Direito Processual do Trabalho

AutorDeusmar José Rodrigues
Páginas153-288

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1. Ação, Jurisdição e Processo

A trilogia epigrafada compõe a base do Direito Processual, entendido este como ramo da ciência jurídica que estuda (descritivo, verdadeiro ou falso) e regulamenta (válido ou inválido) o exercício da função jurisdicional pelo Estado.

1.1. Ação

I) DEFINIÇÃO:
Para Moacyr Amaral Santos (Primeiras Linhas, 27. ed., 2010), ação é um direito subjetivo público, autônomo e abstrato de invocar o exercício da função jurisdicional.

Alexandre Freitas Câmara (Lições, 2005) a define como sendo o poder1 de exercer posições jurídicas ativas no processo, preparando o exercício da função jurisdicional pelo Estado;

II) TEORIAS:
a) imanentista: essa teoria é reflexo de uma época em que não se considerava ainda o Direito Processual como ciência autônoma; era mero apên-dice do Direito Civil. A ação era considerada o próprio direito material depois de violado. Clóvis Beviláqua era seu adepto;
b) do direito concreto de agir: a doutrina civilista começou a ser superada com a famosa polêmica Windscheid versus Müther, ocorrida em meados do século XIX. Surgiu a noção de que o direito material e o direito de ação seriam distintos, este último devendo ser entendido como um direito à prestação jurisdicional. Afirmava que o direito de ação só existiria se existisse também o direito material. Teria sido criada pelo alemão Adolf Wach, mas sofreu

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algumas variações, como a teoria do direito potestativo de agir, formulado por Chiovenda. Várias críticas foram dirigidas às teorias do direito concreto de agir, destacando a insuficiência da explicação de improcedência dos pedidos do autor e a ação declaratória negativa;
c) do direito abstrato de agir: surge, então, essa teoria, pela qual o direito de ação seria, simplesmente, o direito de provocar a atuação do Estado-juiz. Ela, a ação, é o direito de se obter um provimento jurisdicional, qualquer que seja o seu teor. A ação seria um direito da personalidade, sendo certo que todos seriam titulares dele;
c.1) teoria eclética2(CPC, art. 267, VI3; NCPC, art. 467, VI): Cláudio Armando Couce de Menezes afirma que a reação a tal liberdade de acionar a jurisdição veio através da teoria de Liebman. Apesar de acatar a ideia de que na ação se provoca a jurisdição e de que este direito é autônomo em relação ao afirmado em juízo pela parte, o professor italiano condiciona-o à obtenção de uma sentença de mérito, somente possível de ser obtida após preenchidos alguns requisitos, denominados condições da ação. Sua posição fica ente a teoria concreta e a do direito abstrato de agir, captando elementos de ambas e, portanto, fazendo também concessões a essas correntes antagônicas. Daí ser considerada eclética;
c.2) da asserção4: visão mais moderna procura sepultar as discussões sobre o tema, operando com a máxima de que, realmente, a ação é um direito abstrato e autônomo. No entanto, acata a ideia das condições como um ponto de conexão entre o direito processual e o direito material, afastando-se, porém, das dúvidas, perplexidades e paradoxos trazidos pela corrente eclética.

A ação, portanto, importa em um direito de provocar a jurisdição, independentemente da presença das condições da ação, dos pressupostos processuais e do próprio direito material, ou mesmo de ser justa ou injusta a sentença.

Essa análise em abstrato das condições da ação (in statu assertionis) evita confusões entre elas e o direito material, dispensando, inclusive, instrução para verificação da sua presença.

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Discorrendo acerca do direito fundamental de ação (CF/88, art. 5º,
XXXV), Luiz Guilherme Marinoni5afirma que o direito de ação ou direito à tutela jurisdicional efetiva pode ser decomposto em três aspectos básicos: direito de acesso à jurisdição6, direito ao processo justo, e direito à técnica processual adequada. A sentença e a execução adequadas são corolários do direito de ação, o qual é muito mais do que direito a julgamento do pedido; é direito à efetiva tutela jurisdicional, considerando esta como efetiva proteção do direito material.

