Direitos da Personalidade

AutorCleyson de Moraes Mello
Ocupação do AutorVice-Diretor da Faculdade de Direito da UERJ - Professor do PPGD da UERJ e UVA - Advogado - Membro do IAB
Páginas197-429
Capítulo 7
DIREITOS DA PERSONALIDADE
A repersonalização reencontra a trajetória da longa his-
tória da emancipação humana, no sentido de repor a pessoa
humana como centro do direito civil, passando o patrimônio
ao papel de coadjuvante, nem sempre necessário. (...) A res-
tauração da primazia da pessoa humana nas relações civis é
a condição primeira de adequação do direito aos fundamen-
tos e valores constitucionais (Paulo Lôbo)1
Em matéria constitucional o art. 1o da Constituição
da República estabelece como princípio fundamental a
dignidade da pessoa humana na sequência do valor, tam-
bém fundamental, da igualdade, expresso no preâmbulo
como valor superior do ordenamento jurídico, que proíbe
qualquer tipo de discriminação. Quer isso dizer que o res-
peito à pessoa humana é o marco jurídico básico, o suporte
inicial que justifica a existência e admite a especificação
dos demais direitos, garantida a igualdade de todos pe-
rante a lei (igualdade formal) e a igualdade de oportuni-
dades nos campos econômico e social (igualdade mate-
rial). (Francisco Amaral)2
7.1 Introdução
Os direitos da personalidade são aqueles constituídos pela
estrutura-base dos direitos do Homem, ou seja, aqueles ineren-
197
1 LÔBO, Paulo. Direito Civil: parte geral. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012,
p. 59.
2 AMARAL, Francisco, Direito civil: introdução. Disponível em: Minha
Biblioteca, (10th edição). São Paulo: Saraiva, 2018, p.362.
tes aos seus caracteres essenciais: físicos, psíquicos e morais, in-
cluindo suas projeções sociais.
Nos direitos da personalidade incluem-se os direitos à vida,
à integridade psicofísica, à honra, à intimidade, ao nome, à repu-
tação, bem como ao repouso, ao descanso, ao sono, ao sossego, a
um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibra-
do, à sexualidade, ao direito fundamental à qualidade de vida,
dentre outros. São direitos extrapatrimoniais que ao colidirem
com os de índole patrimonial ou com valorização econômica, em
regra, logram prevalência.
O vocábulo pessoa, do latim persona, significa cada ser hu-
mano considerado na sua individualidade física ou espiritual,
portador de qualidades que se atribuem exclusivamente à espé-
cie humana, quais sejam, a racionalidade, a consciência de si, a
capacidade de agir conforme fins determinados e o discern-
imento de valores.
7.2 A Filosofia Prática Kantiana. A Ideia do Sujeito Moderno
Em Kant, o homem se reencontra. Em 1785, Immanuel Kant
publicou a Fundamentação da metafísica dos costumes, que ser-
viu de base à sua Crítica da razão prática (1788). Kant procura
mostrar que o interesse especulativo da razão somente poderá
ser satisfeito em termos práticos, ou seja, as ideias da razão de-
vem ser efetivadas nas ações humanas no mundo real de modo
que possuam um sentido moral. Melhor dizendo: as ideias da ra-
zão respondem a uma intenção prática e se justificam por meio
das ações humanas. É o reencontro do homem consigo mesmo,
com sua própria natureza.
Kant procura novos caminhos para se atingir os objetos da
metafísica: a consciência moral ou razão prática. É a partir do
conjunto de princípios que constituem a consciência moral que
o pensamento kantiano encontra as raízes nas quais o homem
pode ser conduzido à apreensão dos objetos metafísicos. A mu-
dança de pensamento filosófico perpassa não somente o mundo
do conhecimento, mas também o da ação; a consciência moral
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atua na razão. Não relacionada àquela razão especulativa (razão
enquanto se aplica ao conhecimento, encaminhada a determinar
a essência das coisas), mas sim a razão aplicada à ação, à prática,
à moral. Outrora, a posição privilegiada que no conhecimento é
atribuída à ciência convém na ação à moral ou moralidade, isto
é, no âmbito do prático, a moralidade reivindica validade univer-
sal e objetiva. Assim, para Kant, só há uma razão, que é exercida
de forma prática ou teórica. Esta, relacionada ao uso teórico,
aquela, ao uso prático da razão.3
Uma análise dos princípios da consciência moral conduz
Kant aos qualifi cativos morais; por exemplo: bom, mau; moral,
imoral; meritório, pecamino so etc.4 Estes qualificativos morais
não estão em harmonia com as coisas, já que quando dizemos
que uma coisa é boa ou má, estamos diante de uma re lação de
mérito/demérito. Somente o homem, a pessoa humana, é digno
de predicar-se a bondade e a maldade. Os predicados morais não
correspondem àquilo que o homem faz efetivamente, mas sim
àquilo que ele quer fazer.
É neste querer-fazer que conseguimos notar os predicados
morais, ou seja, a única coisa que pode ser verdadeiramente boa
ou má é a vontade humana. Daí, o surgimento do imperativo hi-
potético e imperativo categórico kantiano, uma vez que todo ato
voluntário do homem se apresenta à razão, à reflexão, na forma
de um imperativo.4 O imperativo hipotético é aquele que apre-
senta, em sua forma lógica, uma estrutura no sentido de sujeitar
o mandamento, ou imperativo mesmo, a uma condição. De for-
ma contrária, o imperativo categórico, o mandamento, não se
apresenta sob condição nenhuma, ou seja, o mandamento é ab-
soluto e sem limitações.5 Este como imperativo é um dever-ser;
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3 MELLO, Cleyson de Moraes. Introdução ao estudo do direito. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 2006, p. 245-246.
4 MORENTE, Manuel García. Fundamentos de filosofia: lições prelimina-
res. Tradução Guilhermo de la Cruz Coronado. 8. ed. São Paulo: Mestre Jou,
1980. p. 255. 4 Ibid., p. 255.
5 Ibid., p. 256.

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