O Direito a Ter Direitos: Os Direitos Sociais Assistenciais a Partir do Ativismo Judicial

AutorAna Maria Correa Isquierdo - José Ricardo Caetano Costa
Páginas49-55

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Ana Maria Correa Isquierdo1

José Ricardo Caetano Costa2

1. Introdução

Podemos afirmar, inicialmente, que a Assistência Social no Brasil esteve intimamente ligada à concepção de beneficência, benesse, esmola, amparo, entre outros tantos adjetivos.

Quiçá por isso podemos compreender porque foram as atividades beneficentes as responsáveis pela distribuição dos auxílios aos mais necessitados, papel este exercido, inicialmente, pelas Primeiras-Damas que assumiram as Presidências das LBAs. Assim como podemos compreender um certo sentimento piegas herdado de uma concepção de Assistência Social atrelada à Igreja Católica, cuja missão era distribuir benesses, conformando uma ideia de misericórdia, compaixão e compadecimento para com os mais pobres.

Não há dúvidas que a Constituição Federal de 1988 quebra esse paradigma, concebendo a Assistência Social como parte integrante da Seguridade Social (art. 194 da CF/88), o que vale dizer, em outras palavras, que está, juntamente com a Previdência e a Saúde, são espécies do gênero Seguridade Social.

Parece-nos que isso não é pouco, rompendo com a lógica acima referida. Trata-se, agora, de conceber e inserir os direitos assistenciais no catálogo dos direitos sociais, enquanto direitos fundamentais.

De outro modo, para efetivar e otimizar os direitos sociais assistenciais, dando eficácia a estes direitos, é necessário que se faça cumprir a Constituição, seja pela via legislativa ou pela iniciativa do executivo, seja pela ação proativa do Judiciário.

A questão do único Benefício de Prestação Continuada (BPC) da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 9.874/93) é emblemática para exemplificar o que aqui pretendemos desenvolver. Vejamos. A CF/88 assegurou, em seu art. 203, V, o benefício de um salário mínimo às pessoas portadoras de deficiências e aos idosos (atualmente com 65 anos ou mais). Registre-se que a CF/88 foi promulgada à 5.10.88 e a Lei da Assistência Social somente veio a lume em 1993 (Lei n. 8.742/93), e seu único benefício pecuniário foi implantado a partir de 1996, com um déficit de oito anos.

Esse longo percurso, entre a vigência da CF/88 e da promulgação da LOAS, demonstra a má vontade e falta de interesse em cumprir o preceito Constitucional, conforme veremos no percurso do presente trabalho.

Interessa-nos refletir, neste passo, os critérios utilizados pela administração do seguro social (INSS), no que respeita aos critérios da deficiência e da renda familiar como autorizativas, respectivamente, para concessão do BPC por incapacidade ou por idade.

Por fim, interessa-nos ainda investigar qual está sendo o papel do Judiciário na apreciação dos casos concretos e nas decisões dele emanadas, mormente quando a eficácia e concretização dos preceitos constitucionais relacionados à Assistência Social, encontram guarida pela posição proativa e criadora deste.

2. Gênese e legado dos direitos sociais assistenciais

Na nossa compreensão a "Poor Law", denominada "Lei dos Pobres", ocorrida no berço da Revolução Industrial, a Inglaterra,

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em 1601, passa a definir um marco do que hoje concebemos como Direitos Assistenciais.

Para fazer essa análise nos centramos basicamente na obra de Karl Polanyi, denominada "A grande transformação", cujo título próprio sugere a dimensão desse período como marco divisor de uma época.

Neste passo, tentaremos analisar os dois momentos que marcaram os direitos sociais assistenciais no mundo ocidental: A Poor Law de 1601 e a Poor Law Reform, de 1834. Ainda nesse contexto, busca-se analisar a Speenhamland (1795 a 1834), sendo esta, segundo Polanyi (2000), as origens de nossa época.

Este primeiro marco dos Direitos Assistenciais, trazido pela Lei dos Pobres ou lei elisabetana, como restou conhecido, somente pode ser compreendido dentro do contexto do capitalismo inicial, representando pela Revolução Industrial (Inglaterra, fins do século XVIII). Isso porque o capitalismo trouxe mudanças brutais no modo de vida das pessoas: a nova ordem capitalista subverteu as relações pessoais e sociais desta época. O capitalismo que ia se configurando passou a gerar inúmeros problemas sociais à nova classe trabalhadora que se configurada: fome, doenças, precarização entre outros.

