Direitos fundamentais: aspectos gerais

AutorSandra Regina Pavani Foglia
Ocupação do AutorAdvogada
Páginas17-50

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1.1. Conceito e terminologia

Ao longo da história, a doutrina e o direito positivo internacional usaram várias expressões ao tratar o assunto, cada qual espelhando, em variações terminológicas, conquistas da época, a exemplo das expressões direitos do homem, direitos humanos, direitos individuais, liberdades individuais e direitos humanos fundamentais.1

No entendimento de Norberto Bobbio, essa variação terminológica seria um itinerário de desenvolvimento dos direitos humanos, pois nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, quando cada Constituição incorpora Declarações de Direitos, para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais2.

Direitos do homem seriam aqueles direitos naturais ainda não positivados, possuindo conotação marcadamente jusnaturalista por sua mera condição humana de direitos não positivados. Quanto aos direitos humanos, seriam aqueles positivados na esfera do direito internacional, guardando relação com posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que aspiram validade universal. E direitos fundamentais seriam os direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado.

No Brasil, pouco se desenvolveu sobre o tema de 1948, ano em que foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e 1964, quando do golpe militar. mas, os direitos humanos são “descobertos” por organizações da socie-dade civil como “uma gramática utilíssima para o confronto com a ditadura”3

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na década de 1970. Na década de 1980, com a valorização da democracia como valor universal, nasce a luta pela concretização dos direitos humanos.4

Tirante o curto espaço de tempo do processo de redemocratização iniciado em 1985, é promulgada em 1988 nossa Constituição da República, que “integra no ordenamento jurídico a gramática dos direitos humanos”, e mesmo com “erros de ortografia”5, pois “relevantes medidas ainda necessitem ser adotadas pelo Estado brasileiro para o completo alinhamento do país à causa da plena vigência dos direitos humanos”6, é considerada

(...) como marco jurídico da institucionalização dos direitos humanos e da transição democrática do País, ineditamente, consagra o primado do respeito aos direitos humanos como paradigma propugnado para a ordem internacional.7

Nossa Constituição da República trata os direitos fundamentais com diversi-dade semântica: ora encontramos expressões como direitos humanos, a exemplo do inciso II, artigo 4º, ora direitos e garantias fundamentais, parágrafo 1º do artigo 5º; neste mesmo artigo, inciso LXXI, a expressão direitos e liberdades constitucionais, e no inciso IV, parágrafo 4º do artigo 60, direitos e garantias individuais, e dessa positivação seguem as diversas opções de nomenclatura justificadas pelos estudiosos da matéria como analisado a seguir.

José Afonso da Silva adota a expressão direitos fundamentais do homem, pois entende que essa

(...) refere-se a princípios que resumem a concepção de mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualitativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de

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que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem, não como o macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos fundamentais.8

Paulo Bonavides entende aceitável a utilização das expressões direitos humanos e direitos fundamentais como sinônimas, mas afirma que razões didáticas exigem que a expressão direitos humanos seja adotada quando o assunto versar sobre direitos da pessoa humana antes de sua constitucionalização ou positivação nos ordenamentos, e a expressão direitos fundamentais quando esses direitos estiverem normatizados.9

Esclarece manoel Gonçalves Ferreira Filho que a igualdade de direitos entre homem e mulher eliminou politicamente a expressão direitos do homem, impondo, em substituição, a terminologia direitos humanos fundamentais, sendo direitos fundamentais sua abreviação correspondente.10

Para Sergio Rezende de Barros, a semântica correta é direitos humanos fundamentais, afirmando ser um instituto uno e indivisível, que não comporta divisão em seus termos, sob pena de afetar o instituto jurídico, justificando que

Na verdade, o instituto nasceu uno e nunca foi senão um, conquanto admita, como outros institutos e conceitos jurídicos, níveis ou campos de compreensão e de extensão que podem variar do mais geral e fundamental ao mais particular a operacional.11

Para Ingo Wolfgang Sarlet os direitos fundamentais nascem e se desenvolvem com as constituições nas quais foram reconhecidos e assegurados. Distingue o autor as expressões direitos humanos de direitos fundamentais a partir do critério de seu plano de positivação, optando em sua obra pela utilização da segunda expressão12. Sobre a distinção terminológica aduz:

(...) o termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão direitos humanos guarda relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, inde-

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pendentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional.13

Já Vidal Serrano Nunes Junior conceitua direitos fundamentais como

(...) o sistema aberto de princípios e regras que, ora conferindo direitos subjetivos a seus destinatários, ora conformando a forma de ser e de atuar do estado que os reconhece, tem por objetivo a proteção do ser humano em suas diversas dimensões, a saber: em sua liberdade (direitos e garantias individuais), em suas necessidades (direitos sociais, econômicos e culturais) e em relação à sua preservação (solidariedade).14

E, explicita seu entendimento de serem os direitos fundamentais um sistema afirmando

Aponta-se que os direitos fundamentais constituem um sistema, na medida em que suas normas estão em constante interação, reconduzindo sempre ao mesmo objeto: a proteção do ser humano. Assim, um direito fundamental implica outro e um influencia o conteúdo do outro, de tal modo que, fora de uma análise sistemática, não poderiam ser enfocados como uma espécie de somatória de disposições analiticamente isoladas.15

Analisando a relação conceitual entre direitos fundamentais e direitos humanos, Vidal Serrano Nunes Junior afirma que o objeto de ambos é idêntico, germinando para o mesmo fim, qual seja, “a proteção do ser humano em todas as suas dimensões”16, e se nota uma relação de derivação. O autor segue o entendimento que afirma serem os direitos fundamentais aqueles positivados internamente pelos Estados, e direitos humanos aqueles identificados em declarações e tratados inter-nacionais, mas entende não ser apenas essa diferença, ressaltando duas funções essenciais dos direitos humanos

· função normogenética, na medida em que servirão de fundamento para a consagração de direitos fundamentais nas respectivas ordens internas. Terão, em outras palavras, uma função de substanciação dos direitos fundamentais, quer pela incorporação às respectivas constituições, quer pelo reconhecimento, pela ordem interna, dos tratados e convenções de direitos humanos.

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· função translativa, na medida em que, verificada a insuficiência de um Estado no reconhecimento e na proteção dos direitos essenciais ao ser humano, a questão se desloca da ordem interna para o cenário internacional.

Para enfeixar esta linha de reflexão, sobre a relação conceitual entre direitos humanos e direitos fundamentais, merece nota a questão que floresceu com o advento da Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, ao incorporar à ordem interna os tratados internacionais de direitos humanos, incluindo um § 3º ao artigo 5º17, pois apesar da densidade normativa do artigo 5º, § 2º da Constituição da República18, entendia o Supremo Tribunal Federal que esses tratados mesmo relacionados a direitos fundamentais equivaleriam em nosso ordenamento a lei ordinária19. Nesse período, o Supremo Tribunal Federal não admitia a força de convenção internacional, mesmo não menosprezando o objetivo nela contido.20

Mas, a necessidade de evolução e atualização da jurisprudência por...

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