Direito islâmico - direito canónico

AutorMomade Imran Mhomed Hanif
CargoMestre em Ciência Política e Relações Internacionais junto à Universidade Nova de Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Licenciado em Direito Islâmico.

Ó adeptos do Livro! Vinde pronunciar uma palavra comum a nós e a vós! Quer dizer que não adoramos senão Allah e não lhe associamos ninguém, que não utilizamos nenhuma outra divindade excepto Allah

2.

A Lei Divina (Shariah) é a essência do Islão, e não há Islão sem Lei, por isso Shariah e Islão não são corpos monolíticos, e têm de ser explicados conjuntamente

3.

É ao jurista que, chamado a colaborar na formulação do direito, compete moderar o entusiasmo dos políticos, dominados por preocupações de eficiência padronizadora

.

É ao jurista, encarregado da aplicação do direito, que cabe não perder a intenção de diuturnamente actuar a promessa encerrada na Constituição

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É ao jurista teórico que incumbe o dever de, nas suas construções, se fazer eco do grito de alarme de moralistas, sociólogos e politólogos

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Se tal fizer, o Estado de Direito poderá continuar a ser no mundo de hoje uma ideia carregada de sentido; e, em vez do baço domínio da lei, estender-se-á a rule of law

4.

Na Shariah, Lei Divina existem separações entre os ramos de Direito, ao contrário do que muitos autores escrevem, há separações no direito público e o direito privado, porém não é visível e clarificado ao comum dos mortais, porque conforme disse Abu Baqr Al-Jazairi, para conhecer o Islão é preciso conhecer minuciosamente a Shariah, e, nunca apenas ler alguns artigos e escrever sobre a Shariah e desmistificando-a sem razão aparente.

Não se pode sequer comparar a Lei Divina (Shariah) ao Direito comum, porém é possível fazer uma analogia aos dois tipos de Direito

A Shariah é a lei divina que se completa com a Sunna/ ahadith (as acções e ditos de Mohamad-ver anexo), Ijmá e Qiáss (citado anteriormente).

A Shariah é um caso único, isto porque foi construído independentemente – e não invulgarmente até em oposição ao poder do Estado e dos seus governantes –, clarificadas por escolas jurídicas, os Mazaib: Hanafi, Maliqui, Shafi e Hanabila5 (no mundo sunita) e jafari (no mundo xiita) e não desenvolvidas, como é citado por alguns autores internacionais e nacionais, que não conhecem o Islão, isto porque estas escolas jurídicas não desenvolveram nada, apenas juntaram o conhecimento que estava espalhado e, devem, estes ser louvados por juntarem e clarificarem o conceito de Islão e não louvados por desenvolverem o Islão, porque o Islão é derivado directamente de Deus, ou seja a Lei Divina foi toda ela revelada a Mohamad, cujo o estado é eterno e inalterável.

A lei islâmica é um corpo totalmente abrangente de deveres religiosos, onde as ordens de Allah regulam a vida de cada muçulmano em todos os seus aspectos

6.

Esta engloba, de forma igual, «ordenações relativas à oração e ritual, bem como ordenações políticas e normas legais».

Desta forma a lei islâmica é a súmula do pensamento islâmico, a mais típica manifestação do modo de vida islâmico.

O Islão olhava e olha o conhecimento da lei como um conhecimento estritamente importante e único, sendo impossível compreender o Islão sem antes compreender a lei islâmica7.

É apenas por hábito – e por comodidade algo rotineira – que a História académica e didáctica começa nos primórdios da Humanidade, e se vai desenrolando cronologicamente, sucessivamente, até os nossos dias. Na verdade, o ofício historiográfico, assim como a nossa própria compreensão individual do passado, começa realmente no nosso presente, e deste, com as suas preocupações e lunetas, com suas luzes e sombras, parte em direcção ao desvendamento que nos precedeu8.

Sem completamente rompermos com esse hábito – o que equivaleria a árduas rupturas – vamos tentar olhar apenas para a situação a que, no Direito, chegámos, para, a partir desse balanço brevíssimo e apenas a traços muito largos e algo impressionistas, dirigirmos o nosso olhar indagador para o passado Afirmando as nossas précompreensões, e não as ocultando ou simplesmente pressupondo de forma tácita.

O nosso presente é, aliás, uma dessas épocas “interessantes”, em que o estado quase crónico de profunda crise nos permite melhor compreensão do que nas épocas tranquilas, de História “ fria” e feliz… A crise implica crítica9

Estamos também num tempo de aparente triunfo do Direito.

Em poucas épocas como esta em que nos é dado viver terá sido tão altissonantemente proclamada a apoteose do Direito e da Justiça. Nem mesmo o Iluminismo racionalista, nem o Positivismo sociologista10, no seu optimismo, ousaram espalhar de forma tão declamatória a boa nova de uma jurícidade para os Homens, finalmente com eles reconciliada. Ou eles a ela finalmente aderindo.