É nesse contexto que foi editada a Lei dos Pobres de 1601, como uma tentativa de amenizar a questão social que se apresentava. Segundo esta lei, revogada a partir de 1834 pela Nova Lei dos Pobres, a Assistência Social tinha uma configuração de política privada, ligada às paróquias. Consistia, pois, na arrecadação das paróquias de impostos e taxas para subsidiar os pobres e necessitados. Este sistema concedia auxílios pecuniários aos inválidos (crianças, idosos e deficientes) e aos pobres considerados válidos, em troca do subsídio, buscava trabalho a esse contingente cada vez mais crescente, diante dos efeitos deletérios da Revolução Industrial. A mendicância, por sua vez, "era severamente punida e a vagabundagem era uma ofensa capital em caso de reincidência" (POLANYI, 2000, p. 98).

Ainda na Poor Law de 1601, foram organizadas as denominadas "casas de trabalho", as Workhouses, embrionárias dos asilos. A Assistência era localizada por região, o que passou a criar um problema pela mobilidade dos necessitados que buscavam as paróquias com melhores condições económicas. Essa prática ficou proibida a partir do Act of Settlement (Ato de Domicílio), de 1662, que "proibia às paróquias de se livrarem dos seus pobres, obrigando esses mesmos pobres a não se mudarem de domicílio" (ROSANVALLON, 1984, p. 112). Por outro lado, essa lei entrava em choque e em contradição com a necessidade trazida pelo capitalismo nesse período, qual seja, a de uma mão de obra abundante, móvel e flexível, cuja exigência de um mercado supostamente livre e autorregulável preconizava.

Parece-nos que Marschall resume bem esse momento emblemático dos Direitos Sociais Assistenciais quando afirma que a Lei dos Pobres elisabetana pode ser compreendida como "um item num amplo programa de planejamento económico, cujo objetivo geral não era criar uma mudança essencial", segundo aponta, ela foi um "meio de aliviar a pobreza e suprimir a vadiagem" (MARSHALL, 1967, p. 71).

Na "Poor Law" de 1834, segundo Marshall, os direitos sociais passaram de existir e seus antigos usuários passaram a ser tratados como indigentes (MARSHALL, 1967, p. 72). Percebe-se, segundo as análises de Marshall, autor este que estudou, assim como Polanyi, profundamente esse período histórico, que esta concepção trazida por esta segunda Lei dos Pobres passou a delinear o que modernamente concebeu-se como Assistência Social.

Com efeito, segundo esta Lei, as reivindicações poderiam ser atendidas somente se os seus usuários deixassem de ser cidadãos, o que equivale dizer que "tinha direito à Assistência quem renunciasse absolutamente a quaisquer direitos".

(SCHONS, 1999, p. 73).

Esta mudança trazida pela nova "Poor Law", de 1834, somente pode ser entendida se compreendido o processo de movimento dialético do capitalismo emergente com a Revolução Industrial que se desencadeava. Não havia como conciliar os interesses do livre mercado com um sistema intervencionista, como o existente na primeira Lei dos Pobres. É necessário, neste novo momento histórico, o livre movimento dos trabalhadores em potencial, com a criação de uma nova classe trabalhadora. É justamente por isso que Polanyi afirma que a Speenhamland (1795 a 1834, quando a nova "Poor Law" revogou a primeira Lei), designa o fim de uma época e o começo de outra.

Selma Maria Schons faz uma análise digna de nota e destaque, em relação a essas duas Leis dos Pobres. Vejamos:

"Enfim, esse período mostra-nos ainda como um mecanismo de Assistência esteve presente no retardamento do mento do processo como um todo, processo esse que, logicamente, a partir da economia de mercado, estava por se afirmar. Por outro lado, mostra-nos também como a lei da Assistência aos pobres de 1601 — basicamente uma Assistência de vizinhos e paroquial (Work houses) e a mendicância é passível, de punição é retomada na Nova Lei dos Pobres de 1834, embora já sob o...

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