O direito na exceção e o direito na transição: fundamentos excepcionais para uma justiça transicional
Autor | Eneá de Stutz e Almeida, Marcelo Pires Torreão |
Cargo | Professora dos Programas de Graduação e de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília (UnB)/Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) |
Páginas | 113-136 |
Direito.UnB, Setembro-Dezembro, 2019, V.03, N. 1 113
O DIREITO NA EXCEÇÃO E O DIREITO NA TRANSIÇÃO:
FUNDAMENTOS EXCEPCIONAIS PARA UMA JUSTIÇA
TRANSICIONAL
THE LAW IN EXCEPTION AND THE LAW IN TRANSITION:
EXCEPTIONAL GROUNDS FOR TRANSITIONAL JUSTICE
Eneá de Stutz e Almeida
Professora dos Programas de Graduação e de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília (UnB).
Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Marcelo Pires Torreão
Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB).
RESUMO
Esteartigo objetivaexaminar arelação entredireito eexceção. Comenfoque jurídico-losóco,o
estudo analisa o papel do direito no estado de exceção e o contrapeso do direito no período democrático.
Nesse percurso, o artigo aborda (1) uma contextualização empírica, que ilustra a má compreensão
acerca da excepcionalidade dos valores protegidos pela Justiça Transicional; (2) o direito em tempos
de exceção; (3) a contraexcepcionalidade da Justiça de Transição em períodos pós-autoritários; (4) a
percepção do direito como medida para a proteção de valores no contexto da Justiça Transicional; (5)
uma recontextualização empírica, na qual os exemplos apresentados no início do trabalho são revisitados
comenfoquenascompreensõesedicadasaolongodotexto;e(6) asconclusõesextraídas aonal
dotrabalho,queidenticamaresponsabilidadedeprotegerosvaloresdemocráticoscomoumajusta
medida de aplicação do direito para a realização da Justiça de Transição em períodos pós-autoritários.
Palavras-chave: Justiça de Transição. Exceção. Valor. Medida. Democracia.
ABSTRACT
This paper aims at examining the relationship between law and exception. With a legal-philosophical
approach, it presents an analysis of the role of law during the state of exception balanced against the
role of law in democratic times. In this way, this paper adresses (1) an empirical contextualization,
which shows the misunderstandings around the exceptionality of the values protected by Transitional
Justice; (2) the Law in times of exception; (3) the counter-exceptionality of Transitional Justice in
post-authoritarian periods; (4) the perception of the Law as a measure for protecting values in the
context of Transitional Justice; (5) an empirical recontextualization, in which the examples presented
in the initial section are revisited by focusing on the understandings developed throughout the paper;
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and (6) the conclusions drawn, which identify, in the duty to protect democratic values, the fair
measure of the application of the Law in carrying out Transitional Justice in post-authoritarian periods.
Keywords: Transitional Justice. Exception. Value. Measure. Democracy.
1. CONTEXTUALIZAÇÃO EMPÍRICA
Algunsacontecimentosrecentespodemauxiliarnaidenticaçãodoproblemacentraltratado
neste artigo: uma incompreensão quanto à excepcionalidade dos valores protegidos pela Justiça
Transicional. Os eventos narrados a seguir guardam relação com as quatro dimensões da Justiça de
Transição, tradicionalmente apontadas pela doutrina1: busca da memória e da verdade; reparação de
danos às vítimas; responsabilização dos violadores de direitos humanos; e reforma das instituições.
Primeiradimensão(memóriaeverdade).Em Brasília,um conitoquanto aonome deuma
ponte que interliga os bairros do Lago Sul e Plano Piloto é judicializado2. A disputa diz respeito a qual
nome deveria ser atribuído à ponte: Costa e Silva ou Honestino Guimarães. Em novembro de 2018,
o Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios entendeu existir
1 Entre outros: BICKFORD, Louis. “Transitional Justice”. Em: The Encyclopedia of Genocide and Crimes
Against Humanity, vol. III, Nova Iorque: Mack Millan, 2004. ELSTER, Jon. Rendición de Cuentas: La Justicia Transi-
cional en Perspectiva Histórica. Buenos Aires: Katz, 2006. VAN ZYL, Paul. “Promovendo a Justiça Transicional em
sociedades pós-conito”. Em: Revista Anistia Política e Justiça de Transição. Brasília: Ministério da Justiça, n. 1, 2009,
p. 32 a 55. GENRO, Tarso. Teoria da Democracia e Justiça de Transição. Belo Horizonte: UFGM, 2009. ALMEIDA,
Eneá de Stutz e; TORELLY, Marcelo D. “Justiça de Transição, Estado de Direito e Democracia Constitucional: Estu-
do preliminar sobre o papel dos direitos decorrentes da transição política para a efetivação do estado democrático
de direito”.Em:SistemaPenal&Violência:RevistaEletrônicadaFaculdadedeDireito,v.2,nº2,PortoAlegre:PUCRS,
2010.
2 A obra, projetada por Oscar Niemeyer, foi inaugurada no ano de 1976 com o nome original de Ponte Monu-
mental.NonaldogovernodeErnestoGeisel(1974-1979),a obrafoirebatizadacomo nomePonte Costa e Silva, em
homenagem ao militar Arthur da Costa e Silva, responsável por editar Ato Institucional nº 5 no período em que presidiu
o país (1967-1969). Em 2015, foi aprovado um projeto de lei na Câmara Legislativa Distrital, posteriormente sancionado
pelo governador do Distrito Federal, que alterou o nome da obra para Ponte Honestino Guimarães, em homenagem ao
estudante da Universidade de Brasília desaparecido na ditadura. Dois meses após, um grupo de moradores de Brasília
decidiu levar a questão ao Poder Judiciário. Desde então, o nome da ponte vem sendo objeto de disputas in loco por meio
de pichações, sobreposições de textos e novas placas. No dia 14/03/2019, o Movimento de Mulheres Olga Benário so-
brepôs uma placa em que nominava o monumento de Ponte Marielle Franco, para marcar a data em que o assassinato da
vereadora carioca completava um ano. A intervenção trazia a seguinte descrição: “Nós, mulheres brasileiras, em nome da
democracia, da história e dos direitos humanos, soberanamente, renomeamos este monumento para Marielle Franco”. A
placa foi retirada poucas horas depois e, atualmente, encontra-se com o nome Ponte Costa e Silva, embora siga com cons-
tantes sobreposições e disputas de movimentos sociais. Ver: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2019/03/14/
placa-da-ponte-costa-e-silva-em-brasilia-e-adesivada-com-nome-de-marielle-franco.ghtml
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