E todavia, o pequeno batel do Direito voga hoje num oceano enganador: espelha este o céu e promete calma e utópico porto, mas é todo feito de traição e tormenta. Mais: O Direito hodierno vagueia em grande medida à deriva, perigosamente, entre Cila e Caríbdis.

Ora, nesta tempestade tormentosa, não conseguimos deixar de relembrar as palavras do coro ante a indecisa sorte da nave de Otelo: Or´saffonda or s´incela. O Direito e o seu destino deparam-se-nos entre extremos.

Este vai-vém é signo da encruzilhada do Direito no presente: ir a pique na sua total descaracterização (e de algum modo também imprestabilidade, futilidade ou banalização), ou reencontrar-se como coisa sagrada, das mais sagradas coisas dos Homens (humanarum et divinarum rerum notitia – pois já assim, até em contacto com o divino, o tinham os Romanos).

Nem sempre se tem sabido conciliar e compreender estes dois termos da sua qualificação mais essencial.

O tempo presente é o momento de confluência e agonismo de dois discursos míticos, verdadeiros discursos legitimadores (sejamos capazes desde já de também submeter a critica à critica), que reflectem em lugar do Direito e da sua realidade, imagens que servem pressupostos ou preconceitos ideológicos.

Cila é o discurso do positivismo, apesar de tudo o grande Adamastor que ainda ordena, quase omnipotente, nas águas turvas da realidade concreta; Caríbdis é um subtil monstrengo feito sereia tentadora de novidades, e sobretudo de severa desmontagem do dado: com ou sem rótulos.

Curiosamente, os dois abismos parecem partilhar, nos tempos que correm, pelo menos as dimensões não axiológicas do mundo jurídico: se o terreno dos factos é império do legalismo positivista, o das normas e dos textos (e das teorias sobre essas entidades normativas) vai sendo invadido por novas teorias, nem sempre sensatas e em muitos casos só aparentemente generosas11.

E contudo, a ideia da síntese, da coincidentia oppositorum, da união dos contrários, desde que juntando apenas o que de positivo neles há, continua a ser uma enorme tentação. Julgamos que um direito para os nossos dias é outra coisa, e está algures noutro lugar, para além dos lugares comuns em que o desejam acantonar. Provavelmente um novo Direito se poderá colher num lugar de síntese entre o clássico da melhor cepa e o pós-moderno capaz de desconstruir e voltar a construir, recordando a desconstrução, e submetendo a nova construção ao mesmo crivo crítico.

Um dos legados doutrinais mais nefastos do positivismo jurídico foi o de fazer crer à opinião corrente (e mesmo aos próprios juristas) que o Direito seria uma ciência, se não exacta, pelo menos positiva, e que o ponto de vista da lei seria sempre única ou ultima palavra de tal saber. Ora o próprio judicialismo provou que afinal é o juiz, designadamente o constitucional, quem detém realmente essa última palavra. Contudo, o clima intelectual criado pelo imponente edifício lógico e repressivo do juspositivismo estribou essa burocracia impenetrável e inflexível que se esconde sempre no aforismo “ São ordens”, ou, mais letradamente, dura lex sed, lex. E arrastou consigo a ideia, algo inconsciente, subliminar (inculcada por uma estratégia retórica não inocente nos manuais e nos tratados – muitos com conceitos e pré-conceitos que se vão reproduzindo de psitacismo em psitacismo) de que em Direito quase não haveria lugar para posições e disputas (e de novo martela nos ouvidos o dura lex, sed lex), e muito menos para especulaçãoes. O que é totalmente falso: veja-se o agonismo próprio de todo o direito em acção (law in action), com o debate diário, constante, nos tribunais! Se o direito fosse a plácida aplicação da lei, não haveria Direito.

Daí o afã em repetir-se (o que em teoria até poderá nem ser descabido, mas no contexto tem intenções pouco puras), por exemplo, que a Filosofia do Direito seria apenas Filosfia, e jamais Direito. Toda esta concepção nega o carácter intrinsecamente dialéctico da arte jurídica, e a sua essencial imanência, que é, desde os Romanos, a de uma “filosofia verdadeira”, uma filosofia prática, ou, talvez dito melhor, uma prática de filosofia prática. O que implica, por vezes, e evidentemente, uma prática teórica.

Do mesmo modo que os negadores da realidade do movimento dos corpos são (desde a Grácia clássica) contraditados pela simples trivialidade e transcendência de darmos um prosaico passo, e que os adversários da filosofia no Direito já professam, por isso mesmo (e mesmo sem o quererem, ou ignorando-o), uma filosofia (a positivista), assim também é inapelável que a análise a que estamos procedendo não pode ser inocente.

É óbvio que visa ela a objectividade, mas, nestas matérias sensíveis, a objectividade tem como condição paradigmas...

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