Direito intertemporal na execução e no cumprimento de sentença

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas1041-1018

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676. Introdução

Sempre que uma legislação processual nova é editada, alterando o procedimento anterior, as inovações são de incidência imediata, atingindo até mesmo os processos em curso. Respeitam-se, contudo, os atos e fases processuais já consumados, procedendose à adequação do procedimento aos atos futuros.

O CPC de 2015 trouxe algumas inovações em relação ao Código anterior, relativas à execução de título extrajudicial e ao cumprimento de sentença, de sorte que a análise do direito intertemporal faz-se necessária, para o fim de afastar quaisquer dúvidas a respeito de qual lei aplicar aos processos em curso.

Convém rememorar os ensinamentos de Galeno Lacerda,1 em tema de direito intertemporal, a respeito de inovações verificadas sobre normas do processo executivo:

“As modificações na eficácia processual da ação aplicam-se desde logo, embora os títulos sejam de data anterior à lei nova, desde que as ações se proponham depois da vidência do Código”. Vale dizer:

(i) para as execuções em curso, aforadas antes do novo Código, a eficácia executiva do título continua regida pela lei anterior;

(ii) para as execuções propostas na vigência do novo Código, a força executiva será a definida pela lei nova, valendo tanto para os títulos criados antes do advento da lei nova como para os posteriores;

(iii) dessa forma, o que era título executivo deixará de sê-lo, para as ações que se intente propor, se o novo Código não mais lhe reconhece a mesma qualidade (não se aplica, in casu, o princípio tempus regit actum);

(iv) nos processos novos, a força executiva será definida pelo Código novo, pouco importando que ao tempo de sua criação a lei velha não o qualificasse como título executivo (também

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aqui não se aplica o princípio tempus regit actum, mas a norma da vigência imediata das leis processuais);

(v) todas essas regras de direito intertemporal relativas aos títulos executivos aplicam-se igualmente aos casos em que o novo Código apenas introduziu diferentes requisitos, ou reduziu requisitos, para a configuração de determinados títulos, em relação ao que dispunha a lei anterior;

(vi) as inovações no regime da penhora aplicam-se nos processos em andamento, mesmo quando a constrição tenha se verificado no regime do Código anterior;

(vii) o regime inovado de expropriação (arrematação, adjudicação etc.) é de aplicação imediata, se a alienação judicial ainda não foi praticada.

Quanto ao título executivo judicial, a tese dominante é no sentido de que a força executória da sentença é a prevista pela lei do tempo em que foi prolatada e adquiriu a autoridade de coisa julgada.2 As modalidades e processos de sua execução ou cumprimento sujeitam-se, porém, à regra geral que manda aplicar imediatamente a lei nova, respeitados os atos já praticados e respectivos efeitos. Incide, nessa altura, o princípio de direito intertemporal consagrado de que “não há direito adquirido à forma em curso”. Só não pode ser aplicado o procedimento novo naquilo que negue os efeitos do ato executivo consumado sob o império da lei anterior.3

Analisaremos, nos itens seguintes, as alterações ocorridas e qual lei a se aplicar.

677. Cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa contra a Fazenda Pública

Conforme já observado no Capítulo XLII supra, durante a vigência do CPC de 1973, a Lei nº 11.232, de 22.12.2005 substituiu a ação de execução de sentença condenatória a prestação de quantia certa por um procedimento complementar incidental denominado cumprimento da sentença, que se realiza dentro da mesma relação processual em que se pronunciou a condenação (arts. 475-I a 475-R, do CPC/73). Entretanto, o antigo sistema dual foi preservado para as ações que buscassem impor o adimplemento de prestações de quantia certa ao Poder Público.

Agora, na sistemática do novo CPC, publicada a sentença condenatória contra a

Fazenda Pública, não mais se tem por finda a prestação jurisdicional a que se destinava o processo, de modo que desnecessário se torna a propositura de uma nova ação – a ação de execução da sentença (actio iudicati). Desta feita, enquanto para o CPC de 1973 o credor devesse elaborar nova petição inicial, com pedido de nova citação da

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devedora, cuja resposta eventual se daria por meio de embargos à execução; pelo novo Código, basta a intimação do ente público, por seu representante judicial, para apresentar, caso queira, impugnação ao cumprimento de sentença, conforme dispõem os arts. 5344 e 5355. Tudo se processará e se resolverá dentro da mesma relação jurídica processual em que a sentença foi pronunciada. A atividade cognitiva e a satisfativa desenvolvem-se apenas como fases de um mesmo processo; não mais como objeto de dois processos distintos.

Em razão dessa alteração, deve-se analisar qual lei será aplicada ao processo já em curso. Se a execução contra a Fazenda Pública já tiver sido iniciada, por meio processo autônomo, com a respectiva citação do ente público para opor embargos, quando da entrada em vigor do NCPC, o procedimento deverá prosseguir como determinado pelo CPC de 1973, até o seu encerramento por sentença. Aplica-se, na hipótese, o art. 1.046, § 1º, do NCPC,6 previsto para os procedimentos especiais que foram revogados pela nova codificação. Isto porque “afinal, a execução contra a Fazenda Pública é, rigorosamente, um procedimento especial. É um procedimento especial de execução, mas é um procedimento especial”.7 Destarte, a Fazenda Pública terá o prazo de 30 dias, após sua citação, para opor embargos à execução, nos moldes do art. 730, do CPC/73.

Todavia, se, apesar de iniciada a execução, o Poder Público ainda não houver sido citado, o exequente poderá emendar a inicial, transformando-a em cumprimento de sentença, observando o disposto no art. 534, do NCPC. Assim, a Fazenda Pública será intimada8 para, querendo, oferecer impugnação9 no prazo de 30 dias, alegando as matérias previstas no art. 535.

678. Título executivo acrescido ao NCPC

O novo Código fez poucas alterações em relação aos títulos executivos.

Entretanto, uma delas foi qualificar “o crédito de auxiliar da justiça, quando as custas, emolumentos ou honorários tiverem sido aprovados por decisão judicial” como título executivo judicial (art...

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