Direitos culturais e desenvolvimento na calha norte do rio amazonas

AutorLuciana Gonçalves de Carvalho
CargoDoutora em Antropologia. Pós-doutorado no PPGSA/UnB
Páginas270-290
DIREITOS CULTURAIS E DESENVOLVIMENTO NA CALHA NORTE DO RIO AMAZONAS
Luciana Gonçalves de Carvalho
1
Resumo
Motivado pelo anúncio do Programa Barão do Rio Branco (PBRB), que prevê obras de infraestrutura na Calha Norte do rio
Amazonas, este artigo examina como a cultura tem sido abordada, ou ignorada, no s planos de desenvolvimento econômico
implementados pelo Estado brasileiro desde os anos 1960. Por meio da revisão bibliográfica e do cumental da trajetória de
planificação do desenvolvimento na Amazônia, bem como trajetória de afirmação dos direitos culturais, constata que a
marcante ambiguidade com que a cultura tem sido tratada em su cessivos programas e projetos, ora como trunfo, ora como
entrave ao desenvolvimento, ameaça seguidamente a diversidade cultural br asileira. Apesar de recorrente, porém, a
negligência aos direitos cultur ais no PBRB assume novos contornos, à medida que, associando-os ao atraso, sugere
explicitamente a sua revogação.
Palavras-chave: Direitos culturais. Desenvolvimento. Amazônia.
CULTURAL RIGHTS AND DEVELOPMENT IN THE NORTH CHANNEL OF THE AMAZON RIVER
Abstract
Motivated by the announcement of the Barão do Rio Branco Pr ogram (PBRB), which foresees infrastructure works in the
North Channel of the Amazon River, this article examines how cultur e has been addressed, or ignored, in the economic
development plans implemented by the Brazilian State since the 1960’s. A bibliographical and documental review of the
trajectory of the development planning in the Amazon, as well as the trajectory of the cultural rights, reveals that the marked
ambiguity in the trea tment of culture in successive programs and projects, or as a benefit or as an obstacle to development,
continually threatens Brazilian cultural diversity. Despite being rec urrent, however, the neglect of cultural rights in the PBRB
innovates associating them with the delay, and explicitly suggests their revocation.
Keywords: Cultural rigths. Development. The Amazon.
Artigo recebido em: 13/08/2021 Aprovado em: 25/05/2022
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v26n1p270-290
1
Doutora em Antropologia. Pós -doutorado no PPGSA/UnB. Professora do bacharelado em Antropologia da Ufopa e dos
PPGCS/Ufopa, PPGSND/Ufopa e PPGSA/UFPA. E-mail: luciana.gdcarvalho@gmail.com
Luciana Gonçalves De Carvalho
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1 INTRODUÇÃO
Em 2019, um programa incluído na agenda estratégica do governo federal chamou
atenção de povos indígenas e comunidades tradicionais1 da Calha Norte do rio Amazonas: o Programa
Barão do Rio Branco (PBRB), que foi anunciado por uma comitiva ministerial na área indígena Tiriyós,
localizada entre o Pará e o Amapá. Mantido confidencialmente na Secretaria Especial de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR) até ser amplamente divulgado por organizações
de jornalismo investigativo, o programa previu a criação de um polo de desenvolvimento regional na
Calha Norte e três grandes obras: uma ponte sobre o rio Amazonas, no município de Óbidos; uma
usina hidrelétrica (UHE) no rio Trombetas, em Oriximiná; e a expansão da Rodovia BR-163 até o
Suriname (BRASIL, 2019).
O plano de desenvolver e integrar a Calha Norte ao restante do território brasileiro é tão
antigo quanto as teses que atrelam o desenvolvimento da região à soberania nacional. Ultimamente,
porém, a urgência do PBRB tem sido sustentada pelo governo federal como meio de “se contrapor às
pressões internacionais pela implantação do projeto denominado Triplo A” (BRASIL, 2019), que propõe
ligar em um corredor ecológico os Andes, a Amazônia e o Atlântico2. Logo, o programa assume um
papel estratégico na política externa brasileira, em especial, no que se refere às relações bilaterais com
os vizinhos amazônicos (PIVATTO-JUNIOR; CAVEDON-NUNES, 2020; CARNEIRO; SOARES;
LICHTENTHALER, 2020).
No plano interno, a defesa do PBRB atualiza um longevo discurso em favor de
megaprojetos econômicos e da integração das populações do Norte à sociedade nacional. Para tanto,
o governo considera entraves a serem superados “os paradigmas do indigenismo, [do] quilombolismo e
[do] ambientalismo”, aos quais contrapõe os “novos paradigmas do liberalismo (participação da
iniciativa privada) [e] conservadorismo (os novos paradigmas realistas): indígenas, quilombolas, meio
ambiente” no âmbito de uma “nova postura política, econômica e ética da Nação” (BRASIL, 2019.
Grifos meus).
Associados ao atraso, os supostos paradigmas a serem superados remetem a processos
de afirmação de direitos ambientais assegurados a toda a população (ambientalismo) e de direitos
culturais reconhecidos a grupos específicos que, ressalte-se, são responsáveis pela ímpar diversidade
étnica e cultural encontrada na Calha Norte. Jogando com palavras formadas com e sem o sufixo
“ismo” — que denota doenças, vícios, regimes de poder, doutrinas religiosas, tendências artísticas ou
literárias , o discurso do governo altera expressões carregadas de valores simbólicos e sentidos

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