual se alinham as liberdades de expressão (art. 5º, IX) e de associação (art. 5º, XVII), inclusive sindical (art. 8º, caput).

A penúria é a pobreza crítica, que gera desigualdade social. Aqui, certamente reside um dos maiores problemas da humanidade nos dias correntes. A Declaração lembra que essa condição é um perigo para a prosperidade geral, significando que se trata de um mal para todos. A pobreza, que gera desigualdade, conduz à exclusão social, como se já não bastasse, sobretudo, para os países menos aquinhoados (especialmente os africanos) a exclusão digital em que se encontram seus habitantes.

O princípio derradeiro, o quarto, é a luta contra a carência, que deve proporcionar a aproximação de governos e de representantes das categorias econômica e profissional para, democraticamente, avaliarem seus problemas conjuntos e as formas de sua solução, visando o bem da humanidade.

2.2. Estrutura e ação da oit

É da OIT que emanam as principais e mais influentes normas de Direito Internacional do Trabalho. Organismo Internacional que é, possui uma estrutura básica formada pela Conferência Internacional do Trabalho, pelo Conselho de Administração e pela Repartição Internacional do Trabalho, consoante o art. 2º de sua Constituição.

A Conferência Internacional do Trabalho reúne-se anualmente no mês de junho, possuindo composição tripartite. Com efeito, as delegações de cada Estado são formadas por quatro delegados, com direito a quatro votos, sendo, dois representantes do Governo, um dos empregadores e um dos trabalhadores (arts. , e da Constituição da OIT).

O Conselho de Administração é igualmente tripartite. Possui 56 integrantes, sendo 28 representando governos, quatorze, empregadores, e outros quatorze, trabalhadores (art. , , da Constituição da OIT). Seu mandato

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é de três anos, e inclui representantes dos dez países de maior importância industrial, a saber: Alemanha, Brasil, China, Estados Unidos da América, França, Índia, Itália, Japão, Reino Unido e Rússia.

A Repartição Internacional do Trabalho é a secretaria de Organização, o seu braço técnico-administrativo, dirigida por um Diretor-Geral e sediada em Genebra, oferecendo ajuda técnica aos Estados membros, subsidiando o Instituto Internacional de Estudos Sociais e o Centro Internacional de Aperfeiçoamento Profissional e Técnico, de Turim. Ademais, a ela incumbe compilar e distribuir todas as infrações sobre a regulamentação internacional das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores, e elaborar os documentos necessários sobre os pontos da ordem do dia das reuniões da Conferência (art. 10 da Constituição da OIT).

Dentre as diversas comissões que existem na OIT, merece destaque a Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações Internacionais do Trabalho. Essa Comissão de Peritos, criada em 1926, possui vinte membros, juristas de reconhecida capacidade, sendo órgão técnico-jurídico, que examina comunicações e relatórios dos Estados dirigidos à Repartição Internacional do Trabalho sobre a observância das convenções e das recomendações adotadas pela Conferência.

A Comissão de Peritos possui dois tipos de controle, a saber: (1) o de eficácia, quando identifica se as convenções estão sendo aplicadas, e (2) o de legalidade, acerca das violações que esses tratados tenham eventualmente sofrido. A finalidade da Comissão é a de obter dos Estados membros o cumprimento da Constituição da OIT, aplicação de convenções ratificadas e a adoção de disposições das recomendações e das outras convenções. Atua através de demanda direta, quando há pedido para o Estado adotar as medidas que recomenda, e de contato direto, realizado entre a autoridade do Estado membro e o Diretor Geral da Repartição, tendo apresentado ótimo resultado na América Latina, África, Ásia e Caribe, com a existência de conselheiros regionais.

Os atos internacionais que emanam da OIT possuem duas formas: as convenções internacionais do trabalho e as recomendações internacionais do trabalho. Até julho de 2015, existiam 189 convenções, que são fonte formal do direito, sujeitas à ratificação, sendo aprovadas por 2/3 dos delegados à Conferência (art. 19, , da Constituição da OIT). As recomendações, até a mesma data, eram 203, sendo fonte material, porquanto não são ratificadas, servindo, na lição de Süssekind,

de inspiração e modelo para a atividade legislativa nacional, os atos administrativos de natureza regulamentar, os instrumentos de negociação coletiva e os laudos de arbitragem voluntária ou compulsória dos conflitos coletivos de interesse, neste último caso compreendidas as decisões dos tribunais do trabalho dotados de poder normativo 5 .

Pelo Brasil, que integra a OIT desde 1919, até julho de 2016, 96...

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