Direito à moradia e conciliação judicial de conflitos coletivos possessórios: a experiência de Porto Alegre / right to housing and judicial conciliation of collective land tenure conflicts: the experience of Porto Alegre

AutorCláudio Ari Mello
CargoProfessor da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Doutor em Teoria do Direito pela UFRGS e mestre em Direito do Estado pela PUCRS. E-mail: claudio.ari@hotmail.com
Páginas2072-2098
Revista de Direito da Cidade vol. 09, nº 4. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2017.29663
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Revista de Direito da Cidade, vol. 09, nº 4. ISSN 2317-7721 pp. 2072-2098 2072
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O artigo descreve a experiência desenvolvida pelo Poder Judiciário em Porto Alegre, com a
criação de uma equipe especializada para tentar a conciliação em ações judiciais envolvendo
conflitos possessórios coletivos urbanos. O texto descreve a estrutura do projeto, expõe alguns
de seus resultados, analisa criticamente algumas vantagens e desafios do projeto e propõe a
adoção de algumas medidas que podem melhorar a performance da conciliação judicial em
conflitos envolvendo ocupações urbanas, baseadas em modelo empregado pela Corte
Constitucional da África do Sul. O artigo sustenta que o Código de Processo Civil de 2015
instituiu um dever judicial de tentar a conciliação em ações possessórias coletivas e, assim,
criou uma posição jurídica subjetiva que agora pertence ao conteúdo normativo do direito
fundamental à moradia. Por consequência, a tentativa de conciliação judicial nas ações
possessórias coletivas passou a ser um dire ito dos ocupantes de áreas urbanas.
-Direito à Moradia; Conflitos Possessórios Coletivos; Conciliação Judicial; Direitos
Fundamentais; Acesso à Justiça.
The article describes the experience developed by the Judiciary Power in Porto Alegre, with the
creation of a specialized staff to try the conciliation in lawsuits concerning collective conflicts on
urban land tenure. The text describes the structure of the project, expounds some of its
outcomes, analyzes critically some advantages and challenges of the project and proposes the
adoption of some measures that could improve the performance of judicial conciliation in
conflicts about urban occupations, based on a model deployed by the South African
Constitutional Court. The article sustains that the 2015 Code of Civil Procedure instituted a
judicial duty to attempt the conciliation in collective land tenure actions; thus it created a
subjective juridical position that now bel ongs to the normative content of the fundamental right
to housing. Accordingly, the attempt of conciliation in the collective land tenure lawsuits has
become a right of the occupiers of urban ar eas.
: Right to Housing; Collective Land Tenure Conflicts; Judicial Conciliation; Fundamental
Rights; Access to Justice.
1 Professor da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Doutor em
Teoria do Direito pela UFRGS e mestre em Direito do Estado pela PUCRS. E-mail: claudio.ari@hotmail.com
Revista de Direito da Cidade vol. 09, nº 4. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2017.29663
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Revista de Direito da Cidade, vol. 09, nº 4. ISSN 2317-7721 pp. 2072-2098 2073
Um dos grandes desafios que a positivação do direito fundamental à moradia impôs à
experiência jurídica consiste na possibilidade de encontrarmos mecanismos para promover a
sua tutela judicial de maneira efetiva. Tratando-se de um direito social, um dos últimos a serem
incluídos na lista de direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988, naturalmente a sua
eficácia jurídica predominante deve ser a de garantir pretensão a prestações estatais. A
dogmática constitucional reconhece que o principal conteúdo normativo dos direitos sociais ou
prestacionais reside precisamente na imputação de obrigações positivas aos órgãos públicos
que sejam capazes de satisfazer o bem jurídico garantido pelo direito, seguindo a tradição do
conceito teórico de direito subjetivo, que considera a tutela judicial uma propriedade inerente à
natureza mesma do conceito. 2
A proteção judicial dos direitos sociais avançou muito nas últimas décadas, e, no Brasil,
esse avanço também ocorreu de forma relevante. Grande parte das decisões judiciais sobre
direitos sociais proferidas por juízes e tribunais brasileiros efetivamente corresponde a
condenações impostas a órgãos públicos para a adoção de medidas, ações e programas capazes
de assegurar positivamente o conteúdo normativo de direitos sociais. Entretanto, a proteção
judicial do direito à moradia não está na linha de frente do quadro geral da tutela jurisdicional
dos direitos sociais. No Brasil, o número e a qualidade das decisões judiciais envolvendo o
direito à moradia são muito pouco significativos quando comparamos com a situação de
garantia ampla e bastante arrojada do direito à saúde e mesmo do direito à educação.
É razoável admitir que a proteção judicial do direito à moradia tende a ser mais
complexa do que a tutela dos direitos à saúde e à educação. A proteção individual, mediante a
oferta de uma habitação a uma pessoa ou a um grupo familiar, naturalmente provoca
resistência em um cenário em que milhões de pessoas necessitam simultaneamente de acesso
à moradia popular. Admitir a tutela judicial individual do direito à moradia poderia levar ao
colapso os orçamentos dos entes públicos e promover a disfuncionalidade das políticas
2 A literatura sobre os direitos sociais tornou-se, ao longo das últimas décadas, prolífica e até inesgotável.
Podem ser citados como referências valiosas: Robert Alexy, Teoria dos Direitos Fundamentais (2 011), Ingo
W. Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva
constitucional, (2010), Christian Courtis e Victor Abramovich, Los Derechos Sociales como Derechos
Exigibles (2004), Rodolfo Arango, El concepto de derechos sociales fundamentales (2005), Gerardo
Pisarello, Los derechos sociales y sus garantias: elementos para uma reconstrucción, 2007, Marcus
Gouveia dos Santos, Direitos sociais: efetivação, tutela judicial e fixação de parâmetros para a intervenção
judicial em políticas públicas (2016), Jeff King, Judging Social Rights (2012) Katharine Young, Constituting
Economic and Social Rights (2014).

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