III) NO PLANO MATERIAL:
a) direito subjetivo material: ponto de partida para o estudo da ação, o direito subjetivo emerge de um fato gerador de um direito (fato jurídico), cuja observância pode ser exigida pelo seu titular7;

b) pretensão: esse direito subjetivo, quando se torna exigível (um crédito vencido), ganha novos contornos, cunhando a doutrina o termo pretensão (material) para este estado de potência. Diz-se, portanto, pretensão o poder de exigir a satisfação da prestação;
c) ação de direito material: ao sujeito do direito exigível, contudo, admite-se efetivar atos para o cumprimento espontâneo de sua pretensão (cartas, notificação extrajudicial). No entanto, tais atos pressupõem uma aceitação do obrigado.

Tem-se, neste estágio, a ação de direito material, direcionada à realização compulsória do direito exigível (pretensão), portanto, independente da vontade ou do proceder do devedor. Mas ela esbarra na proibição de fazer justiça com as próprias mãos, salvo os casos legais. Assim, o Estado chama para si esse poder, condicionando sua provocação à ação processual.

IV) NO PLANO PROCESSUAL:
a) direito à tutela jurídica: no campo processual também há o direito subjetivo, a pretensão e ação. Contudo, ganham contornos próprios, indicativos da especificidade do direito instrumental.

O direito à prestação jurisdicional significa um dever do Estado e, ao mesmo tempo, um direito atribuído a qualquer pessoa de se dirigir ao Judiciário,

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porquanto vedado o exercício arbitrário das próprias razões. Ele é distinto do direito subjetivo material (horas extras etc.).
b) pretensão à tutela jurídica: há, ainda, um estágio intermediário entre o direito subjetivo processual e a ação processual: a pretensão à tutela jurídica. O jurisdicionado adquire, com o direito subjetivo processual, o poder de provocar a atividade jurisdicional. Denota, por conseguinte, a exigibilidade desse direito. A pretensão à tutela jurídica pertence tanto ao autor como ao réu.
c) ação processual: não basta, porém, ser titular do direito subjetivo à jurisdição ou de uma pretensão à tutela jurídica. Necessário se faz o seu exercício efetivo, mediante a propositura de demanda. Chega-se, então, à ação processual.

V) CLASSIFICAÇÃO
Para um setor da doutrina processual, o novo art. 475-N, inciso I, e arts. 461 e 461-A (NCPC, art. 492, I), do CPC, reafirmam a adoção da classificação quinária das ações8, como queria Pontes de Miranda, ao se referir a sentença que reconheça obrigação, não aludindo à sentença condenatória, como aludia a redação do art. 584, I.
a) ação declaratória: tem por fim a obtenção de uma sentença que simplesmente declare a existência ou inexistência de uma relação jurídica. Em princípio, trata da relação jurídica, mas, excepcionalmente, faculta-se seu manejo igualmente para a declaração de autenticidade ou falsidade de documento (art. 4º do CPC; NCPC, art. 18).

Exemplo: se um empregador afirma haver emprestado, adiantado, a seu empregado determinada quantia em dinheiro e o empregado, ao contrário, insiste em que a recebeu como doação ou prêmio, certamente ambos terão interesse em obter uma sentença judicial.9.

b) ação condenatória: há ações condenatórias de pagar (dar), de fazer e de não fazer no processo laboral. Na generalidade, é exigido o pagamento de uma quantia em dinheiro. Porém, pode o empregador ser condenado a

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não fazer, como, por exemplo, deixar de proceder a uma transferência ou desconto salarial, ou, ainda, a fazer algo; exemplo: reintegração de empregado estável ou portador de garantia de emprego.
c) ações constitutivas: as ações constitutivas tanto podem ser positivas como negativas, dependendo se objetivam a constituição ou desconstituição da relação jurídica. Os seus efeitos, segundo a doutrina tradicional, operam erga omnes.

Dentro das constitutivas negativas, há a ação de anulação de ato ou negócio jurídico (ação anulatória de convenção coletiva) e a de resolução do contrato (inquérito para dispensa do empregado estável).

Situação de ação constitutiva (positiva)10destinada a criar um direito encontra-se no caso em que o empregado, não havendo estipulação de salário, pede a fixação do mesmo (art. 460 da CLT).

Outras hipóteses de ações trabalhistas constitutivas:

- gestante pleiteando a alteração da sua função e das tarefas que...

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