Direitos da criança. Representação processual e trabalho infantil

AutorCamila Izis Avila Barbosa Paul
CargoAdvogada
Páginas140-159
140 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 656 I FEV/MAR 2019
SELEÇÃO DO EDITOR
Camila Izis Avila Barbosa Paul ADVOGADA
REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL
E TRABALHO INFANTIL
O trabalho infantil no Brasil continua atingindo números elevados.
Ospais muitas vezes não podem figurar como representantes em
juízo, cabendo o papel a um tutor
com a garantia dos direitos humanos estendida
aos direitos da criança e do adolescente promo-
vida pelo trabalho da Organização das Nações
Unidade (ONU) em parceria com a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), em especial no
Brasil, com o Estatuto da Criança e do Adoles-
cente – Lei 8.069/90 (ECA).
Não obstante todos os esforços, o trabalho
infantil ainda continua sendo explorado, pois
leva tempo para se transformar a cultura de
uma sociedade. Enquanto isso, o Estado deve
exercer o seu papel e garantir o bem-estar da
criança e do adolescente, e a vara do trabalho
deve se empenhar para que toda denúncia de
exploração do trabalho infantil seja apurada e
devidamente tramitada.
Nesta breve análise, uma questão ainda em
aberto do direito processual do trabalho vem à
tona: quem estabelecerá a representatividade
processual do adolescente em causa relativa ao
processo do trabalho, uma vez que a própria fa-
mília está, na maioria dos casos, corroborando
com a prática do trabalho infantil do indivíduo
em questão?
Tema bastante delicado e polêmico é
o trabalho infantil. Delicado porque
envolve tanto o convívio familiar da
criança quanto o convívio cultural que
a sociedade impõe às famílias. Polêmico
porque existe uma linha muito tênue entre edu-
cação, trabalho e exploração infantil.
Apesar de já termos evoluído muito nessa
seara, ainda hoje existem muitas crianças que
se encontram em condição de vulnerabilidade
e têm o seu trabalho explorado, principalmente
pelos próprios pais.
Embora tenhamos uma definição clara e ob-
jetiva do que é trabalho infantil e sua explo-
ração, o aspecto cultural em que as famílias
estão inseridas ainda é um grande fator de im-
pacto na condição de vulnerabilidade dessas
crianças, e esta é uma condição que tem que
ser muito bem contextualizada. A maior parte
da exploração do trabalho infantil localiza-se
nas regiões de maior densidade populacional e
com baixo índice de desenvolvimento hu mano.
Evoluímos muito na erradicação da explora-
ção do trabalho infantil nos países emergentes,
Camila Izis Avila Barbosa Paul / SELEÇÃO DO EDITOR
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REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 656 I FEV/MAR 2019
A infância é uma fase da vida humana que deve ser analisada
nos mais diferentes âmbitos. É preciso pensar a infância como
protagonista da história em construção de um ser
1. O QUE É O TRABALHO INFANTIL?
Existem várias interpretações para o que é
trabalho infantil. Uma delas sustenta que é o
desempenho de atividades de qualquer nature-
za por crianças e adolescentes que não tenham
finalidade educativa, ou seja, trabalho infantil
não é somente o trabalho que produza renda ou
ganho de capital. Esta é uma realidade que ain-
da faz parte do cotidiano de milhões de crianças
nos diversos países do mundo, apesar dos esfor-
ços da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura ().
No entanto, os fatores culturais e sociais aca-
bam por redefinir valores que não são do sen-
so comum em muitas regiões e, portanto, para
definir o que é trabalho infantil é necessário
conhecer, em cada perspectiva social, o que é
infância e o que é trabalho.
1.1. Conceito de infância
A infância é uma fase da vida humana que
deve ser pensada nos mais diferentes âmbitos
sociais e do Estado, o que não é tarefa fácil. Não
basta determinar faixas etárias para enquadrar
crianças, adolescentes e jovens. É preciso a tare-
fa mais complexa de pensar a infância como pro-
tagonista da história em construção de um ser.
A preocupação com a infância e o reconhe-
cimento desse período da vida progrediram
com a própria evolução da humanidade. Basta
ver que as crianças de hoje se diferem muito
daquelas que viveram na Idade Média. Mesmo
na atualidade, as crianças são diferentes de ge-
ração para geração, pois “cada momento (e es-
paço) da história humana propõe àqueles que
o vivem diferentes desafios, coloca-os diante de
dificuldades e premências que lhe são próprios”
(S , 2008, p. 10).
Os registros históricos mostram que, em épo-
cas pretéritas, a mortalidade infantil era muito
alta: “a passagem dos indivíduos pelo mundo da
infância era, portanto, extremamente rápida e
eles passavam precocemente a conviver com
a realidade dos adultos, sendo vistos apenas
como adultos em escala reduzida” (C e
S, 2006, p. 97).
Segundo Aires (1986), a infância passou a
existir enquanto conceito somente a partir da
era moderna. Anteriormente, era entendida
apenas como uma fase na qual a criança ain-
da dependia de cuidados sicos para subsistir,
para garantir a sua existência.
Um diferente prisma da infância pode ser en-
contrado na literatura infantil para as diferen-
tes épocas. No Brasil, segundo Resende (1988),
“se questionarmos a produção literária nacio-
nal anterior a Monteiro Lobato, [...] sentiremos o
ranço forte do texto destinado ao público infan-
til, no qual era preciso incutir bons princípios e
valores, como: obediência, trabalho, honestida-
de, patriotismo”. Isto está retratado nos escritos
de Olavo Bilac, com o poema:
Criança! Não verás país nenhum como este:
Imita, na grandeza, a terra em que nasceste!
E também observado no texto de Othon
Costa:
Amai aos vossos mestres no mais justo,
No mais vivo, mais nobre e puro amor...
São eles que vos dão a luz do ensino,
Abrindo-vos as portas do destino,
Para indicar-vos uma estrada em flor!
As narrativas de Monteiro Lobato apresen-
tam a infância de uma forma mais lúdica, com
uma “voz que constrói caminhos de fantasia
capazes de conduzir seus leitores ao encontro
com eles mesmos, com a aventura e com a liber-
dade de escolher e de sentir, e que, em muito se
diferencia dos escritos da época” (S , 2008 p.
9). Os retratos mais condizentes com o compor-
tamento da criança conforme o entendimento
da sociedade moderna também foram registra-
dos por Manoel de Barros:
Remexo com um pedacinho de arame nas minhas/
memórias fósseis./ Tem por lá um menino a brincar no
terreiro/ entre conchas, osso de arara, sabugos, asas
de caçarolas, etc./[...] / O menino também puxava,
nos becos de sua aldeia, por um barbante sujo, umas
latas tristes./ [...] O menino hoje é um homem douto
que trata com física quântica./ Mas tem nostalgia das

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