O direito como ordenação

AutorLuiz Moreira
Páginas83-130
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o direito como
ordenação
A Ciência do Direito é fruto de um processo
de verticalização conceitual levado a termo pela
operacionalização do Direito como linguagem e
metalinguagem. Como linguagem, desenvolve-se
tendo em vista as regras e procedimentos articulados
por seus operadores, cujo burilar lhe confere
efetividade; como meta-linguagem, adquire uma
sofisticação conceitual proveniente do acúmulo e da
difusão do conhecimento realizada pelos juristas.
Em virtude de sua estrutura institucional
(linguagem) e científica (meta-linguagem), pode-se
dizer que o Direito estabiliza a tensão entre fato e
norma, garantindo assim segurança às relações jurídicas
e evolução aos institutos.
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LUIZ MOREIRA
Da conjugação entre segurança e evolução
emana um dos elementos mais específicos da Ciência
do Direito. Trata-se da configuração do Direito como
sistema. Tal configuração exprime-se mediante a
exigência de ser o Direito a ordenação recíproca da
liberdade. Como tal, o Direito surge como medida
simétrica, equânime30, vinculando a todos do mesmo
modo às suas prescrições.
A possibilidade de ser o Direito articulado
como sistema decorre de um longo processo de afir-
mação do Estado nacional, na medida em que o Es-
tado se converte em única instituição legiferante e
judicante. É como tal que gravita uma estrutura bu-
rocrática em torno de si que transforma o poder de
subjetivo em institucional, possibilitando que as de-
terminações oriundas das instâncias competentes
(legitimidade formal) se desdobrem de modo a ganhar
efetividade em virtude de sua alta taxa de adesão. É
verdade que a adesão decorre, em um primeiro mo-
mento, da imposição proveniente de um poder pessoal.
A possibilidade de utilização da força reduz os com-
portamentos desviantes pela orientação inequívoca de
30 É desta vinculação recíproca à norma, ou da igualdade perante
a lei, que decorrem as características próprias do sistema jurídico:
a ordem e a unidade. A tal respeito Cf. CANARIS, Claus-
Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito na ciência do Direito.
ed. Tradução de Antonio Manuel da Rocha. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 2002.
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O DIREITO COMO ORDENAÇÃO
uma conduta correta. O cerne desse poder ainda é
vertical. No entanto, isto apenas em um primeiro
momento, pois, lenta, mas progressivamente, a capi-
larização do Estado sofrerá uma conversão em seu
projeto inicial. A nuança colonizadora do Estado,
implementada por meio da onipresença da burocracia,
terá como uma de suas características apurar a reper-
cussão das políticas perante os atingidos.
É de se ressaltar que súditos converter-se-ão
em cidadãos. Com tal progressão, haverá o estabe-
lecimento de duas esferas de legitimidade: a legiti-
midade formal, por resultar de autoridade compe-
tente, e a legitimidade material, aferida pela sintonia
entre as medidas adotadas e a manifestação da von-
tade popular.
Um dos projetos políticos mais caros ao Ilu-
minismo consistia na blindagem da sociedade peran-
te o arbítrio estatal. Esta blindagem expressava-se seja
por meio da divisão do exercício do poder (Montes-
quieu), o que conferia ao poder legitimar-se formal-
mente por meio do estabelecimento de competências
e de autocontrole, seja por meio da assunção, por
parte do Estado, dos desígnios provenientes da von-
tade popular (Rousseau). É esta assunção que confe-
rirá às políticas estatais legitimidade material.
O caráter material da legitimidade guarda uma
estrutura ambivalente. Em primeiro lugar, trata-se de

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