Direitos autorais

AutorJosé Roberto Fernandes Castilho
Páginas287-321
287
V
diReitos autoRais
1. Estrutura dos direitos de autor
A Constituição Federal de 1988 determina no art. 5º XXVII: “aos
autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução
de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei xar. Esta é a
base constitucional dos direitos autorais no Brasil e aquele prazo se encon-
tra na lei geral (Lei nº 9.610/98, art. 41).
Fora das invenções de aplicação industrial, os direitos de proteção da
obra intelectual inserem-se no campo dos Direitos Autorais, que constitui
ramo do Direito Civil, como ensina a doutrina tradicional112, ou “ramo es-
pecial” do Direito, por suas particularidades, como pretendem outros, com
entendimento divergente. Há, de fato, peculiaridades que os singularizam.
Os direitos autorais são direitos híbridos porque têm duas faces distintas:
(a) os direitos morais de autor que criam vínculos inalienáveis e irrenun-
ciáveis entre autor e obra, com várias dimensões (art. 24 da lei autoral de
1998); e (b) os direitos patrimoniais de autor, ou seja, de explorar econo-
micamente a obra, como pretender o seu titular (art. 28 da mesma lei). Se
os primeiros são direitos personalíssimos, extrapatrimoniais, apenas estes
últimos estão no mercado e são transmissíveis, onerosamente ou não, por
prazo certo ou indeterminado.
112 Segundo José Afonso da Silva, os direitos autorais “são de natureza privada. Logo, são
direitos patrimoniais de natureza privada” (Ordenação constitucional da cultura, p. 176).
Tal armação, ao que parece, desconsidera os direitos morais de autor, que não têm direta
vinculação patrimonial.
288
LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL DA ARQUITETURA
O titular dos direitos autorais, portanto, pode ser o próprio criador ou
não: em se tratando de obra pública, por exemplo, a lei exige expressamente
a cessão dos direitos patrimoniais ao Estado como condição de recebimento
do projeto (art. 111 da Lei nº 8666/93, que é a lei de licitações e contratos). O
projeto arquitetônico de uma escola pública – como o dos Centros Integra-
dos de Educação Pública – CIEPs (de Niemeyer, replicado em mais de 500
unidades), por exemplo –, pode assim ser reproduzido tantas vezes quantas o
Poder Público pretenda – já que ele se torna titular do projeto. Mas entenda-
-se: titular dos direitos patrimoniais referentes ao projeto.
Por envolver aspectos técnicos, estruturais e artísticos, as normas
referentes a tais direitos de proteção da criação intelectual situam-se seja
na nossa lei autoral geral (Lei nº 9.610/98, que consagra, por exemplo, o
direito de repúdio), seja na lei que disciplina a prossão de arquiteto (Lei
nº 12.378/10, que cuida do direito de acompanhamento da obra e de modi-
cação do projeto). Não há um corpo sistematizado de normas porque se
trata de tema transversal. Tanto é certo que a fonte normativa é dupla que
os direitos se interpenetram na exata dimensão de sua dinâmica.
Para ser protegida, a criação arquitetônica não precisa de registro
formal algum mas deve ter o requisito essencial da originalidade. Portanto,
a criação original no campo da Arquitetura e Urbanismo é que gera, de
imediato, surgidos dela própria, direitos autorais para o seu criador, in-
dependente de registro em qualquer órgão porquanto a criação cultural é
considerada emanação da personalidade do artista. É o princípio da prote-
ção automática, que deriva das “criações do espírito, expressas por qualquer
meio ou xadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou
que se invente no futuro” (art. 7º).
O registro da obra projetual original – ao contrário do que ocorre
com a patente de invenção (e, em geral, a propriedade industrial)113- é fa-
cultativo, apenas facilitando a comprovação da autoria. Se pretender regis-
trar a criação para melhor salvaguarda dos seus direitos, o arquiteto poderá
fazê-lo. Essa possibilidade encontra base no art. 13 da Lei nº 12.378/10,
113 Há possibilidade de migração de um sistema protetivo para o outro. O caso mais notório
é o do programa de computador que, nos EUA, evoluiu da patente para os direitos autorais.
No Brasil, o “soware” também é protegido pelos direitos autorais.
289
Direitos autorais
que usa, equivocadamente, o verbo “deverá”. O registro foi disciplinado na
Resolução CAU/BR nº 67/13, abaixo reproduzida, que, em larga medida,
reproduz desnecessariamente a lei geral, norma cogente. De outra parte,
os direitos autorais são direitos relativos ao trabalho original de prossio-
nal da Arquitetura porque é exatamente a “intenção plástica” que, no dizer
de Lucio Costa, distingue aquela arte da simples construção, expressão da
pura técnica com intuito meramente funcional114. Esta última é a que se vê
nos conhecidos “caixotes” ou “paralelepípedos” de concreto e vidro, opções
formais simplistas de criatividade quase nula – agora chamados, num eufe-
mismo, de “arquitetura conformista115.
Base da Arquitetura entendida como Arte (e Arte integrada com o
contexto), o pressuposto da originalidade é bastante polêmico e precisa ser
bem compreendido. Obra original é obra inconfundível com outra, nada
obstante siga os princípios de certo estilo (não importa qual seja ele), reper-
tório formal de determinada época. Envolve criação, imaginação criadora,
um salto para além dos dados imediatos da realidade, quais sejam, o lote, a
zona em que situa, o programa, etc. – e não guarda relação com o mérito da
criação, se positivo ou negativo (o que é tema da crítica). Mas originalida-
de, como um quid novi, não quer dizer total e absoluta novidade que cause
admiração e espanto, o que exigiria que cada arquiteto tivesse a mesma ge-
nialidade de um Oscar Niemeyer ou Paulo Mendes da Rocha, por exemplo.
Como registrou o TJSP em acórdão antigo, “originalidade absoluta,
sem modelos ou inspirações, é atributo exclusivo do Primeiro Artista, do
qual os homens, mesmo os privilegiados de talento, não reetem senão em
tosca imagem, a semelhança” (Ap. Cível 133.196). Tal não ocorre. Mesmo
a obra escassamente original, que não aspire à “condição de música” (vin-
cando-se o “profundo parentesco” entre as duas Artes), tem proteção legal.
Porém grife-se que não é a pura funcionalidade que determina a originali-
dade mas a estética seja de um pequeno detalhe do projeto como o vidro e
espelho ameboide (“l’oirelle qui voit”) do Hotel Fasano do Rio, de Philippe
114 Arquitetura, p. 20.
115 Em 25.3.12, o jornal OESP publicava matéria sob o seguinte título “SP vive boom dos
prédios idênticos, conformistas – Cidade tem onda de lançamento sem criatividade, que
vendem status para morador em detrimento das necessidades urbanísticas” (p. C8). A ma-
téria fala que a “arquitetura conformista” é a ditadura de prédios idênticos.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT