Direitos fundamentais como abertura para o passado: diálogos entre ronald dworkin e a teoria pós-colonial

AutorMarcos Vinícius Lustosa Queiroz - Guilherme Scotti
CargoDoutor (2011) e Mestre (2008 em Direito - Doutorando em Direito pela Universidade de Brasília (2017)
Páginas217-240
Rev. direitos fundam. democ., v. 26, n. 3, p. 217-240, set./dez. 2021.
DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v26i31520
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO ABERTURA PARA O PASSADO:
DIÁLOGOS ENTRE RONALD DWORKIN E A TEORIA PÓS-COLONIAL
FUNDAMENTAL RIGHTS AS AN APERTURE TO THE PAST: DIALOGUES
BETWEEN RONALD DWORKIN AND THE POST-COLONIAL THEORY
Guilherme Scotti Rodrigues
Doutor (2011) e Mestre (2008 em Direito, área de concentração
"Direito, Estado e Constituição", pela Universidade de Brasília (UnB).
Graduação em Direito (2005) Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). Coordena o grupo de pesquisa "Desafios do
Constitucionalismo" e integra o "Centro de Estudos em Desigualdade
e Discriminação", da UnB (CEDD/UnB).
Marcos Vinícius Lustosa Queiroz Scotti
Doutorando em Direito pela Universidade de Brasília (2017), com
sanduíche na Duke University (Fulbright Commission) e na
Universidad Nacional de Colombia (Programa Abdias Nascimento -
CAPES). Graduação (2013) e Mestrado (2017) em Direito pela UnB.
Professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e
Pesquisa (IDP).
Resumo
O artigo põe em diálogo teoria constitucional e pensamento pós-
colonial, objetivando alcançar uma hermenêutica jurídica que leve a
violência colonial a sério. Primeiramente, a partir do pensamento de
Ronald Dworkin, caracteriza os direitos fundamentais como porta de
entrada da moral e, consequentemente, da história no sistema
jurídico. Em um segundo momento, define a interrupção crítica que o
pós-colonial opera no relato moderno. Com isso, trabalha como a
articulação entre pós-colonial e constitucionalismo fornece elementos
para uma imaginação moral expandida e mais democrática dos
direitos fundamentais. Conclui que o pós-colonial contribui para a
construção do romance constitucional ao iluminar a melhor
interpretação dos direitos fundamentais no passado e no presente.
Palavras-chave: Constitucionalismo. Direitos fundamentais. Moral.
Pós-colonial. Ronald Dworkin.
Abstract
The paper brings constitutional theory and postcolonial thought into a
GUILHERME SCOTTI RODRIGUES / MARCOS VINÍCIUS LUSTOSA QUEIROZ SCOTTI
218
Revista de Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 26, n. 3, p. 217-240, set./dez., de 2021.
dialogue. It seeks a legal hermeneutics that takes colonial violence
seriously. First, based on Ronald Dworkin's thought, it defines
fundamental rights as a gateway to morality and, consequently, to
history in the legal system. In a second moment, it presents the critical
interruption of the modern narrative operated by the postcolonial.
Thus, the paper works on how the articulation between postcolonial
and constitutionalism provides elements for an expanded and more
democratic moral imagination of fundamental rights. The conclusion
is that postcolonial contributes to the construction of the constitutional
novel by illuminating the best interpretation of fundamental rights in
the past and in the present.
Keywords: Constitutionalism. Fundamental rights. Morality.
Postcolonial. Ronald Dworkin.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Marcada por experiências revolucionárias e pleitos de liberdade e igualdade,
a virada do século XVIII para o XIX é um momento crucial para o surgimento e a
história dos direitos fundamentais (HUNT, 2009). A historiadora Lorelle Semley narra
que, durante o turbilhão político estabelecido dos dois lados do Atlântico, Jeanne Odo,
mulher negra descrita como centenária, liderou uma delegação de negros livres em
Paris perante a Convenção Nacional em 1793, agindo em nome das pessoas
escravizadas nas colônias (SEMLEY, 2013).
A presença de Jeanne Odo na Paris revolucionária do século XVIII, destacada
em relatos do período e celebrada na literatura secundária como uma personalidade
militante, atesta a potência e a efervescência dos debates colocados pelos povos da
diáspora africana acerca da extensão dos direitos fundamentais anunciados pelo
Iluminismo (JAMES, 2007; DUBOIS, 2004; DUARTE e QUEIROZ, 2016). Ademais,
aponta para a necessidade de compreensão das articulações, afirmações e silêncios
entre raça, gênero e sexualidade que figuram no centro do desenvolvimento do
sistema jurídico moderno (SEMLEY, 2013). Neste sentido, Semley argumenta:
As narrativas históricas sobre raça e escravidão durante a Revolução
Francesa destacam leis e decretos, culminando com a abolição da escravidão
e a emancipação dos escravos declarada pela Convenção Nacional em
fevereiro de 1794.
1
No entanto, a história da raça e da escravidão durante a
Revolução Francesa abrangia necessariamente a feminilidade, a
masculinidade e a sexualidade como parte da imagem e da retórica em torno
1
Destaca-se que, com a chegada de Napoleão Bonaparte ao poder e a consequente reação às
medidas mais avançadas do processo revolucionário, a abolição da escravidão nas colônias francesas
foi revertida no ano de 1802. Essa medida dissolveu os impasses da Re volução Haitiana, que veio a
terminar, em 1804, com a declaração de independência e a proibição perm anente da prática da
escravidão em seus territórios. Para uma descrição detalhada do processo, veja -se DUBOIS, 2004.

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