Os direitos da família multiespécie

AutorThais Precoma Guimarães
CargoAdvogada
Páginas258-258
PONTO FINAL
258 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 660 I OUT/NOV 2019
Thais Precoma Guimarães ADVOGADA
OS DIREITOS DA FAMÍLIA MULTIESPÉCIE
OBrasil é o 4º país com
a maior população de
animais de estimação
do mundo e, conforme
dados informados pelo ,
em 2015, o número de pets era
maior do que o de crianças
nos lares brasileiros. Os pets
– que já foram tratados como
semoventes (animais que
compõem patrimônio) e coi-
sas na legislação civil – passa-
ram a efetivamente integrar
as relações familiares.
Essa nova modalidade fami-
liar, denominada multiespécie,
formada por uma pessoa, al-
guns membros ou um casal e
seu animal de estimação me-
rece um tratamento igualitá-
rio na legislação brasileira.
Com isso, as disputas pelos
pets começaram a ser levadas
ao Poder Judiciário, que pre-
cisou adaptar-se à nova reali-
dade, reconhecendo que o ani-
mal de estimação não pode ser
visto como um objeto, em ra-
zão da necessária preservação
dos laços afetivos existentes
nas famílias, principalmente
após separações e divórcios.
Em 1978, a Declaração Uni-
versal dos Direitos dos Ani-
mais, da , estipulou, em
seus artigos 2º e 5º, que cada
animal “tem direito ao respei-
to” e, como é “pertencente a
uma espécie, que vive habitual-
mente no ambiente do homem,
tem o direito de viver e crescer
segundo o ritmo e as condições
de vida e de liberdade que são
próprias de sua espécie”.
O Poder Legislativo brasilei-
ro busca regulamentar a situa-
ção por meio do  542/2018,
que “estabelece o compartilha-
mento da custódia de animal
de estimação de propriedade
em comum, quando não hou-
ver acordo na dissolução do
casamento ou da união está-
vel”. Enquanto isso, nossos
tribunais vêm decidindo, no
âmbito do direito de família,
pela aplicação analógica da
legislação atinente à guarda
compartilhada de crianças e
adolescentes aos conf‌litos fa-
miliares que envolvam pets.
O primeiro caso analisa-
do pelo Judiciário foi do Rio
de Janeiro (Apelação Cível
0019757-79.2013.8.19.0208), em
recurso que tratava da posse
do animal e dos vínculos emo-
cionais e afetivos construídos
ao longo do relacionamento.
Nele, foi reconhecida a cone-
xão do ex-marido com o pet
e estipulado o regime de visi-
tação do cachorro. Após este
julgamento, diversas decisões
com o mesmo entendimento
foram proferidas no país.
O rito é semelhante ao de
uma ação de guarda e convi-
vência de crianças, mas a dife-
rença é que um dos proprietá-
rios pode renunciar à custódia
do animal ou à visitação. A
propriedade não basta para
que seja outorgada a custódia
unilateral do animal, pois a
prova dominante é o vínculo
afetivo com a família, a af‌ini-
dade e as condições para cui-
dar do animal (estrutura sica,
disponibilidade e habilidade).
Além disso, deverá ser apre-
ciada a questão f‌inanceira, já
que os cuidados com os pets
exigem banhos frequentes, to-
sas e alimentação específ‌ica, o
que se assemelhará à f‌ixação
de “pensão alimentícia”.
Em julgamento realizado
em junho de 2018, o  def‌iniu
a competência das varas de fa-
mília para a análise do conf‌lito.
O relator, ministro Luis Felipe
Salomão, sinalizou que se deve
“ter como norte o fato, cultural
e da pós-modernidade, de que
há uma disputa dentro da
entidade familiar em que pre-
pondera o afeto de ambos os
cônjuges pelo animal” (Recur-
so Especial 1.713.167/).
Em síntese, é urgente a re-
gulamentação da legislação
brasileira, com o acolhimento
da diretriz já consolidada inter-
nacionalmente de que animais
não podem mais ser tratados
como coisas. Com isso, tere-
mos uma proteção aos laços da
família multiespécie e o sofri-
mento com o rompimento da
relação poderá ser amenizado
com a ampla convivência dos
donos com seus pets.n

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