O Direito Público pós-moderno e a saudade de Deus
Autor | Ricardo Dip |
Ocupação do Autor | Palestra para o Seminário Internacional de Investigação de Filosofia do Direito e Ética |
Páginas | 319-341 |
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O DIREITO PÚBLICO PÓS-MODERNO
E A SAUDADE DE DEUS1
Ricardo Dip2
O que há com vocês? Vocês não se agarram a nada, nada
existe para vocês! (…) Então quer dizer que é isso aí, que o
diabo não existe?3
1. Palestra para o Seminário Internacional de Investigação de Filosofia do
Direito e Ética que, dirigido por Félix Adolfo LAMAS, se realizou na Univer-
sidade Federal do Rio Grande, em setembro de 2010, tendo por tema “Deus
como Fundamento da Moral e do Direito”. A organização do seminário es-
teve a cargo de Maria de Fátima Prado GAUTERIO, e seu comitê científico
integrou-se por Mauro RONCO (da Itália), Raúl MADRID (do Chile) e um
terceiro, do Brasil.
2. O autor é Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, acadêmico
de honra da Real de Jurisprudencia y Legislación de Madri, membro do Ins-
tituto Jurídico Interdisciplinar da Faculdade de Direito da Universidade do
Porto e do Centro de Estudos Notariais e Registais (CENoR) da Universidade
de Coimbra; integrante dos Comitês Científicos da Revista Internacional de
Filosofía Práctica, de Buenos Aires, e do Instituto de Estudios Filosóficos
“Santo Tomás de Aquino”, também de Buenos Aires; integra ainda o Con-
selho Acadêmico da Seção de Filosofia do Direito de El Derecho: Diário de
Doctrina y Jurisprudencia, sob a rubrica da Universidade Católica Argentina,
e é membro da Sociedade Peruana de História. É diretor da Seção de Estudos
de Direito Natural do Consejo de Estudios Hispánicos “Felipe II”, de Madri.
3. Expressões da personagem Ivan Nikoláievitch, no romance de BULGÁKOV,
Mikhail. O mestre e Margarida, p. 51.
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O DIREITO E A FAMÍLIA
UMA HEGEMONIA
O termo “direito público pós-moderno” com que se inti-
tula esta pequena meditação remete, logo à partida, a algumas
questões controversas.
O primeiro problema que se avista – e que não é nada
cômodo – diz respeito a uma possível acusação de o uso do
termo “direito público pós-moderno”, implicitando um padrão
jurídico globalizado, constituir um abuso da sinédoque.
De fato, a escolha referencial de um núcleo mais ou
menos fixo nas instituições do direito público de nossos tem-
pos ladeia não apenas a diversidade aparente, em pontos
relevantes, das Constituições políticas de muitos Estados
contemporâneos – bastaria pensar, por brevidade de causa,
nos países islâmicos, senão, ainda mais que isso, passa ao
largo de as fórmulas comuns de um demarcado núcleo duro
do direito público pós-moderno terem uma aplicação real
muito variada, conformando-se a peculiaridades dos países
a que correspondam.4
A eleição de um modelo contemporâneo de direito públi-
co aflige-se, pois, de algum (parece que) inevitável etnocentris-
mo. Isso talvez tenha de ser assim, ainda que à força de resig-
nação, porque, ao revés, seria iniludível curvar-se à dispersão
dos ordenamentos jurídicos, o que, em rigor, inviabilizando a
adoção de possível parâmetro constitucional dominante em
nossos tempos, concluiria num dissolvente nominalismo.
A atual reconhecida hegemonia de um paradigma políti-
co liberal – atrativo de notas recolhidas dos escombros do so-
cialismo real e acomodado ao espírito volátil da pós-moderni-
dade5, embora não se constitua no fim da História proclamado
4. Cf. CHEVALLIER, Jacques. L’Etat post-moderne, p. 9.
5. Essa modelação do liberalismo diz respeito à adição indistinta dos opostos,
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