Globalização e transformações no Direito do trabalho no Brasil

AutorCarlos Maurício Lociks de Araújo
CargoBacharel em Direito pela UnB
Introdução

Quando se fala, genericamente, em globalização, surgem inúmeros temas desafiadores, muitos envolvendo o foco de interesse do Direito. Presentemente, não se pode ignorar a intensa pressão por mudanças no Direito do Trabalho, máxime por se tratar de área intimamente ligada ao próprio curso da economia, profundamente afetada pelos efeitos e exigências desse fenômeno planetário.

Esse é o tema sobre o qual nos debruçamos, olhando especificamente para o Direito do Trabalho no Brasil, a partir de meados dos anos 90 até este início de século.

Antes, porém, de avançar na discussão sobre os efeitos, em si, da globalização sobre o Direito do Trabalho em nosso país, tentamos delinear conceitualmente esse fenômeno, bem como registrar alguns de seus efeitos na economia e nas relações de emprego.

Nesse mister, abordamos dois aspectos importantes da matéria, afetos ao Direito do Trabalho: a recente produção legislativa no Brasil, tendente a minimizá-lo, desregulamentando e flexibilizando as relações de emprego; e as correntes de pensamento acerca das mudanças nesse ramo do Direito. Em outras palavras, enfocamos o papel dos três poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário). No primeiro caso, as análises centram-se no açodamento com que os poderes Executivo e Legislativo vinham conduzindo as mudanças do Direito Laboral, bem como seus reais reflexos na sociedade e sua aderência aos anseios dos trabalhadores. Em relação ao Judiciário, enfrenta-se o debate existente sobre o Direito do Trabalho Mínimo e seus reflexos na sociedade, bem como acerca da necessidade de adequação da Justiça do Trabalho ao tempo de hoje.

Em suma, pretendemos, numa visão panorâmica, mostrar diferentes aspectos que envolvem as recentes mudanças no Direito Laboral, vis-à-vis às pressões trazidas pela globalização econômica, para, alfim, fixar nossa posição sobre a matéria.

I- Conceito e efeitos da Globalização

O processo de globalização produtiva e financeira no qual se insere o Brasil caracteriza-se pela grande expansão dos fluxos financeiros internacionais, pelo acirramento da concorrência, tanto nos mercados internacionais de capitais quanto de bens de produção e consumo, pela maior integração entre os sistemas financeiros nacionais, pela crescente internacionalização da produção e pela maior integração das economias nacionais (GONÇALVES et al, 1998).

Nesse contexto, o modelo econômico hoje adotado em nosso país encerra duas causas de profundas alterações no nível e no perfil do emprego: o ambiente macroeconômico e as modificações na estrutura de produção. Basicamente, essas modificações consistem no aumento do desemprego, no crescimento do emprego informal, na redução de benefícios sociais ao trabalhador, na redução salarial e no surgimento de novas formas de relações de emprego.

No que se refere à queda dos níveis de emprego, diversos estudos têm sinalizado que a sua principal causa tem raízes macroeconômicas. Abertura comercial indiscriminada, desregulamentação dos mercados, juros elevados, políticas contracionistas e de defesa do patrimônio financeiro e, por fim, recessão econômica, constituem fatores que pressionam negativamente a oferta de emprego em nosso país (MATTOSO e BALTAR, 1997; JATOBÁ, 1993, HADDAD, 2000). Nesse sentido também se manifestou o Diretor-Geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), dizendo ser "exagerada a crença popular de que a mudança tecnológica e o comércio internacional estão entre as principais causas da escassez de emprego", tampouco o seriam a proteção social e o nível real dos salários (OIT, 1996).

Os fatores peculiares às modificações na estrutura produtiva ligam-se intimamente ao nosso modelo econômico globalizado. Explica-se: como resultado lógico da abertura de mercados, acirram-se as competições, gerando a busca de crescentes produtividades a custos progressivamente menores, com vistas a produzir bens com preços e qualidade competitivos. Sob tais condições, o mercado passa a exigir trabalhadores mais bem qualificados (para obter maiores produtividades com tecnologias mais avançadas) e que, principalmente, representem custos menores às empresas (PAOLI, 2002; PELIANO, 2002).

Tais modificações tecnológicas, associadas à larga utilização de insumos importados na produção de bens de consumo, em detrimento da produção local, ensejam o chamado desemprego estrutural, em que as vagas de trabalho são definitivamente eliminadas do mercado, em virtude de avanço tecnológico e das modificações na estrutura produtiva (MATTOSO, 1999). Por conseguinte, o desempregado, sob essas circunstâncias, tende a permanecer nessa condição por um tempo mais ou menos permanente.

Veja-se que o surgimento do desemprego estrutural, em substituição ao desemprego dito clássico (decorrente de circunstâncias estritamente econômicas e de mercado), tende a incrementar, no Brasil, a extensa massa de excluídos, haja vista o baixo nível de escolaridade e de qualificação profissional do nosso trabalhador médio, que não consegue se encaixar no novo perfil do mercado de trabalho, cada vez mais exigente em termos de capacitação profissional. Esse contingente de desempregados, partindo para a informalidade, vai se distanciando da proteção oferecida pelo Direito Laboral, que ampara essencialmente os trabalhadores formais (com registro em carteira profissional).

Outra conseqüência das pressões de mercado pelo aumento da relação produtividade/custo são as novas formas de emprego de mão-de-obra, a exemplo da terceirização, que inclui a contratação de trabalho familiar em pequenas empresas, fragmentando-se o processo produtivo; da informalidade (veja-se o caso dos "catadores" de latas de alumínio e de papel, que de modo absolutamente informal suprem a indústria de reciclagem); e do emprego temporário (precarizando os direitos do trabalhador). Tal movimento incrementa a heterogeneidade das relações de trabalho no Brasil, tida como relevante aspecto a ser considerado na formulação de políticas e de leis relativas ao emprego em nosso país (PAOLI, 2002; MATTOSO e BALTAR, 1997).

No campo específico da proteção social, assim entendida a rede de ações de cunho social patrocinadas pelo Estado ou pelas empresas (basicamente saúde, assistência social e educação), nota-se, no Brasil, um forte processo "americanização".

Essa tendência transfere para a iniciativa privada os custos e a execução dos programas de proteção ao trabalhador, conforme bem assinala VIANNA (1995).

Surgem, assim, duas classes distintas: a daqueles inseridos no mercado formal de trabalho, que podem receber esses benefícios, e a dos trabalhadores informais e dos "excluídos", que dependem da precariedade dos serviços prestados pelo setor público (op. cit). Os excluídos e as camadas menos aquinhoadas da população apenas alcançam o ensino de pior qualidade e serviços precários de saúde. Perdem ou vêem reduzida, portanto, sua chance de melhor qualificar sua capacidade produtiva, distanciando-se mais ainda do exigente mercado de trabalho globalizado. Em igual direção segue o emprego informal, no qual o trabalhador, em regra, não tem acesso a planos de saúde privados nem a programas ou auxílio de capacitação profissional. Esse é o resultado da política de "americanização" da proteção social, que traz, como funesta conseqüência, o aumento do distância social entre os dois grupos (trabalhadores formais e informais).

II- Os números do emprego no Brasil

No Brasil, esse quadro, que engloba as duas causas citadas, tem ensejado crescentes níveis de desemprego e reduções salariais diretas e indiretas, neste último caso, por meio de cortes de benefícios sociais (VIANNA, 1995; AZEREDO e RAMOS, 1995; MATTOSO e BALTAR, 1997; PELIANO, 2002).

Além disso, duas peculiaridades da sociedade brasileira agravam profundamente essa crise: o baixo nível médio de qualificação profissional e o elevado grau de exclusão social. Tal situação representa um passivo social credor de urgente compensação, derivado de insuficientes investimentos em educação.

A seguir, são mostrados algumas informações, a título ilustrativo, para demonstrar a variação dos números do emprego no Brasil, nos últimos anos. Note-se que, em vista das mudanças na forma de apresentação de dados, pelo IBGE, em sua "Pesquisas Mensais de Emprego" - nossa fonte principal -, não se pôde utilizar um único mês de referência nas comparações. Todavia, compreende-se que as informações obtidas são suficientes para mostrar a tendência crescente de precarização da oferta de emprego e do rendimento médio do trabalhador no País, nos últimos anos.

Segundo dados do Seade/Dieese1, em julho de 1994 (início do "Plano Real"), a taxa de desemprego na grande São Paulo era de 14,5%; em maio de 1997, 16%. Projetando-se esses dados para o nível nacional, têm-se 11,5 milhões de desempregados (PAIVA, 2002). Mesmo sob a metodologia do IBGE (desemprego aberto), essa taxa...

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