O Direito como um ramo da Moral: desvio ou ápice da teoria de Ronald Dworkin?

AutorZiel Ferreira Lopes
CargoUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo - RS, Brasil
Páginas460-480
O direito como um ramo da moral: desvio
ou ápice da teoria de Ronald Dworkin?
Law as a branch of morality: detour or peak of Ronald
Dworkin’s theory?
Ziel Ferreira Lopes*
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo – RS, Brasil
1. Introdução
A obra de Ronald Dworkin despontou no debate com os positivistas so-
bre as relações entre Direito e Moral. Desenvolveu-se para fazer frente às
suas defesas e contra-ataques. Inicialmente, o jusfilósofo americano levan-
tou focos de contestação à tese que separava os dois sistemas, então bem
estabelecida teoricamente por Herbert Hart. Contudo, Dworkin termina
com uma pretensão bem maior: mudar a própria configuração do debate,
passando a visualizar o Direito como Moral. Nesse novo marco, deveriam
passar a se mover até mesmo os positivistas, condenados a uma forma bem
diferente de defesa de sua teoria.
Vendo agora, a visão unissistemática, apresentada em A Raposa e o
Porco-espinho1, pode parecer uma decorrência natural de tudo aquilo que
Dworkin tinha defendido ao longo dos anos. Mas, como confessa Jeremy
* Doutor (bolsista CNPq) e Mestre (bolsista Capes/PROEX) em Direito Público pela Universida-
de do Vale do Rio dos Sinos, na linha de pesquisa em Hermenêutica, Constituição e Concreti-
zação de Direitos. Graduado em Direito pela Universidade do Estado da Bahia. É integrante do
grupo de pesquisa Hermenêutica Jurídica, vinculado ao CNPq, do DASEIN - Núcleo de Estudos
Hermenêuticos, e do Historiar! Núcleo de Estudos Hermenêutico-Constitucionais. Membro da
Associação Brasileira de Direito Processual. E-mail:zf.lopes@hotmail.com
1 DWORKIN, 2014a, pp. 612-635.
Direito, Estado e Sociedade n.58 p. 460 a 480 jan/jun 2021
461
Direito, Estado e Sociedade n. 58 jan/jun 2021
Waldron2, a tese pegou muitos de surpresa. Ademais, caso procedente, ela
faria boa parte de um debate de décadas simplesmente perder seu objeto.
Por isso, é intrigante que essa tese ainda não tenha gerado maior reper-
cussão na literatura jurídica, sobretudo no Brasil3, onde Dworkin se tor-
nou referência fundamental nas questões mais polêmicas sobre a atuação
judicial, atraindo tantos defensores quanto críticos. Ocorre que a tese do
Direito como ramo da Moral é o momento decisivo em um debate de mais
de 50 anos, o ataque mais radical de todos ao positivismo. Aqui Dworkin
se expõe como nunca, abrindo oportunidades a seus críticos, e podendo
levar até mesmo dworkinianos a hesitar em acompanhá-lo.
É preciso deixar claro quais os riscos e as vantagens que estão em jogo.
Boa parte do que foi construído sobre a autonomia do Direito, sobretudo
na separação entre o Direito e a moralidade pessoal do juiz perante o deba-
te público, poderia submergir agora numa intrincada confusão acadêmica.
Some-se a isso a aposta – crescente ao longo de sua obra4 – numa com-
plexa objetividade moral e na capacidade dos juízes acessarem-na, para
despertar em muitos juristas o medo de teorias paternalistas e que absolu-
tizam uma moral ligada a uma determinada posição de poder.
Teria Dworkin exagerado no seu combate ao positivismo, traído seus
pressupostos interpretativistas e se desviado para um novo tipo de jusnatu-
ralismo? Na pior das hipóteses, alguém poderia ver nessa tese até mesmo a
ruína do interpretativismo. Se todas as premissas que Dworkin estabeleceu
ao longo dos anos levarem mesmo a essa conclusão, e se ela se mostrar
uma má compreensão da relação entre Direito e Moral, a teoria de Dworkin
ficaria comprometida, mesmo em suas versões anteriores. Assim, o inter-
pretativismo morreria ao ir longe demais na sua tentativa de provar que o
Direito não pode ser questão de pura convenção.
Por outro lado, a inovação radical nos termos da discussão pode des-
bloquear uma agenda que já tomou muito tempo e energia da comunidade
2 2013.
3 Registre-se a existência de excelentes trabalhos discutindo a tese. Contudo, o que se procura
destacar aqui é que ainda não se formou uma agenda de discussão nesse sentido, mobilizando-
-se uma comunidade de juristas a trocar razões continuadamente em torno dela. As primeiras
fases da teoria dworkiniana, sobretudo a questão dos princípios, ainda são as mais discutidas.
Mesmo na literatura de língua inglesa, a tese do Direito como um ramo da Moral tem chamado
mais atenção na filosofia moral, deixando-se de lado suas interessantes repercussões por quem
pensa a operacionalidade do Direito.
4 DWORKIN, 1996.
O direito como um ramo da moral: desvio ou ápice
da teoria de Ronald Dworkin?

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT