Direitos da Criança - Diálogo Normativo do Sistema Internacional e a Ordem Jurídica Brasileira
Autor | Carla Noura Teixeira; Elaine Cristina Pardi |
Páginas | 13-23 |
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Há um menino, há um moleque morando sempre no meu coração toda vez que o adulto fraqueja ele vem pra me dar a mão
Há um menino, há um moleque morando sempre no meu coração Toda vez que o adulto balança ele vem pra me dar a mão
Há um passado, no meu presente, um Sol bem quente lá no meu quintal Toda vez que a bruxa me assusta o menino me dá a mão
Ele fala de coisas bonitas que eu acredito que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito, caráter, bondade, alegria e amor Pois não posso, não devo, não quero viver como toda essa gente insiste em viver
E não posso aceitar sossegado qualquer sacanagem ser coisa normal
Letra de Música “Bola de Meia Bola de Gude” de composição de Milton Nascimento e Fernando Brant
Os tratados são uma das fontes do direito internacional, possuindo caracteres regidos pela ordem jurídica internacional. No entanto, quem disciplina esta matéria relativa aos Estados nacionais - enquanto sujeitos de direito internacional, dotados de personalidade jurídica internacional e, portanto, com legitimidade para contrair obrigações e exigir
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adimplemento de direitos - no âmbito interno é o direito constitucional.
A Constituição Federal de 1988 foi tímida ao abordar as questões pertinentes à incorporação e o status hierárquico dado às normas internacionais pelo Estado brasileiro.
Originariamente os tratados internacionais eram pautados, quanto a sua elaboração e seus efeitos, no costume internacional e em princípios gerais do livre consentimento, da boa-fé e da regra do pacta sunt servanda. A partir das transformações na sociedade internacional com a consolidação das organizações internacionais como sujeitos de Direito Internacional, buscou-se a codificação do direito dos tratados, o que resultou na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, aplicável aos tratados entre Estados (art. 1º da Convenção - Âmbito da presente Convenção) e, posteriormente, na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais de 1986 (art. 1º Âmbito da presente Convenção. A presente Convenção aplica-se: a) a tratados entre um ou mais Estados e uma ou mais organizações internacionais, e b) a tratados entre organizações internacionais).
De modo a facilitar o entendimento da formação do texto compromissivo do tratado, bem como o conhecimento das expressões técnicas que o circundam, adotaremos como parâmetro a Convenção de Viena de 1969. Para esta, tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica (art. 2º Expressões empregadas 1.a).
Resumidamente o conceito de tratado envolve, no dizer de Jorge Miranda1: a) um acordo de vontades; b) a necessidade de as partes serem todos sujeitos de Direito Internacional e de agirem nessa qualidade; c) a regulamentação pelo Direito Inter-nacional; d) a produção de efeitos com relevância nas relações internacionais - sejam estritos efeitos nessas relações, sejam efeitos nas ordens internas das partes.
Quanto à terminologia, a denominação dos tratados é irrelevante para que possam alcançar suas finalidades, sendo assim assumem as seguintes denominações: tratados, acordos, convenções, ajustes, pactos, ligas, estatuto, protocolo, ou outras formas. A própria Constituição Federal brasileira de 1988 utiliza invariavelmente e sem distinções as expressões tratados, tratados internacionais, acordos firmados pela União, atos internacionais (Vide CF, arts. 5º, § 2º; 102, III, b; 105, III, a; 178, caput; 84, VIII; e, 49, I).
Desta feita, é de recordar o século XX e o impacto na ordem jurídica internacional das duas Grandes Guerras na evolução do Direito Internacional e consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, por meio da edição de tratados internacionais de direitos humanos consistindo em verdadeiro tecido normativo humanista universal.
A segunda metade do século XX2 assistiu aceleradas às mudanças de paradigmas: o fim da Guerra Fria; a queda do Muro de Berlim; a dissolução da União Soviética; o surgimento de novos Estados; o estreitamento das relações comunitárias balizadas pela experiência da União Europeia; as propostas de agendas comuns com finalidades de proteção ambiental e regramento da exploração biológica; as novas faces da guerra - a exemplo da Guerra do Golfo, uma guerra tecnológica; o desenvolvimento de sistemas protetivos de direitos humanos, com ênfase no sistema interamericano composto da Comissão e da Corte interamericana de direitos humanos; enfim, a formação de laços comuns no mundo denominado “globalizado”, no qual há ime-
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diatidade de comunicações, de intensa circulação de pessoas e capitais - uma grande rede interativa.
Contudo, o porvir - o desenrolar do século XXI - apresentou, já em seu início, novos embates para o Direito Internacional, pois o que autores como Norberto Bobbio3, Hildebrando Accioly e
G. E. do Nascimento e Silva4, Flávia Piovesan5 e Cançado Trindade6 apontavam como maior desafio, qual seja, não mais a conformação e ampliação do Direito Internacional - visto o saldo do século XX -, mas sua eficaz implementação, a seleção de mecanismos efetivos de aplicabilidade, pensamento solapado por fatos novos. O desafio da efetividade do Direito Internacional ainda estava sendo delineado quando os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 mudaram de forma inarredável o vértice dos conflitos e dos anseios de segurança. Hoje o mundo está dividido, porém não de forma bipolar - entre capitalismo e socialismo - e, sim, dividido pelo conflito de civilizações.
Parafraseando a assertiva de Louis Henkin sobre o Direito Internacional: na contemporaneidade o Direito Internacional pode ser classificado como o Direito anterior a 11 de setembro de 2001 e posterior à Segunda Guerra Mundial, e o Direito posterior aos atentados terroristas. Neste ínterim, opções distintas desfilam frente aos Estados nacionais7: a consolidação do diálogo como veículo de aproximação e de busca de consenso, balizadas pelas conquistas pós-1945 na arena internacional com o desenvolvimento e a multiplicação do direito internacional dos direitos humanos, ou a volta ao Estado Polícia.
O Brasil, porém, firmou-se na arena internacional como ator de relevo na assunção de subsequentes compromissos internacionais. A década de 1990
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demonstrou-se profícua na incorporação de tratados internacionais sobre direitos humanos, quando o Estado brasileiro projetou na edição da Constituição Federal de 1988 o dever democrático, mais que um direito, o dever de agir no sentido democrático em prol do seu elemento soberano, o povo. No devir destes textos internacionais tem-se a construção de um sistema protetivo diferenciado às crianças. É nesse cenário que temos a incorporação da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.
Com a observância da sistemática de incorporação dos tratados internacionais dispostos no texto constitucional de 1988, a 21 de dezembro de 1990 foi promulgada a Convenção sobre os Direitos da Criança na ordem jurídica brasileira com a edição do Decreto n. 99.710, tendo o mesmo entrado em vigor no Brasil em 23 de outubro de 1990. O Presidente da República, no exercício de sua competência privativa, segundo dispõe a Constituição Federal no art. 84, VIII, a ratificou em 24 de setembro de 1990; após os trâmites no Congresso Nacional, expostos na Constituição Federal, art. 49, I, que aprovou a Convenção sobre os Direitos da Criança pelo Decreto Legislativo n. 28, de 14 de setembro de 1990.
O Decreto Executivo, no art. 1º, afirma que “A Convenção sobre os Direitos da Criança, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém”.
Esta é a primeira premissa a ser observada no texto internacional, o Brasil comprometeu-se inter-nacionalmente a proceder, adotar políticas públicas, condutas e posturas nos termos da Convenção. Então é reconhecidamente fonte de obrigações e direitos na ordem jurídica brasileira o teor da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.
O preâmbulo do texto convencional é basilar ao retratar os princípios norteadores do texto compromissivo:
Recordando que na Declaração Universal dos Direitos Humanos as Nações Unidas proclamaram que a infância tem direito a cuidados e assistência especiais;
Convencidos de que a família, como grupo fundamental da sociedade e ambiente natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros, e em particular das crianças, deve receber a proteção e assistência necessárias a fim de poder assumir plenamente suas responsabilidades dentro da comunidade;
Reconhecendo que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão;
Considerando que a criança deve estar plenamente preparada para uma vida independente na sociedade e deve ser educada de acordo com os ideais proclamados na Carta das Nações Unidas, especialmente com espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade;
Tendo em conta que a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial foi enunciada na Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança e na Declaração dos Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral em 20 de novembro de 1959, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (em particular...
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