Estado e direito no capitalismo: um debate entre liberalismo e marxismo

AutorEdnéia Alves de Oliveira
CargoUniversidade Federal de Juiz de Fora, Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Faculdade de Serviço Social de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil
Páginas213-222

Page 213

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-02592020v23n2p213

ESPAÇO TEMÁTICO: DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E NEOCONSERVADORISMO

Estado e direito no capitalismo: um debate entre o liberalismo e marxismo

Ednéia Alves de Oliveira1https://orcid.org/0000-0001-6550-7177

1 Universidade Federal de Juiz de Fora, Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Faculdade de Serviço Social de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil

Estado e direito no capitalismo: um debate entre o liberalismo e marxismo

Resumo: Esse artigo é resultado de uma pesquisa teórica sobre categorias como Estado e direito. Objetiva discutir de forma sumária, algumas definições sobre tais categorias no contexto atual, particularizando o debate entre liberalismo e marxismo nas relações sociais de produção capitalista. Nossa compreensão, é que tais categorias aparecem como substratos de caráter formal abstrato e não como elemento da vida concreta, real.

Palavras-chave: Estado. Direito. Capitalismo. Liberalismo. Marxismo.

State and law in capitalism: a debate between liberalism and marxism

Abstract: This article is the result of a theoretical research on categories such as State and Law.It aims to discuss, in summary form, some definitions about such categories in the current context, particularizing the debate between liberalism and Marxism in the social relations of capitalist production.. Our understanding is that these categories appear as substrates of an abstract formal character and not as an element of concrete, real life.

Keywords: State. Rights. Capitalism. Liberalism. Marxism.

Recebido em 03.08.2019. Aprovado em 11.02.2020. Revisado em 19.02.2020.

© O(s) Autor(es). 2020 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar, distribuir e reproduzir em qualquer meio, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material, desde que para fins não comerciais e que você forneça o devido crédito aos autores e a fonte, insira um link para a Licença Creative Commons e indique se mudanças foram feitas.

R. Katál., Florianópolis, v. 23, n. 2, p. 213-222, maio/ago. 2020 ISSN 1982-0259

213

Page 214

214

Ednéia Alves de Oliveira

Introdução

Este artigo é resultado de uma pesquisa teórica sobre categorias como Estado e direito. Objetiva discutir de forma sumária, algumas definições sobre tais categorias no contexto atual, particularizando o debate entre liberalismo e marxismo nas relações sociais de produção capitalista. Inicialmente, salientamos que o Estado moderno surge das cinzas do feudalismo e tem sua consolidação com a publicação da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e as constituições federais promulgadas logo após a revolução francesa. A inspiração para a criação desses documentos encontra sua base nas obras de pensadores liberais contratualistas como Hobbes (1988) e Locke (1998) ou ainda no democrata-burguês Rousseau (1999, [2019?]), sendo seguido por outros autores de tradição liberal que defendem o contrato social como garantia para a liberdade e, como tal, para superar o estado de guerra ou de natureza e entrar na vida civilizatória, única forma de vida possível na modernidade, de acordo com estes autores. Para tal, as leis, implementadas pelo Estado, deverão ser o fundamento de consolidação da liberdade e, consequentemente do direito, na sua forma jurídica, como expressão máxima da coação dos homens e da normatização das regras de convívio social. Ou seja, a liberdade, a igualdade e a propriedade privada são premissas da ordem burguesa, cujo ente regulador será o Estado moderno emergente através de um aparato legal e normativo. Em um campo oposto, Karl Marx (2009, 2010, 2012a, 2012b) em algumas obras dos anos de 1840 adverte-nos sobre a natureza do Estado moderno e a falácia dos direitos propos-tos pela burguesia. Assim também o fazem outros autores da tradição marxista como Lenin (1978) e Pachukanis (1999) considerando o direito e o Estado como elementos de garantia da ordem burguesa.

Quando se delega ao Estado moderno a tarefa de garantir a liberdade, igualdade e propriedade privada, e estabelece o contrato social como relação social fundamental, cria-se mecanismos para permitir a compra e venda da mercadoria, inclusive a força de trabalho. Portanto, este Estado passa a ser o ente regulador da vida social criando instituições para favorecer a defesa da propriedade privada e garantir o direito civil e, em alguns casos, o direito político e social sem que, contudo, tais direitos possam incidir no processo de acumulação de capital. É nesse caminho que o Estado assume sua função normativa assegurando o jogo do mercado e os direitos civis e contratuais, hipostasiando a defesa da democracia e os direitos como algo tangível e em disputa, suscitando compreensões diferenciadas e que se alicerçam em concepções ideológicas que podem, como já ocorreu em diversos momentos da história, desencadear processos revolucionários ou ainda contrarrevolucionários como regimes totalitários e ditatoriais como demonstra o cenário político nacional e internacional marcado por eleições polarizadas entre a defesa da democracia burguesa e defensores de controle mais acentuado sobre os meios de comunicação, sobre as disciplinas escolares, sobre o poder judiciário e, inclusive sobre a perspectiva de criminalização de movimentos sociais dos mais variados tipos.

Estado e direito na concepção liberal

Mais de três séculos separam a obra de Hobbes do Estado hodierno. Contudo, sua atualidade nos exige um passeio pelas concepções desenvolvidas pelo autor e que serviu e servem de inspiração para muitos outros defensores do Estado liberal e neoliberal. É interessante ressaltar que os princípios do liberalismo clássico foram, à sua época, revolucionários. As propostas de liberdade e igualdade, delineados pelos defensores de tal doutrina, se colocavam contra o abuso monárquico e em defesa da vida. Segundo Hobbes (1988), um Estado soberano e defensor da paz era condição fundamental para o desenvolvimento da ordem e do progresso. Lembremos que Hobbes está escrevendo sobre as mudanças ocorridas na Inglaterra no século XVII e que para ele simbolizava uma guerra de todos contra todos, em que a disputa entre os monarquistas e liberais, culminava numa batalha crescente pelo poder. A morte do rei James I, decapitado em praça pública, colocou para ele a necessidade de discutir qual tipo de Estado poderia emergir num contexto de rupturas econômicas, políticas e sociais tão bruscas.

No desenvolver de seu pensamento, Hobbes (1988) deixa um legado bastante importante, sobretudo, no que se refere à natureza dos homens. Para ele, os homens são egoístas e movidos a interesses comuns. Tal justificativa se assenta no fato dos homens viverem em um Estado de guerra que legitima a disputa e a ganância desenfreada dos mesmos. Prossegue ele, afirmando que o homem busca sempre a satisfação imoderada e também utiliza da sabedoria para controlar os homens que governam, fazendo nascer as guerras e a desordem.

Para combater a desordem e mesquinhez dos homens, o autor destaca a necessidade de um Estado forte e soberano, capaz de adotar leis rigorosas que punam tais condutas e os obriguem a sair do estado de guerra para um estado civil. O conjunto de leis criadas pelos homens que governam, devem ser adotadas para evitar que o mal e a guerra prevaleçam sobre a paz e a liberdade. Esse poder soberano, representado pelo Estado, é resultado de um pacto em que a maioria institui a este o direito de representá-los. Seria para ele a

R. Katál., Florianópolis, v. 23, n. 2, p. 213-222, maio/ago. 2020 ISSN 1982-0259

Page 215

Estado e direito no capitalismo: um debate entre o liberalismo e marxismo

multidão unida numa só pessoa: o Estado, senhor de todo o poder. O grande leviatã, deus mortal abaixo apenas do deus imortal (HOBBES, 1988).

Os súditos ao concederem ao Estado o poder de governar, delegam também o poder de criar leis, impostos, taxas e formas da propriedade privada. Para isto os direitos civis são enaltecidos pelo autor como sendo uma das questões fundamentais para estabelecer esta nova ordem. Ainda de acordo com Hobbes (1988), a constituição dos direitos civis será feita a partir dos homens que possuem posse, ou seja, os proprietários, pois somente eles podem definir os direitos de forma justa, uma vez que possuem interesses em comum. A mesma premissa sustenta o poder judiciário, que, segundo ele, deve ser nomeado pelo Estado para impedir a prevalência de interesses particulares e cada poder específico deve controlar o outro, evitando o abuso de poder. Embora os princípios do liberalismo estejam evidentes em Hobbes, há que salientar um dos elementos fundamentais que o liberalismo sempre defendeu: a democracia. Contudo, nos primórdios do Estado moderno a democracia ainda era compreendida como algo restrito, pois não incluía o sufrágio universal. Uma minoria escolheria seu representante, uma vez que a escolha está circunscrita a um grupo de homens proprietários.

Embora o pacto social envolva a maioria, cabe a esta apenas a tarefa de obedecer ao poder soberano representado pelo Estado, que por sua vez, não pode ser questionado de forma alguma. Quando os súditos o fazem são punidos com a lei severa criada sob o pretexto de garantir a paz e prevenir a desordem. Não por acaso, a liberdade para Hobbes é ausência de oposição. A concepção de liberdade é totalmente submissa ao poder da lei (HOBBES, 1988). Nesse sentido percebe-se que o autor equipara vontade e liberdade, pois as ações praticadas voluntariamente pelos indivíduos são resultados de sua vontade e liberdade. Não há coação, segundo ele, nessas ações. Ou seja, a lei não é uma forma de coação moral e legal para determinar as atitudes do homem, mas uma forma de liberdade, pois ninguém precisará usar...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT